Capítulo 96
2239palavras
2023-02-06 11:37
- Será que você não entende? Além de toda minha confusão com relação a tudo que está acontecendo, você vem me trazer mais problemas, quando na verdade deveria ajudar? Ah, eu não quero mais você nesta casa, nem na vida da minha filha.
Ele riu, com escárnio:
- “Sua” filha?
- Minha... Sim, minha. Sou eu quem cuido dela. Salma se foi e você sabe muito bem a relação que tínhamos.
- Ainda assim ela nunca será “sua”.
Senti uma lágrima escorrer pelo meu olho direito, limpando-a com força:
- De tudo que você pode falar para me atingir, tocar no nome dela é a pior forma. Se soubesse o que sinto por esta criança, jamais me feriria desta forma.
- Chega de ser bonzinho com você, Babi.
- Algum dia você foi?
- Acredite, eu fui.
Ele virou as costas e saiu. Fechei a porta e fiquei um tempo escorada, deixando as lágrimas escorrerem. Quantas vezes eu ainda ouviria na vida que Maria Lua não era minha filha? Aquilo era como uma facada no meu coração. O que eu sentia por aquela menina era maior que qualquer coisa que já senti na vida. Eu seria capaz de fazer qualquer coisa para não perdê-la. Sim, ela era o raio de sol que entrou na minha vida, mandando a nuvem cinzar partir para sempre.
Salma nunca esteve tão certa quando decidiu que Your my Sunshine definiria a vida daquele serzinho nas nossas vidas.
Ela dormia tranquilamente. Alisei a pele macia e sensível. Limpei as lágrimas teimosas com força:
- Você nunca vai me ver chorando, raio de sol – peguei-a no colo e ela se contorceu, preguiçosamente – Ah, minha amiga, espero que você consiga ver daí o quanto nossa bebê é perfeita. Nunca deixarei de ser grata por tê-la na minha vida. Pensei jamais poder ter filhos, então você me deixa esta herança sem preço... Com um valor simplesmente inestimável. Deus sabe o que faz... Sempre soube.
Embora o combinado com Ben fosse ela dormir no berço, naquela noite eu precisava dela ao meu lado, aquecendo meu corpo e meu coração.
Antes de desligar a luz para tentar dormir um pouco, suspirei:
- O tempo está passando e eu preciso contar a verdade para o seu pai. Estou tentando criar coragem e sei que precisa ser logo. Embora ele tenha afirmado que não queira ter filhos, sei que quando olhar para você, o coração dele irá derreter e ele vai mudar de ideia na mesma hora. Ainda assim, temo a loira do pau do meio e a reação dela quando souber de você. Mas se prepare, meu anjo... Não podemos mais adiar isto.
As próximas duas semanas foram de procurar trabalho de forma online. A pressão de Sebastian por telefone para que eu resolvesse de vez a questão da certidão de nascimento de Maria Lua estava ficando cada vez mais insustentável.
Não conseguia trabalho, como sempre. E a conta que Heitor havia aberto para eu receber os royalties dos rótulos personalizados da North B. seguia congelada, como ele havia prometido que ficaria.
Eu não me atrevi a pedir ajuda financeira a Sebastian, tampouco para Ben, que também estava enlouquecido atrás de emprego.
Naquela noite, depois de um bate pernas dele em busca de algo rentável e o meu cansaço entre cuidar da casa e tentar fazer Maria Lua parar de chorar sem motivo, Ben disse:
- Babi, você lembra que Salma sempre disse que tinha dinheiro guardado para Maria Lua?
Arqueei a sobrancelha:
- Sim... Lembro. Mas o dinheiro é para ela, não para nós.
- Mas precisamos para ela. Se continuar assim, vamos ficar zerados. Minhas economias já eram.
- Pare de sair à noite e gastar com bebidas e homens.
- Caralho, isso é sério? Vai controlar meus gastos com lazer agora?
- Dinheiro que pode ser economizado.
