Capítulo 117
2778palavras
2023-02-07 09:34
Como eu queria que fosse uma visão, ou mesmo um pesadelo. Mas não. Assim que me viram, os dois levantaram imediatamente.
Breno desta vez usava um tênis de marca, original, uns dois números maior que seu pé, calça jeans surrada e uma camisa xadrez de vermelho com preto, as mangas arrancadas, transformadas em curtas com as próprias mãos.
Anya usava um vestido xadrez de vermelho e preto, com uma jaqueta de couro preta por cima e botas de cano alto da mesma cor. Só olhando bem de perto para ter certeza de que o tecido da camisa dele e do vestido dela não eram o mesmo. Os cabelos ruivos estavam presos num rabo de cavalo mal feito no alto da cabeça.

Deus, como se analisar as roupas deles fosse o mais importante naquele momento! Não, não era... Mas eu tinha esperanças de que quando olhasse nos olhos deles, se evaporassem da minha frente, como num passe de mágica.
Claro que não foi isso que aconteceu, afinal, eu não estava em Nárnia e sim Noriah Norte.
- O que vocês querem? – Perguntei, tentando transparecer uma coragem que eu não sentia naquele momento.
- A menina. – Anya foi direta.
- De jeito nenhum. Ela é minha. – Disse, entredentes, sentindo meu corpo tremer novamente, como há minutos atrás, na casa de Heitor.
- Não, ela não é sua. Eu fui até o hospital. Salma gerou e pariu esta criança. E o pai dela é um homem milionário. Já sabemos tudo sobre ele: Sebastian Perrone.

Deus, não! Olhei para o teto, tentando encontrar vestígios de alguma divindade. Mas tudo que eu via era um reboco gelo, detonado, com marcas de infiltrações e remendos de cimento. Eu precisava de uma luz... E não poderia ser a do fim do túnel, porque era só ela que eu via naquele momento. Se Deus existisse, que me desse forças, porque eu sozinha já não tinha. Estava prestes a jogar a toalha.
Olhei para Maria Lua nos meus braços, o corpinho mole adormecido, já pesando quase o mesmo que a bolsa no meu ombro. Sim, ela valia qualquer coisa, inclusive meter uma bala no meio da testa daqueles dois desclassificados.
- O que você quer? – encarei Anya – Você ficou anos sem procurar a sua filha e agora aparece aqui, do nada, querendo cuidar da menina só porque acha que o pai dela é rico? Sebastian Perrone não é rico. Ele faliu há poucos meses, fechando a empresa em Noriah Norte. Tudo que vai conseguir com ele são duplicatas para pagar.
- Você mentiu, garotinha! – Breno me acusou, com voz imitando criança, a boca gesticulando de forma debochada.

- Menti porque quero ficar com ela. E vou ficar. Jamais alguém daria a guarda de um bebê para vocês. Eu sei tudo que você fez com Salma – olhei para Breno – E não vou deixar fazer o mesmo com a filha dela. – Engoli em seco, segurando as lágrimas.
- Salma era uma mentirosa. Breno jamais a tocaria. – Anya defendeu-o.
Respirei fundo, tentando encontrar argumentos, mas minha cabeça já não pensava muito bem naquele momento. Eu estava cansada, destruída, descalça e mal tinha forças para segurar a minha filha nos braços.
- Vamos conversar lá dentro. Acho melhor. – Anya disse.
- Não. Vocês não vão entrar na minha casa.
- Quero a menina. – Ela se aproximou.
- Eu a entrego.
- Entrega? – Breno me olhou, surpreso.
- Sim, desde que vocês tenham um mandado da Justiça. Caso contrário, não. Ela tem pai e ele é o detentor dos direitos sobre ela.
- E por que ele não a assumiu?
- Porque não sabe que ela existe. Vou avisá-lo e vocês não poderão se aproximar de Maria Lua. Mas tem a opção de procurar a Justiça. Então travarão uma batalha pela menina. E eu duvido que ganharão.
- Vou acusá-la de roubo. – Anya falou.
- Sim, você roubou a criança. – Breno seguiu.
- Não roubei. O pai sabia que eu estava com ela.
- Mas você acabou de dizer que ele não sabe da existência dela. – Anya arregalou os olhos, confusa.
