Capítulo 116
2431palavras
2023-02-07 09:34
- Você está mentindo! É o pai de Maria Lua. Faça a porra de um DNA se preferir e se certificará de que é sua. Pode negar qualquer coisa na vida, Heitor, menos a paternidade dela. – Gritei, sentindo ódio.
- Fiz vasectomia após a gravidez de Milena, sua desclassificada. Eu não posso ser pai. Eu nunca quis filhos. Então você bate à minha porta com uma criança que deve ter tido de qualquer homem que arranjou na rua e tenta me dar o golpe? – ele riu, passando as mãos nervosamente pelos cabelos – Muitas já tentaram isso comigo, Bárbara. Se acha esperta? Não, não é. É só mais uma... Como todas as outras.
- Não sou como as outras... Eu sou Bárbara.
Tudo começou a girar rápido demais. Apoiei-me numa cadeira, sentindo que meu corpo precisava de amparo mais uma vez. Não podia ser verdade. E eu não estava ofendida pelas palavras que ele me fazia. O fato de ele poder realmente ter uma vasectomia me deixou completamente sem ação.
- Deixe a minha casa ou vou chamar Anon e mandá-lo levá-la a força, junto com a porra da menina.
- Não a chame de porra... – Me joguei na direção dele e comecei a socá-lo com força no peito, enquanto ele se defendia com as mãos.
- Você é uma golpista... Suma com sua bastarda daqui agora.
Levei a mão ao rosto dele, arranhando-o com força. Minha raiva era tanta que eu poderia matá-lo se tivesse uma arma, pela forma como ele falava da criança.
Heitor pegou minhas mãos de forma habilidosa, me impedindo de seguir com as agressões. Meu coração batia forte. O corpo tremia incontrolavelmente. Meus cabelos caíam pelo rosto de forma desordenada e bagunçada e a minúscula alça do vestido arrebentou.
Nossos olhos se encontraram e eu disse, sentindo todos os meus músculos se retraírem:
- Eu odeio você.
Heitor colocou minhas mãos para trás do corpo, empurrando-me em direção à mesa:
- Por sorte eu não casei com você, mentirosa.
- Eu pensei mesmo em mentir. Porque eu imaginei que você não aceitaria a verdade, como eu mesma tive dificuldade em aceitar. Mas quando cheguei aqui não achei justo. Então falei tudo... A verdade. Mas agora... Eu não sei mais qual é a verdade – balancei a cabeça, aturdida, tentando entender o que realmente estava acontecendo.
- A verdade é que você tentou me enganar. Mas eu não posso ser enganado – riu, debochadamente – Você foi a última que tentou me dar este golpe, juro. Vou ficar com Cindy, como deveria ter feito há muito tempo.
Tentei soltar-me das mãos dele, mas não consegui:
- Fique com quem quiser. Aliás, você nunca a deixou, não é mesmo? Só lembre de uma coisa, para sempre: eu não menti.
- Vou acabar com a sua vida, Bárbara. Eu lhe ofereci tudo que eu tinha de bom e você destruiu, jogou fora, pisou em cima.
- Por Deus... Me deixe explicar... Por favor. Eu imploro. A menina não é minha filha, embora eu me sinta mãe dela.
- Eu não quero ouvir sua explicação.
- Por favor... Eu imploro. Me ouça. E depois eu vou embora e juro que nunca mais você vai me ver. Porque o fato de você não ser o pai de Maria Lua fará com que eu vá embora daqui, para sempre, para o mais longe que eu conseguir. Eu não posso deixá-la com os avós. Eu sequer sei quem é o pai dela agora. Porque... Estava escrito que era você.
- Estava escrito aonde? Na sua cabeça doente?
- Nos diários...
Ele gargalhou, debochadamente. Estávamos tão próximos... Eu sentia o cheiro dele, sua ira, via seu coração batendo de forma acelerada e a veia do pescoço quase saltando de tão visível. Eu sentia ódio dele e das coisas que dizia naquele momento. Era possível sentir raiva da pessoa que eu amava? Porque sim, meu coração estava como se fosse dividido em dois.
- Por favor... Me dê cinco minutos. Isso me basta. – Tentei, mais uma vez.
- Não. Fora daqui, agora. Você e sua filha bastarda.
Percebi o arranhão no rosto dele ficar completamente avermelhado, inchando o local onde minhas unhas haviam passado.
- Me solte. Eu vou embora. – Pedi, de forma mais calma.
Ele ficou um tempo me segurando ainda, o corpo grudado ao meu, nossos olhos dentro um do outro, tentando desvendar segredos e mistérios que jamais seriam descobertos.
Heitor finalmente me soltou. Retirei os sapatos altos que machucavam meus pés e fiquei tentando abrir a porta, que não se movia.
Suspirei, enquanto ele pôs a digital no scanner. Antes de deixar o local, olhei para ele e reafirmei:
- Poderia ter sido bem diferente. Você sequer me deixou explicar.
- Não há explicação.
- Sim... Havia. Por mais complicado e absurdo que pareça, há...