- E a diversão, Babi? Quanto tempo você acha que vai aguentar sem sair de casa para nada, vivendo 24 horas em função dela?
- Alguém precisa fazer isso.
- Porra do caralho, você está ficando uma chata. Parecemos um casal tradicional hétero. Que nojo! – ele levantou, furioso, jogando a cadeira com força, que bateu na mesa, fazendo eu dar um salto.
Com o barulho, Maria Lua acordou e começou a chorar novamente. Peguei-a do carrinho, aconchegando-a ao meu peito.
- Ainda não faz três horas da mamadeira. – Ele observou. – O que ela quer?
- Sobre o dinheiro... – ignorei a fala dele. – Não sabemos sequer onde está para Maria Lua... Como pensa em pegar para suprir “nossas” despesas?
- Quem sabe seja a hora de nos desfazermos das coisas de Salma.
- Não! – senti meu coração dar um salto dentro de mim.
- Babi, você não pode deixar tudo lá, como se ela fosse voltar a qualquer momento. Isso não vai acontecer.
Maria Lua seguia chorando.
- Retirar as coisas dela... É como tirá-la para sempre daqui.
Ele me abraçou, deixando Maria Lua, chorosa, entre nós:
- Não há como tirá-la para sempre daqui, Babi – ele olhou para a bebê – Ela está aqui, o tempo todo.
Senti as lágrimas escorrendo, limpando-as rapidamente:
- Eu nunca chorei tanto... Por bobagem. – Reclamei. – Isso que prometi jamais chorar na frente dela. A maternidade me deixou sensível.
- Chorar não é feio, Babi – ele tocou meu rosto, gentilmente – Sua pele ficou vermelha... Machucou com a força que fez.
- Eu sei que você tem razão... Mas sabe que eu nunca me desfiz das coisas de minha mãe, não é mesmo?
Ele assentiu com a cabeça:
- Mas deveria ter feito isso, Babi. Não pode viver de luto a vida inteira. A vida não está fácil para nós e você sabe disto. Cuidar de um bebê é a coisa mais difícil que já fizemos na vida.
- Eu sei... E ela não parou de chorar hoje o dia inteiro. Eu estou preocupada.
- Talvez devemos levá-la ao médico.
- A doutora está num congresso. E tenho medo de levá-la ao plantão... Pela questão da certidão.
- Sim... Precisamos resolver isso de uma vez. Quando vamos falar com Heitor? Não podemos mais esperar.
- Que tal no sábado?
- O dia em que ele está mais ocupado o possível na Babilônia? – ele riu – Nem pensar.
- A cabeça dele vai estar uma zona. Então ele não vai ter tempo de pensar demais. Vai saber que tem uma filha e tudo ficará bem. Encherá a cara de bebida e quando acordar só vai lhe vir a mente a palavra “filha”.
- Claro, inclusive vai perguntar se a gente não quer ficar cuidando dela para ele, já que é um homem muito ocupado. – Ironizou.
- E se ele a tirar de nós?
- Entramos na justiça. É um risco que temos que correr... Não contar está fora de cogitação.
- Quando você sugere?
- Segunda-feira. O dia de folga dele. Isso nos dá tempo e ele estará mais descansado para jogarmos a bomba nele.
- Deus, só de pensar nisso minha barriga se contorce e parece que vou vomitar de tanto medo e ansiedade.
- Ele não ligou mais para você?
- Não. E eu mal tive tempo de pensar nele neste tempo e você sabe disto.
- Exatamente: precisa separar sua vida da de Maria Lua. Você não pode viver só por ela. Vai ficar doente. Há quanto tempo não tem uma noite inteira de sono?
- Ela me faz esquecer tudo de ruim.
Ele levantou meu queixo:
- Como se sente com relação a Heitor?
- Há tempos que ele não aparece na mídia. A última imagem que tenho dele é com Cindy entrando no apartamento. Dai tenho vontade de quebrar tudo... Então lembro do “eu te amo” vindo da boca dele... E tudo fica ainda mais confuso.
