Capítulo 97
2313palavras
2023-02-06 11:38
Não tinha como fugir da verdade. Tivemos que resumir em poucos minutos como Maria Lua veio ao mundo. Quando acabamos, minha avó sentou na cama e me encarou:
- Como Salma engravidou de Heitor?
- E eu vou saber os detalhes? O certo é que ele não usou camisinha, ou Maria Lua não estaria aqui neste momento.

- Mas ela fugia dele com medo de Heitor saber que estava grávida?
- Certamente sim, ou não teria problemas em se mostrar para ele, vó. Eu tento entender e não consigo. No início eu tive raiva, ódio, ciúme. Depois eu tentei entrar na mente de Salma e resgatar coisas que ela tinha nos dito, como gravidez planejada, seríamos todos ricos e tudo mais. Acontece que depois me envolvi com Heitor e creio que ela tenha ficado chateada. Sequer sei se houve sentimentos entre eles.
- Claro que não houve – Ben disse – Salma sempre deixou claro que o pai do bebê não sabia da existência dele. Então será um choque para Thorzinho, Mandy.
- Mas se eles têm uma filha, eles fizeram sexo.
- Acontece que ele não sabe quem é Salma... Ou fingiu não saber, quando perguntei.
- Dormiu com tantas mulheres que nem sabe o nome delas – minha avó disse – Diferente do pai.

- Diferente do pai? Allan? Você conhece Allan? – arqueei a sobrancelha.
- Precisamos atender a menina. Façam o que eu pedi. – Ela desconversou.
- Vó, você tem... – olhei no relógio – Cinco minutos para me contar a verdade.
- A menina está com febre.

- E você esperou dez minutos para atendê-la. – Aleguei.
- O que eu tenho para falar não leva dez minutos, Babi. – Ela me encarou.
- Ah, meus sais... Vovó Mandy pegou o Casavelha? – Ben mordeu as unhas. – Preciso saber desta verdade agora, ou vou morrer de ansiedade.
- Então morra, Ben. Mas primeiro traga o termômetro, seu lerdo. – Ela o empurrou para fora do quarto.
- Vou pegar as compressas... Com água da torneira, isso? – fui saindo, enquanto olhava minha pequena se remexendo na cama, com os olhos fechados.
Ela tinha sono, mas parecia não conseguir dormir. Algo a incomodava e eu não sabia o que. Como queria poder entender o choro dela e acabar com a minha angústia.
Fiz as compressas e levei para Mandy, que colocou uma no peito e outra na testa dela.
- Quando ela vai falar? – perguntei, observando todo cuidado que Mandy tinha com ela.
- Geralmente um ano. Mas balbuciam algumas coisas antes.
- Como “mamãe”?
Ela sorriu ternamente, me olhando:
- Sim... Acha que ela vai chamar você de “mamãe”?
- Claro que sim – sorri, olhando minha filha abrindo os olhos e começando a fazer beicinho ao olhar para Mandy – Acho que ela está estranhando você, vó.
- Deus, sou bisavó agora?
- Sim. – Abracei Mandy por trás de seu corpo enquanto ela pegava Maria Lua no colo.
- Vó... Promete que vai me contar sobre Casanova?
Ela suspirou:
- Eu acho que está na hora de você saber, Babi.
- Deus, eu esperei tanto tempo pela verdade. Mas nunca passou pela minha cabeça que a verdade incluía Casanova.
- Quem registrou a criança, Babi? – Mandy me encarou.
- Sebastian. – Desvencilhei-me dela e abaixei o olhar.
- Sebastian? Sebastian Perrone?
- Ben estava confuso e fez a porra de uma confusão.
- Por que ele não registrou? Evitaria tantos problemas. Se ele fosse o pai, vocês estariam tranquilos... Em parte, pelo menos. Porque Heitor precisa saber a verdade. Se é que Salma não mencionou algo para ele.
- Acha que ela pode ter feito isso?
- Não sabemos de nada... Absolutamente nada.
- Já faz vinte minutos e Ben não volta. Vou ligar para ele.
Eu queria Maria Lua bem e a verdade sobre o passado da minha mãe, que era parte da minha história também. E uma coisa dependia da outra. E ambas dependiam de Ben com o termômetro.
- A febre já deve ter cedido um pouco. – Mandy falou.
Consegui fazer com que Ben me atendesse na segunda chamada:
- Foi fabricar o termômetro, Ben? Ela disse “dez minutos”.
- Eu estou chegando – ele disse ofegante – Cinco minutos.
Maria Lua começou a chorar novamente. Peguei-a e tentei dar uma mamadeira, mas ela recusou. Ben chegou com o termômetro e Mandy nos ensinou como medir a temperatura dela.
Dois minutos depois ela retirou o termômetro e disse:
- Ela está com 38º.
