Capítulo 98
2649palavras
2023-02-06 11:38
- Allan? Minha mãe e Allan tiveram um relacionamento?
- Eles se conheceram quando Beatriz era muito jovem, de 15 para 16 anos. Ele não tinha mais de 18. Naquela época éramos uma família de muitas posses e Allan era um homem pobre... Muito pobre. Seu avô não aceitou o relacionamento deles de forma alguma, mesmo Allan tendo ido pedir a mão da nossa filha respeitosamente. – Ela respirou fundo.
- Dinheiro? Status? Esta porra sempre foi o motivo de tudo?

- Ironicamente hoje Allan Casanova é dono de um império e as Novaes são o que sobrou de uma família destruída pela falta da única filha.
- Meu Deus! E eu sou filha... De Allan? E se não sou irmã de Heitor... Ele é adotado? – enruguei a testa, tentando entender algo que não entrava na minha cabeça.
- Beatriz amava Allan. E foi embora com ele, deixando tudo para trás. Ficamos quase um ano sem saber notícias dela.
- Você não interviu nisso tudo, vó?
- Eu era submissa ao seu avô. Só consegui me estabilizar emocionalmente e desvencilhar-me da vida que eu levava depois da morte dele. Eram tempos diferentes, querida. Mas depois eu fui atrás de sua mãe. Ela e Allan haviam alugado um espaço e estavam morando juntos. Porém Allan conseguiu passar na faculdade e era distante. Sua mãe havia conseguido um bom emprego e não quis largar tudo e ir com ele, pois já haviam passado um pouco de trabalho antes das coisas começarem a se ajeitar para eles.
- E ele a deixou. – Falei, já imaginando o que tinha acontecido.

- Quando eu a encontrei, eles estavam afastados temporariamente, mas ainda se amavam. Ele não conseguiu recusar a faculdade de forma gratuita, mesmo distante. E ela, uma cabeça dura, como todos os Novaes, o deixou ir, certa de que o amor resistiria a tudo.
- E não resistiu?
- Allan, tempos depois, mesmo vindo com frequência para casa, acabou engravidando outra mulher.
- A mãe de Heitor.

- Sim. – Ela balançou a cabeça, parecendo entristecida.
- Ele não a amava!
- Eu creio que sim, minha querida. Havia amor... Entre ambos – ela tocou minha mão – Sua mãe sabia do risco que corria quando o deixou ir sozinho.
- Ela confiava nele. E no amor que sentiam.
- Nem sempre isso é o suficiente.
- Então ele casou com a mãe de Heitor?
- Sim. Um casamento em nome da criança que eles esperavam. Sua mãe não aceitou a traição, óbvio. E então o relacionamento deles acabou.
- E nunca mais se viram?
- Um tempo depois, Allan voltou a procurá-la, mesmo estando casado. Ele já tinha acabado a faculdade e iniciava uma fabriqueta de produção de cerveja caseira e sucos naturais.
- A North B.
- Não era North B. na verdade. Mas também não sei o nome. Mas tudo começou ali. Ele cresceu do nada, ou melhor, por seu mérito e esforço pessoal. Creio que ele tenha tentado provar ao mundo que poderia ser melhor do que julgavam. Allan nunca aceitou o fato de seu avô não ter permitido o relacionamento deles por questões tão sem sentido como a condição financeira dele.
- Allan procurou Beatriz... E eles voltaram? Ou seja... Ela foi a amante? – Ben questionou.
- Eu não sei exatamente como tudo isso aconteceu. Tive pouco contato com minha filha depois que ela se foi da nossa casa. Sei do essencial, mas quase nada dos detalhes dentro disso tudo. Porém sei que ele não se divorciou da esposa. Allan ficou casado até a mãe de Heitor morrer.
- Então não há dúvidas... Minha mãe aceitou ser a amante – enruguei a testa – Que porra minha mãe fez! E onde entra o meu progenitor nisso tudo?
- Eu não sei se ela chegou a gostar de Francesco... Ou se envolveu-se com ele para vingar-se de Allan – Mandy pareceu procurar as palavras menos duras – Ela engravidou de Francesco.