- Eu disse? Devo ter me engando.
Breno gargalhou. Um riso anasalado, que irritava profundamente.
- Você nem sabe mais o que diz de tanto que mente, Babi. – Me acusou.
- Estou cansada e já deve estar na hora da mamadeira de Maria Lua. Se me dão licença, preciso entrar na “minha” casa e gostaria que vocês deixassem o meu prédio. Entrem na porra da justiça e lutem por seus direitos. Eu farei o possível e o impossível para que vocês não possam sequer ver a menina.
- Não é você que decide isso – Anya falou – É o juiz. Eu quero a menina. É minha neta. Salma escolheu o pai, um homem rico, um CEO. Ou ele fica com a menina e ajuda a família da criança ou nós obtemos a guarda e ele terá que pagar pensão.
Olhei para os dois e a primeira coisa que me passou na cabeça foi: “Que tipo de pessoas vocês são?” Eu convivi com Jardel por oito ano e o achei repugnante. Mas olhar aquele casal era simplesmente mil vezes pior. Eu senti tanto nojo que meu estômago embrulhou.
- Olha só, Babi. Podemos tentar entrar num acordo. – Breno propôs.
- E qual seria? – Perguntei imediatamente, em desespero.
- Só queremos um dinheiro para poder ir embora.
- Mas... Há pouco tempo atrás queriam a menina.
- Vamos voltar para nossa casa e viver nossa vidinha.
- Acha que sou burra, Breno?
- Qualquer grana serve, Babi – Anya disse – Pense que pelo menos por um tempo nós não voltaremos aqui para atormentá-la. Sei que você quer a menina e certamente também é pelo dinheiro.
- Não! Olhem para esta criança e me digam se alguém em sã consciência quereria qualquer coisa a não ser ela?
Os dois sequer olharam na direção da bebê que dormia no meu colo. Respirei fundo e perguntei:
- De quanto estamos falando?
- Uma boa quantia. Você deve saber o quanto ela vale... Pelo menos para você.
Ela vale a minha vida. E eu não tinha mais solução. Precisava dar-lhes o que queriam ou estariam amanhã novamente na minha porta. E eu só precisava de pouco tempo agora. Partiria em horas e nunca mais os veria. Então Maria Lua estaria segura.
- Esperem aqui. – Falei, enquanto pegava a chave na bolsa e abria a porta.
Quando fui entrar, Breno pegou meu braço e disse:
- Nada de gracinhas, ok? Se chamar a Polícia ou qualquer outra pessoa, amanhã mesmo iremos buscar nossos direitos e ainda acusaremos você de rapto de recém-nascido.
- Eu vou tentar conseguir dinheiro. Eu não tenho... Nada. Eu sequer trabalho.
- Dê o seu jeito – Anya falou – Você ficou com todo o dinheiro da minha filha, que ela guardou para a criança. Ou vai me dizer que não fez isso?
Balancei a cabeça e entrei, passando a chave novamente na porta, amedrontada de eles entrarem atrás de mim.
Coloquei Babi no berço e corri até meu quarto, ligando para Mandy.
- Babi? – Ela Atendeu de imediato, com a voz preocupada.
- Vó, eu preciso de um favor.
- Meu Deus, querida. O que houve? Tudo bem com Maria Lua?
- Sim... Quer dizer, por enquanto sim. Eu estou bem. Mas será que poderia transferir um dinheiro para minha conta... Agora?
- Está sendo chantageada? Foi sequestrada? Por Deus, não me apavore.
- Vó, eu estou segura, dentro do meu apartamento, com Maria Lua. Ben ainda não retornou da Itália. Mas... Eu... Eu vou viajar com ela, vó. Deu tudo errado com Heitor e preciso de dinheiro imediatamente.
- Como assim vai embora?
- Os pais de Salma apareceram.
- Eles querem a menina?
- Não, eles querem o bem-estar que ela pode lhes proporcionar. Mas vó, eu nem sei quem é o pai dela agora.
- Não sabe? Mas... É Heitor, todos sabemos.
- Não... Não é.
- Claro que é. Ela escreveu.
- Sim, ela escreveu que dormiu com Heitor e planejou a gravidez. Mas não contava que ele tinha vasectomia. Então Maria não é filha do CEO da North B. E... Aposto que nem Salma sabe quem poderia ser o pai da filha. E sequer há os diários para que eu possa tentar descobrir.