- Isso é muito? – me preocupei.
- É febre. Não muito alta, mas é.
- Qual a temperatura normal? – Ben perguntou.
- 37º é normal. Acima disto é febril e passando dos 38º é considerado febre.
- Então precisamos mesmo de um pediatra. – Falei, enquanto Ben a pegava do meu colo.
- Você precisa melhorar, meu amor! – Ben deu repetidos beijos no rosto dela.
- Pelo visto é a primeira febre dela. Vamos aguardar e ver como ela vai passar as próximas horas. Faremos as compressas novamente e logo vai baixar.
- E se ela precisar fazer algum exame? – perguntei.
- Vamos esperar, Babi. Caso não abaixe a febre, chamamos um pediatra aqui para vê-la. Ele não vai querer saber sobre a certidão e afins.
- Você é muito inteligente, Mandy – Ben deu um beijo nela – Como não ´pensamos nisso antes?
Uma hora depois e a febre cedeu e enfim Maria Lua dormiu.
- Pode colocá-la no berço – Mandy disse – Ela vai ficar bem. Vamos observando.
- Não... – a apertei contra mim – Vou dormir com ela... Na minha cama.
- Não vai mesmo. – Ben tentou tirá-la dos meus braços e eu me afastei, instantaneamente.
- Meu Deus, o que é isso? Vocês acham que a criança é uma boneca, por acaso?
- Não, Mandy – Ben falou – Sua neta não dorme desde que Maria Lua pisou os pés nesta casa. Ela saiu na primeira noite, para salvar Heitor e depois disto foi como se precisasse ficar presa aqui neste apartamento, junto da menina. Você vai ficar doente, Babi. Há quanto tempo não dorme uma noite inteira?
- E você dorme uma noite inteira, Ben? – perguntei. – Eu não me importo de ficar assim.
- Ela chora durante a noite? Sempre? – Mandy perguntou.
- Nem sempre. Mas mesmo quando ela dorme feito um anjo, acordando só para mamar, Babi fica como um zumbi andando de um quarto para o outro.
Mandy se aproximou de mim e abriu os braços:
- Me dê ela, Babi.
- Ela precisa de mim... Ainda mais doente. – Dei um passo para trás.
Mandy simplesmente não me deu ouvidos e pegou-a dos meus braços:
- Por que não dorme, Babi? Qual seu medo?
Senti as lágrimas escorrerem instantaneamente pelos meus olhos:
- De ela... Parar de respirar enquanto está no berço...
- Por Deus! – Ben me abraçou.
- Eu... Fico o tempo todo acordando e tocando as narinas dela, para me certificar de que está viva. E quando não sinto... Eu a toco repetidas vezes, até ela se mexer. E às vezes ela acorda com meus toques insistentes.
- Por que não me contou isso, meu amor? – ele me apertou contra seu corpo, deixando que as lágrimas salgadas molhassem sua camisa.
- Ben, eu tenho tanto medo de perdê-la... Por parar de respirar, por ficar doente, por chorar e não haver ninguém lá com ela... Por... Por... Heitor tirá-la de nós.
- Olhe para mim... – ele limpou minhas lágrimas de forma gentil – Ninguém vai tirá-la de nós. Se Heitor cogitar não nos deixar fazer parte da vida dela, nós vamos roubá-la e fugir para bem longe, onde nunca mais nos encontrarão. Eu prometo, ok?
- Meu Deus... Vocês três estão doentes. – Mandy levou Maria Lua e nós dois fomos atrás.
Mandy colocou-a no berço, cobrindo-a. Ela dormia feito um anjo. Depois ela nos empurrou para fora e fechou a porta, falando baixo:
- Existe uma coisa chamada babá eletrônica. Você coloca ao lado do berço e no quarto de vocês. Poderão ouvir até quando ela se move. Isso os deixará mais tranquilos.
- Acho que tenho que pesquisar muito mais do que já pesquiso sobre bebês. – Ben disse.
Mandy foi até o fogão e colocou uma chaleira com água para ferver.
- Vai fazer janta para nós, Mandy? – Ben perguntou – Não lembro a última vez que comemos comida.
- O que comem?
- O que dá para pedir em casa. Ou às vezes nada. – Confessei.
Mandy suspirou:
- Vou fazer um chá. E um jantar rápido, às cinco horas da manhã – sorriu – Crianças criando uma criança... Fico preocupada, mas ao mesmo tempo vejo tanto amor nos olhos de vocês que chegam a transbordar. Maria Lua é uma privilegiada. Tem os melhores pais que alguém poderia querer.
- É agora que você me conta sobre minha mãe? – enruguei a testa, sentando ao redor da mesa.
Ben sentou ao meu lado. Mandy serviu os chás fumegantes com bastante açúcar.