- Eu não quero mais saber nada de você, Bárbara.
Virei e olhei para Celine e Allan, que nos encaravam, exatamente nos mesmos lugares que estavam quando entramos no cômodo do qual saíamos.
Nicolete pareceu adivinhar que era a hora e apareceu com Maria Lua, que chorava compulsivamente. Peguei a menina nos braços e aconcheguei-a a mim. Mas não resolveu. Ela seguia chorando.
Joguei a sandália no chão e peguei a bolsa dela, colocando no meu ombro. Sorri tristemente para Nicolete ao vê-la completamente confusa, mas com o olhar sobre Maria Lua, pesaroso, incapaz de dizer qualquer coisa.
Celine não esboçava reação alguma, nenhum tipo de sentimento poderia ser percebido no rosto dela... Nem de deboche.
Olhei Allan e disse, enquanto colocava meus cabelos para trás da orelha, tentando tirá-los da frente dos olhos:
- Eu nem sei se acho bom ou ruim você ter se envolvido com minha mãe... Ter sido o responsável por ela deixar a casa, a família, o conforto do lar. Mas... Eu gosto de você. Me desculpe pela forma como o procurei naquela noite, para entregar sua carteira. Acho que eu jamais deveria ter pisado os pés naquela casa.
- Bárbara... – Ele tentou falar.
- Chega! Eu quero distância de vocês... Respeite isso, por favor. – Olhei nos olhos de Allan, seriamente.
Me dirigi à porta, descalça, com Maria Lua chorando compulsivamente grudada a mim, pegando o carrinho e aguardando que alguém abrisse para mim.
Nicolete abriu e eu saí, sem olhar para trás.
Entrei no elevador e parei no andar do estacionamento. Anon estava dentro do carro. Assim que me viu, ele veio imediatamente até mim:
- Senhora Bongiove, está tudo bem?
- Não, não está. E nunca mais vai ficar. – Eu sorri, em meio ao caos.
- Eu... Vou levá-la em casa. – Ele disse imediatamente.
- Não. Eu não vou querer, obrigada. Você pode ter problemas depois se me deixar entrar no seu carro.
- Mas... O senhor Casanova não pode deixar você partir assim, sozinha, esta hora da noite, com a filha dele.
- Adivinha? Ela não é filha dele. Mas também não é minha... – olhei para minha pequena bebê, ainda chorando – Este pobre anjo não é de ninguém... Ao mesmo tempo que todos a querem, exceto quem pode de fato protegê-la. Eu... Estou fodida, Anon.
- Vou levá-la em casa. Tudo ficará bem.
- Pode... Me deixar na rua? Em frente ao prédio, por favor. Não sei como sair daqui.
- Não posso deixá-la sozinha, senhora Bongiove.
- Por favor... Anon. Só faça o que eu peço. Não deixe as coisas ficarem ainda pior. Muita gente já se prejudicou. Não quero mais que isso aconteça.
- Senhora...
- Anon, se você não me deixar ali, eu vou sozinha daqui...
- Ok, eu vou deixá-la onde quiser, senhora Bongiove.
- Pode dobrar o carrinho para mim, por favor? Eu nem deveria ter trazido esta coisa. Achei que ficaria mais tempo... Mas não.
Ele dobrou o carrinho habilidosamente e colocou no porta-malas. Entrei com Maria Lua na porta de trás e ele me levou até a saída da garagem, no térreo, onde desembarquei.
- Obrigada por tudo, Anon.
- Eu lamento o que aconteceu, senhora Bongiove.
- Não lamente. Era para ser assim – eu dei um beijo no rosto dele, levantando os pés para alcançar sua bochecha – Deixei a porra da sandália no chão da sala dele. Sinceramente, nem sei o que pensei... Só queria me livrar delas – ri novamente, nervosa, confusa, aturdida, sem saber exatamente como conseguia pronunciar qualquer frase com sentido – Será que você poderia... Ficar comigo aqui, só até chegar o carro?
- Claro, senhora. Embora eu possa levá-la em casa confortavelmente em poucos minutos.
- Não... Obrigada.
Peguei o celular com dificuldade e abri o aplicativo, dando para Anon:
- Pode chamar para mim, por favor? Preciso dar o leite para ela... Está muito agitada.
Procurei a mamadeira enquanto Maria Lua seguia chorando. Não estava mais quente e sim morna, quase fria. Não tinha como esperar até chegar em casa. Teria que dar-lhe o resto da mamada anterior.
Assim que coloquei o bico da mamadeira na boquinha minúscula, ela parou de chorar. Com um braço eu segurava o corpinho dela e o outro dava-lhe de mamar. A bolsa pesada estava no meu ombro e Anon segurava o carrinho fechado e o meu celular, que começou a tocar.
Olhei para o visor quando ele levantou a mão, mostrando a chamada. Eu não tinha como atender. Mas parecendo saber que eu precisava de ajuda, ele atendeu para mim, colocando o fone no meu ouvido:
- Ben? – Senti minha voz quase falhar e o choro vir imediatamente, borrando minha visão enquanto eu tentava controlá-lo.