- Você estará roubando esta criança.
- Por Deus, vó. Preciso do dinheiro, agora. Se você não me der, eu vou pedir para outra pessoa e sabe disto. Prometo que quando estiver em segurança, lhe conto exatamente tudo como aconteceu. Agora eu só preciso disso... Por favor.
- Quanto, Babi?
- O quanto você acha que eu posso precisar. – Preferi não dar o valor, porque eu não sabia. Para mim aquela menina valia mais do que qualquer coisa.
- Estou transferindo uma boa quantia para sua conta agora mesmo, Babi. Mas prometa que depois me conta... Ou melhor, assim que puder e estiver em segurança.
- Prometo.
- Por que não vem para cá, querida? Eu posso cuidar de vocês... Ninguém procuraria pelas duas aqui.
- Não dá... É muito perto. Noriah Norte não dá mais para mim e minha filha.
- Eu já perdi sua mãe... Não vou perder você. Assim que se estabelecer, me avise. Vou embora com vocês.
Senti meu coração acelerar imediatamente e uma onda de calor invadir meu corpo. Havia amor ainda no mundo... E por mim e a pequena que fazia meus dias serem mais felizes. Eu não estava sozinha.
- Obrigada, vó. Eu não vou negar que gostaria muito da sua presença ao meu lado, me ajudando a criar nosso pequeno raio de sol.
- Estarei com vocês. O dinheiro está transferido.
- Amo você.
- Amo você, Babi. Você é o “meu” raio de sol.
Eu não tinha tempo para chorar. Apertei os olhos com os dedos, impedindo a porra das lágrimas de caírem. Fui correndo até a porta e girei a chave na fechadura.
O casal seguia acampado na minha porta.
- O número da conta. Vou transferir o dinheiro.
- Preferimos dinheiro vivo. – Breno afirmou.
- Eu não tenho como lhes dar dinheiro vivo. Não menti quando disse que não tenho nada. Eu acabei de pedir emprestado. Acha mesmo que alguém traria uma mala de dinheiro na minha porta uma hora destas da madrugada? Somos pobres, esqueceram? Não estamos num filme...
- Ah, deixa de ser chato, Breno – Anya pegou o telefone celular – Estou passando os dados por aqui.
Imediatamente meu celular bipou, com os dados da conta dela enviados por mensagem. Fiz a transferência de um valor alto que Mandy depositou na minha conta.
Anya ficou esperando até o valor ser transferido. Assim que viu a quantia, cutucou Breno com o dedo indicador. Ele pôs o rosto próximo da tela e vi que os olhos dele brilharam de satisfação.
- Está bom... – Anya disse, sorrindo.
- Por hora. – Ele completou.
- Sim, eu sei. Logo vão querer mais... E mais... E sempre mais. Sei bem como funciona isso – sorri – Eu não tenho mais. Façam o que quiser a partir de agora. Só quero que sumam da minha porta.
- Uma semana dá para viver com esta grana – Breno falou – Depois disso vamos precisar de mais.
- Fora... Agora. – Quase gritei.
- Não fique nervosinha, docinho. – Breno debochou, os olhos parando no meu colo nu, com a alça do vestido caindo, arrebentada.
- Vamos embora, seu idiota. – Anya puxou ele pela escada.
Fechei a porta e escorei-me na madeira gelada. Meu corpo ainda tremia. Abri as mãos e percebi que elas não conseguiam parar.
Eu queria um banho. Eu precisava dormir. Mas o que fiz foi pegar as malas e começar a organizar as roupas minhas e de Maria Lua imediatamente.
Não havia tempo para muita arrumação. Jogava tudo do jeito que dava. Por hora tinha que pegar só o mais importante. Depois Sebastian ou Milena poderiam pegar o restante.
Coloquei a certidão falsa na bolsa. Rezaria para nada dar errado ao embarcar para outro país com aquilo. Mas eu não tinha saída. Daniel era esperto e me encontraria em qualquer lugar de Noriah Norte.
Levei uma das malas para a sala. Fui buscar a outra e quando cheguei, encontrei-o fechando a porta. Eu nem lembro se havia chaveado.