- Mas... Se ela estava com os dois... Poderia ser de Allan também. – Minha mente deu um nó.
- Beatriz nunca teve dúvidas de que você era filha de Francesco.
- Então Beatriz se envolveu com dois homens casados ao mesmo tempo? – Ben arregalou os olhos.
- Talvez por isso eu tenha tanto medo de ser a “outra” – olhei para meu amigo – Minha mãe era amante em dose dupla... Culpada! Culpada! Culpada! – balancei a cabeça, aturdida.
- Quem somos nós para julgarmos, querida? – Mandy tocou minha mão carinhosamente – Quem não tem pecados que atire a primeira pedra. Se eu não tivesse deixado ela partir, se tivesse me imposto, talvez tudo tivesse sido diferente. Ela sofreu muito... Por amor, por orgulho, por abandono...
- Como a senhora soube de tudo isso, vó?
- Nas poucas vezes que a procurei, escondida do seu avô. A questão é que depois que você nasceu, ela se mudou de cidade novamente. Então perdemos contato totalmente. Só a vi... Sem vida – ela não resistiu às lágrimas – E depois fui à antiga casa de vocês, me desfazer das coisas dela, já que você não conseguia fazer isso.
- Pouco me importa como tudo aconteceu... Ela foi uma mãe maravilhosa. – falei, justificando o que minha mente tentava distorcer.
- Allan Casanova foi o único amor da vida de Beatriz. – Mandy me olhou.
Deixei meu corpo amolecer na cadeira, sem forças para sequer pensar. Meu cérebro parecia tentar processar aquilo de forma muito devagar. Allan poderia ter sido meu pai.
- Que puta coincidência Babi se apaixonar pelo filho do homem que a mãe dela amou. O destino praticamente brincou com vocês duas, mas de uma forma ou de outra, sempre pôs Casanova e Novaes juntos. – Ben disse.
- Quando Allan Casanova foi comprar terras na Itália... Não foi em vão que escolheu ao lado dos Perrone. Porque... Talvez ele soubesse quem era Francesco. – Falei, confusa.
- Creio que sim... Que ambos souberam sempre quem foram na vida de Beatriz. E a importância que tiveram.
- Eu... Preciso falar com Allan.
- Acha isso necessário? – Mandy me olhou – Ele sabe sobre você ser filha de Beatriz?
- Eu não sei... – fiquei confusa – Mas creio que não. Ou ele teria me perguntado mais coisas, vó. Nos simpatizamos desde a primeira vez que nos cruzamos, mas ele nunca me perguntou muito sobre o meu passado.
O fato de Ben e Mandy estarem comigo naquela noite me deixou tranquila com relação à Maria Lua. Sabia que se eu dormisse, tinha os dois para ficarem atentos a ela.
Ben fez questão de ceder seu quarto para Mandy e foi dormir na cama que havia no quarto de Maria Lua. Acho que os dois sabiam que eu precisava botar minha mente em ordem com tudo que eu soube naquela noite.
Quando deitei na cama, meu corpo relaxou, embora a mente continuasse um turbilhão. Eu não sabia se pensava na minha mãe e Allan Casanova ou em como ficaria minha pequena depois das compressas.
Falar a verdade a Mandy não foi tão ruim. Agora só faltava o principal interessado saber tudo: Heitor. E não havia escapatória. Tinha dia e hora marcada para ele saber.
Na quarta-feira, eu recebi uma ligação de Sebastian, comunicando que sua mãe havia morrido.
Ficar longe de Maria Lua parecia fora de questão. Mas eu precisava estar com meu irmão naquela hora, por saber exatamente a dor que ele sentia com aquela perda. E levar minha filha para uma viagem tão longa não era prudente, especialmente sem documentos que comprovassem que ela era de minha responsabilidade.
Enfim, nada eu podia fazer enquanto a certidão de Maria Lua não estivesse correta.