- Ainda estou aqui no aeroporto, Babi. Está caindo uma nevasca nesta porra e o meu voo já foi adiado duas vezes. Estou esperando há horas.
- Ben, não volte.
- Como assim? Você ficou louca?
- Eu estou indo ao seu encontro.
- Você vai vir para a Itália? Mas...
- Precisamos proteger nosso raio de sol. As nuvens ficaram escuras por aqui, bem escuras. Mas eu não tenho tempo para explicar. Em vinte minutos chego em casa e faço as malas. Encontro você no aeroporto e então decidimos para qual país iremos. O certo é que precisa ser bem longe dos avós dela.
- Mas... E Heitor?
- Ele não a quer. Ou melhor, acho que ele nunca quis uma criança na sua vida. Ela não tem ninguém a não ser nós.
- Eu... Vou esperar. Mas e a certidão?
- Vou ver com Sebastian. Amo você. Nos espere – olhei para Anon e pedi – Pode desligar para mim, por favor?
- Sim, senhora.
O carro chegou e Anon colocou o carrinho no banco da frente para mim. Sentei atrás com Maria Lua e assim que ele fechou a porta, acenei, sentindo novamente meu peito comprimindo de dor.
Então parti, sem saber exatamente o que fazer. Já nunca fui muito boa em pensar direito, sempre colocando minha ansiedade à frente da sanidade. Naquele momento nada funcionava: nem minha cabeça, nem meu corpo e meu coração estava estraçalhado e desta vez eu mesma não queria que ele fosse colado.
O amor era mesmo uma bela de uma porra.
Peguei o celular e liguei para Sebastian, que logo atendeu:
- Eu preciso ir embora de Noriah Norte. Por Deus, me diga que a certidão está nas suas mãos e que você está por perto.
- Estou viajando, longe de Noriah Norte. O que houve?
- Sebastian, eu preciso dela... É vida ou morte.
- O que? Heitor rejeitou a filha?
- Ah, Sebastian... Eu não tenho como explicar. O certo é que não posso arriscar e ficar aqui com ela. A partir de agora Maria Lua é minha e de mais ninguém. E não vou deixar nada nem ninguém me separar dela.
- Eu... Confesso que não esperava isso dele, Babi. Mas Heitor é um Casanova, então, como tal, é um canalha ordinário. Mas você tem a mim. E não vou deixá-la desamparada... Juro que estarei com você, ao seu lado, em qualquer situação.
- Preciso da certidão. Pretendo pegar um voo ainda hoje. Ben vai me esperar na Itália.
- Vocês podem ficar nas minhas terras, Babi. Pelo menos por um tempo.
- Depois vemos isso, Sebastian. A certidão... Como faço para pegar?
- Milena deve ter deixado no seu apartamento. Ela chegou em Noriah Norte perto do meio-dia.
- Não estão juntos?
- Vim resolver umas questões da Perrone e ela organizar as coisas no apartamento. Mas pelo visto eu vou para a porra do seu prédio sem elevador e você vai nos deixar.
Eu ri novamente, em meio ao caos:
- Você arruma outro apartamento depois. Ou vai morar comigo e Ben em Nárnia.
- Nárnia? Onde fica isso?
- É um lugar mágico... E longe, muito longe. Só chega lá quem acredita. Precisa entrar no guarda-roupa.
- Está brincando comigo?
- Eu venderia meu rim para ir para Nárnia neste momento – me ouvi dizendo. – Literalmente.
- Sua louca. Aposto que este lugar nem existe no mapa.
- Não... Não existe mesmo. Mas eu tenho esperanças de um dia encontrá-lo... Nem se seja por uma semana... De paz e tranquilidade.
- Você está partindo quando?
- Agora.
- Eu vou deixar tudo providenciado com Ben. Estarei ligando para ele agora mesmo. Você e Maria Lua serão bem-vindas às terras da família Perrone, seu lar, mesmo que você não queira.
- Eu amo você, Sebastian.
- Amo você. Caso a certidão não esteja lá, fale com Milena ou me ligue de volta.
- Pode deixar.
Desliguei o telefone e o carro estacionou na frente do meu prédio. Paguei o motorista, que sequer me ajudou a tirar o carrinho do banco.
Girei a chave na porta de entrada do prédio, descalça, com a bolsa cheia, Maria Lua dormindo num braço e a porra do carrinho no outro. Como eu já tinha feito aquilo outras vezes? Não sei, sinceramente.
O certo é que naquele momento eu não tinha forças para subir tudo ao mesmo tempo. Estava esgotada. Deixei o carrinho no lado do primeiro lance de escadas e subi somente com minha menina e a sacola.
Tinha uma tarefa árdua para fazer quando chegasse: arrumar as malas em um curto período de tempo.
Eu estava estraçalhada por dentro, mas não tinha tempo para pensar no que aconteceu. A ansiedade para partir o mais rápido possível tomava conta de todo meu ser.
Assim que subi o último lance de escadas, que deixaria no quarto andar, dei de cara com Breno e Anya sentados em frente à minha porta.