Mirei os olhos dele, amedrontada:
- O que você está fazendo aqui?
- Por que você deu dinheiro para eles, porra?
- O que você faz na minha casa? – peguei meu celular no sofá – Eu vou ligar para o Polícia.
Ele veio rapidamente na minha direção, arrancando o telefone da minha mão e jogando no chão, metros longe.
- Não vai ligar. Chega de ser paciente com você. Quando vamos ir morar no apartamento de Casanova? Quero data...
Eu ri, ironicamente. Na verdade, me diverti com aquela situação. Seria cômico, se não fosse trágico.
- Está achando graça do que? Pensa que estou brincando, Babi?
- Daniel, você não vai acreditar no que vou lhe dizer.
Ele me encarou, confuso, enquanto eu ainda mantinha os lábios abertos num sorriso de orelha a orelha:
- Heitor Casanova não é o pai de Maria Lua.
Daniel seguiu me olhando por um tempo. Depois ele que começou a rir:
- Você é engraçada! E acha que sou burro, não é mesmo?
- Eu estou voltando da casa de Heitor... Eu contei tudo pra ele. Quer dizer, tudo não, porque ele não me deixou explicar. E sabe por que ele não quis saber mais?
- Ele deve ter ficado puto porque você não contou antes. Mas sabe que logo a raiva passa e ele vai procurá-la. Não a deixará desamparada com a filha. Ou... Ele ficou com Maria Lua. Onde está a criança?
Ele andou rapidamente, passando por mim e indo diretamente para o quarto dela, certificando-se de que a menina estava ali.
Quando voltou, sentou-se no sofá, confortavelmente, cruzando as pernas e descansando a cabeça no encosto:
- Por um momento temi que ele tivesse ficado com a menina e mandado você embora.
- Ele nem me deixou falar nada, como eu tentei lhe dizer agora pouco. Comecei... E disse que Maria era filha dele. Quer saber a resposta que ele me deu?
- Estou ansioso.
- Ela não é minha filha, disse o CEO... – eu comecei a rir nervosamente no início, mas depois a risada saiu verdadeira. Sim, era divertido contar aquilo para Daniel. O plano dele estava acabado, morto, destruído – Eu tenho vasectomia, Bárbara! – imitei a voz de Heitor, as lágrimas caindo pelo meu rosto de tanto que eu ria.
A cara de Daniel para mim foi hilária. E eu não conseguia mais conter o ataque de riso que tomava conta de mim.
- Ele estava blefando. – Ele disse seguramente.
- Não... Não estava – eu ainda ria – Ele fez vasectomia assim que Milena engravidou. Certamente por isso... Ele não tinha medo algum de transar comigo sem camisinha. O desclassificado é muito, mas muito esperto... Mais do que eu, você, Salma... Tentaram dar o golpe nele... Mas Heitor Casanova é à prova de golpes. Deve estar calejado.
- Isso é mentira. – Daniel falou entredentes, levantando.
- Não, não é. Pergunte para ele. Olhe o meu estado – eu estava descalça, descabelada, a alça do vestido arrebentada – Ele me mandou embora assim, com a criança nos braços... Sequer deixou eu pegar meus sapatos. E eu saí correndo, antes que virasse abóbora depois da meia-noite. – Comecei a gargalhar novamente.
Ele veio na minha direção, furioso e deu-me uma bofetada, forte, dolorida, fazendo-me acordar da crise de riso que estava me deixando fora da realidade.
- A verdade. – Ele pegou meu maxilar entre suas mãos, apertando.
- É... Verdade – falei com dificuldade – Você está fodido... Muito fodido.
Fui pega de surpresa pela atitude dele, que agarrou-me pelo pescoço e me jogou com força no sofá, prendendo-me com parte de seu corpo.
Tentei me desvencilhar, mas ele era muito mais forte que eu. Não conseguia sequer mover minhas pernas. As mãos dele foram apertando mais forte a minha garganta enquanto meus olhos o fitavam, desesperadamente. Sentia o ar faltando pouco a pouco e vi a morte na minha frente.
A primeira coisa que me veio à mente foi Jardel. Eu não queria o descanso eterno no mesmo lugar que ele. Deus, se for ele a me receber nos portais do Paraíso, juro que eu volto para puxar o pé de todo mundo.