Viajei com Milena para o país de origem do meu irmão. Não cheguei a conhecer as propriedades dos Perrone, pois fiquei somente na cerimônia de cremação. Eu ofereci meu ombro e todo carinho que eu tinha por Sebastian naquele momento que ele precisava.
Conheci a mãe do meu progenitor, que mal sabia da minha existência. Sebastian explicou que ela tinha lapsos de memória e que certamente não lembraria de mim daqui há algum tempo. Sinceramente, não fazia diferença. Eu só tive uma avó e era Mandy. Eu não estava blefando quando disse que dos Perrone eu só queria Sebastian.
Milena e Sebastian eram o casal mais fofo que eu já vi. Eu sempre gostei dela, mesmo quando era a noiva de Heitor. Ela era doce, meiga e gentil. Claro que eu a preferia como cunhada do que na posição que a conheci.
Antes de eu partir, Sebastian disse:
- Babi, eu tenho uma coisa para lhe contar.
Arqueei a sobrancelha:
- Mais uma? Isso me assusta um pouco. – Confessei.
- Acho que a notícia é boa. – Milena sorriu, colocando o braço sobre meus ombros.
- Enfim, preciso de notícias boas em meio ao caos que estou vivendo. – Confessei.
- Eu comprei um apartamento no seu prédio. – Ele me olhou.
Senti meu coração acelerar:
- Isso é verdade?
- Sim – ela me apertou com o braço – Vamos ser vizinhas.
- Você vai junto? – Não consegui disfarçar o quanto eu estava feliz.
- Sim. Vamos morar juntos... Para valer. Nossa casa, nosso espaço, junto da família de Sebastian... Que é você.
Eu a abracei com força. Depois de um pai que tentou tirar a minha vida antes mesmo de eu nascer, eu ganhei um irmão e praticamente uma irmã ao mesmo tempo. Embora eu tivesse conhecido Sebastian há pouco tempo, sabia que poderia contar com ele sempre que eu precisasse. Nem que fosse para dar broncas necessárias.
Ele era responsável, sério, honesto, justo, inteligente e lindo... Absolutamente lindo. Eu tinha orgulho de ser irmã de Sebastian Perrone, embora jamais passasse pela minha cabeça assumir aquele sobrenome.
Mesmo eu não achando necessário, Milena fez questão de me acompanhar de volta na viagem. Alegou que arrumaria suas coisas definitivamente para deixar a mansão Casanova.
Eu não perguntei sobre o que a mãe dela achava daquela situação. Já tinha problemas demais para resolver na minha vida para tentar ajudar nos dos outros.
O apartamento de Sebastian era no mesmo andar que o meu. Por sorte eu contaria a Heitor sobre Maria Lua em menos de uma semana, então não teria que justificar para Milena a bebê que era de minha responsabilidade.
Na sexta-feira, pouco depois do meio-dia, eu já estava de volta ao apartamento quando a campainha interna tocou, diretamente da porta.
Fiquei receosa de ser Daniel novamente. Não sei porque, mas meu instinto dizia que era ele.
Pus Maria Lua no berço, pois não queria discutir na frente dela. Abri a porta, que insistia com o som estridente chamando e dei de cara com nada mais, nada menos, que Celine Casanova.
Por um momento passou pela minha cabeça que ela pudesse saber que eu era filha de Beatriz Novaes. Ou quem sabe eu estava ficando paranoica e nem passasse pela cabeça dela que minha mãe existiu na vida de Allan.
Ela ficou me encarando e a única coisa que eu disse foi:
- O que você está fazendo aqui?
Ela entrou, sem ser convidada, esbarrando em mim. Fiquei com a porta entreaberta, perplexa com a ousadia dela.
- Não a convidei para entrar. – Fui seca.
- Também não a convidei para minha casa nenhuma das vezes que você apareceu por lá... Ainda assim você foi – ela deu alguns passos e parou no meio da sala, observando tudo ao redor – Este lugar é a sua cara: pobre e sem classe.
- Jura? Sabe que pessoas sem classe não tem papas na língua nem trava nas mãos, não é mesmo?
- Isso é uma ameaça, Bárbara? – ela me olhou de soslaio.