- Açúcar? – perguntei.
- Acalma.
- Salma fazia chás para nós... E comida – sorri tristemente – Sinto tanta falta dela. É como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado.
- Sempre foram como irmãs... – Mandy colocou a mão sobre a minha – Imagino o que sente, querida. Perder pessoas que amamos sempre acaba com um pedaço de nós. E a saudade é eterna... Nunca vai passar. Foi assim quando minha Beatriz se foi. Eu achei que nunca iria me recuperar. Mas então veio você... Alguém por quem eu precisava suportar e seguir em frente.
- E Salma nos deixou um pedacinho dela... – Ben limpou uma lágrima teimosa – Ah, Mandy, eu e Babi fizemos tantas porras em nome desta bebê. Mas se formos julgados e condenados, eu jamais me arrependeria de nada. Juro que faria tudo de novo. O que sinto por ela é simplesmente inexplicável. A questão é que eu segui minha vida, mesmo colocando-a em primeiro lugar. Babi não...
- Vocês não entendem... Eu tenho um medo de perdê-la que não sei nem como descrever. O que sinto por ela... – senti as lágrimas de emoção e amor rolando pelo meu rosto – Ultrapassa o amor. E se não bastasse ela ser filha da minha melhor amiga... Ela tem o sangue do homem que eu amo. Vocês não têm noção da mistura de sentimentos que tenho dentro de mim.
- Sim, eu tenho noção. Mas você precisa ficar bem para poder cuidá-la – Mandy alisou minha mão – Está mais magra e com olheiras. Você tem 28 anos. É hora de resolver todos os problemas que afetam a sua vida, Babi.
- Vamos contar para Heitor na segunda. E só de pensar nisso já sinto um frio na barriga que chega a doer. – Confessei.
Ben pegou minha outra mão:
- Vai dar tudo certo. Thorzinho é uma boa pessoa.
- E Allan? E Celine? Cindy vai ter contato com a nossa filha? Nicolete me tratou tão mal... E se ela for insensível com Maria Lua? Vó, se Heitor aceitá-la, ela vai morar com ele. E o que será de mim? Faz quase quatro meses que eu não faço nada além de cuidar de Maria Lua, sentir seu cheiro, sua pele... Ela está começando a rir com gritinhos... Ela não gosta de tomar banho. Ela dorme com um ursinho atoalhado que Salma comprou para ela. Os olhos dela brilham enquanto ela toma a mamadeira, olhando fixamente nos meus. Os pés dela são frios, independente de quantas meias eu ponha neles. Ela jamais toma o leite até o fim... Sempre deixa um restinho, empurrando com a língua o bico da mamadeira. Quando eu converso com ela, a língua imóvel no bico da mamadeira, mas ela não suga, prestando atenção nas minhas palavras. E então os olhinhos não se mexem e o canto dos lábios dela se abre num sorriso. Daí se eu tento tirar a mamadeira, ela chupa com força. Ela não faz xixi durante a noite, só de dia. O umbigo dela caiu com sete dias e eu guardei-o de lembrança. A primeira febre dela foi com 102 dias... Hoje. – Ri, me achando uma doida.
- Sua mãe teria tanto orgulho de você, meu amor! – Mandy deixou escapar uma lágrima – Maria Lua já é sua filha e ninguém pode mudar isso. Não se preocupe. Eu não vou deixar nada nem ninguém tirá-la de vocês... Nunca.
- Vó, me conte sobre a minha mãe... Por favor. Eu mereço saber. Chega de mentiras. Eu vou contar a Heitor sobre Maria Lua, mas preciso saber o que os Casanova têm a ver conosco.
- Não tem a ver conosco, Babi. Tem a ver com sua mãe.
- Então não foi você com Casavelha? – Ben perguntou para Mandy.
- Não... Foi Beatriz... E Allan.
Senti uma dor no coração e o ar parecer faltar nos meus pulmões:
- Heitor... Pode ser meu irmão? – a voz quase não saiu.
- Não. Heitor não é seu irmão.
Respirei fundo, repetidas vezes, até conseguir recuperar o ar.
- Beba o chá. – Mandy mandou.
Bebi mais um pouco. Já estava morno, quase frio.
- Continue, Mandy, por favor. – Ben pediu.
- Você sabe que sua mãe saiu de casa por conta de um homem, não é mesmo? Ela se apaixonou...
- Sim. E... Foi Francesco Perrone que a fez abandonar tudo? – quase implorei para que a resposta fosse sim.
- Não. Foi Allan Casanova. – Ela disse sem rodeio, parecendo querer se livrar daquele peso que carregava.
Eu não sabia nada de porra nenhuma do passado da minha mãe. Lá estava o mundo desabando sobre a minha cabeça de novo.