- Não sou uma mulher de ameaçar, Celine. Sou de fazer. Não mando recados, nem terceirizo, mandando os outros trabalharem por mim. E meter a mão na sua cara é algo que me deixaria completamente satisfeita.
- Pelo visto nossa antipatia é mútua, desde que nos conhecemos.
- Não tenho dúvidas disso. Mas ainda me pergunto: o que veio fazer aqui?
- Não vou perder tempo neste lugar – novamente os olhos dela deram uma breve passada por todo o ambiente – Quero adverti-la que fique longe da minha filha, ou vai se arrepender.
- Eu não entendi.
- Tem certeza? Fui bem clara.
- Realmente não entendi. Sua filha tem quantos anos mesmo? Você está tão velha que esqueceu que ela é uma mulher feita? Milena não é mais um fantoche seu.
- Eu sei que foi você que botou na cabeça dela para viajar atrás de Sebastian e ir ao enterro da vagabunda da mãe dele. Ponha uma coisa na sua cabeça: afastar Milena de Heitor não vai fazer com que ele fique com você.
Arqueei a sobrancelha, começando a entender o que a incomodava.
- Qual seu problema com Heitor? Por acaso você é apaixonado pelo filho do seu marido?
- Sua... Sua... Insolente.
- Insolente? Não use palavras bonitas... Você não tem tanta classe assim, Celine. Acabou de usar o termo “vagabunda”. Não finja ser o que não é: uma madame que nasceu em berço de ouro. Você não passa de uma pobre coitada que casou com Allan para se dar bem na vida. E como Heitor é o único herdeiro dos Casanova, quer sua filha com ele, garantindo assim uma vida confortável até morrer. Será que Allan não seria capaz de lhe deixar segura depois de sua morte? É este o seu medo?
- Bárbara, não atravesse meu caminho novamente. Você não tem noção do que eu sou capaz de fazer com quem atrapalha os meus planos.
- Matar? Pagar alguém para foder a minha vida ou meus planos? – eu ri – Não precisa pagar por isso... Eu já sou fodida. E é exatamente por isso que me vê como uma ameaça. Porque não tem o que possa fazer para me tirar do caminho. Quer saber? Sua filha merece ser feliz. Eu quero que ela case com Sebastian, que use o nome Perrone ao assinar documentos. Quanta ironia! Você fez Soraia abortar por o filho ser do seu marido e agora a sua filha vai casar com o filho da amante do seu marido. Nossa, isso até embaralhou a minha mente. – Confessei.
- Heitor pode não ficar com Milena. Mas também não ficará com você.
- Hum, você já deu a guerra por vencida – cruzei os braços – Isso aí, Milena e Sebastian “forever”. – Fiz um coração com os dedos, na direção dela, sarcasticamente.
- Debochada.
- Desclassificada.
Ela me olhou, confusa.
- Desclassificada quer dizer ordinária, ruim, safada, asquerosa, miserável, desprezível. Exatamente nesta ordem. – Deixei bem claro.
Ouvi o choro de Maria Lua no quarto, vindo da babá eletrônica.
Ela me encarou.
Eu poderia ignorar e fingir que tinha alguém lá com a menina, que a acalmaria e que ela não tinha nada a ver comigo. Meu estômago se contraiu e corri até o quarto, pegando-a do berço. Imediatamente ela parou de chorar. Estava manhosa nos últimos dias e queria colo o tempo todo. E eu não me importava em dar. Afinal, não seria bebê para sempre. E o tempo estava passando muito rápido para ela.
Era hora da mamadeira. E eu não tinha solução a não ser... Aparecer com ela no meu colo, na frente de Celine Casanova.
- Hora de você ir embora. – Eu disse, enquanto Maria Lua sorria me ouvindo falar em tom de voz mais alto.
- De onde é esta criança? – ela me olhou.
- Como assim? Eu não lhe devo satisfações.
- Deus! Você é muito mais esperta do que eu imaginava. Ela tem os olhos de Heitor. Sua viagem repentina para outro país... – os olhos dela se comprimiram. – Não pode ser!