- Ele quer puni-la, castigá-la pelo que fez.
- Por quanto tempo? Eternamente?
- Sabemos que é só o começo. Pode ficar ainda pior. A verdade vai fazê-lo ficar com você ou repudiá-la para sempre.
- Vamos levar um exame de DNA pronto, para provar?
- Claro que não. Certamente ele vai fazer outro, nós levando ou não. Certo que questionará a paternidade. Eu mesmo faria isso, com certeza.
- Nós não sabemos como isso aconteceu... Ele parece não saber. Certamente foi numa bebedeira destas que ele mal consegue parar de pé. Já me passou pela cabeça quantos filhos ele tem pelo mundo, já que transa com todo mundo sem camisinha.
- Isso não nos interessa. Só somos responsáveis por este bebê dele.
- Sim, eu sei.
- Neste final de semana, vamos nos desfazer das coisas da Salma. Encontrar a tal conta que ela deixou para Malu e na segunda contar ao Heitor.
- Ok. – Respirei fundo, amedrontada.
Maria Lua seguia chorando.
- Ben, ela nunca chorou assim. Nada a faz parar. – Eu estava nervosa e preocupada.
Ele tocou a testa dela:
- Está quente demais. Será que ela está com muita roupa?
- Vamos retirar um pouco.
Retiramos parte da roupa dela, deixando-a somente com a blusa e a calça de baixo. Mas não teve jeito, o choro insistente seguiu.
Quando eram duas horas da madrugada e o choro não teve jeito de parar, liguei para Mandy:
- Vó, eu estou com problemas. Preciso de você... Imediatamente.
- O que houve, Babi?
- Pode vir para cá? Por favor.
- Deus, estou indo agora.
Acordar a minha avó no meio da madrugada para pedir ajuda era minha única solução. Ela já teve uma filha, então certamente saberia como agir. O certo seria levar a menina ao médico, mas não nos sentíamos seguros para fazer aquilo. Qualquer passo em falso e poderíamos ser descobertos e perdermos ela para sempre.
Durante o período que estivemos viajando, visitei Mandy algumas vezes, conforme combinado. Por sorte ela estava bem e não ficou mais doente. Estava fazendo tudo que o médico recomendou.
Ela não sabia sobre Maria Lua... Nem sobre a gravidez de Salma.
Era três horas da madrugada quando a campainha tocou. Abri o portão principal e fiquei esperando-a na porta, torcendo para que ela não tivesse problemas com a porra das escadas infinitas e que acabavam com as pernas.
Quando ela chegou, abraçou-me com força.
- Vó... Que saudade!
- Neta desnaturada. Não tem mais tempo para sua avó? – cobrou.
Ouvimos o choro de bebê vindo do quarto e ela arqueou a sobrancelha:
- O que é isso?
- Bem, isso é o problema que eu tenho. E preciso da sua ajuda.
Ben chegou com Maria Lua.
Mandy ficou me olhando, surpresa e confusa:
- Você e Ben... Tiveram um filho?
- Claro que não, Mandy. Deus me livre ter um filho com Babi. – Ben reclamou. – Quer dizer, não quereria fazer um filho nela... Porque, na real, a gente já tem uma filha juntos.
Mandy sentou no sofá, praticamente deixando o corpo cair, nos encarando:
- Que porra está acontecendo aqui, crianças?
- Vó! Não fale palavrão na frente da Maria Lua.
- Pode falar, Mandy. Babi fala palavrões todos os dias.
- Ah, porra! Vó... – peguei Maria Lua dos braços de Ben. – Eu acho que ela pode estar com febre... Está quente.
Mandy levantou e pegou Maria Lua, colocando o dorso da mão sobre a testa minúscula da nossa pequena:
- Sim, está com febre.
- Como você sabe? – Ben arqueou a sobrancelha.
- Está quente.
- Mas ela sempre está quentinha. – falei. – Até porque... Circula sangue dentro dela.
- Céus... Porque “porra” não dá pra dizer, não é mesmo? – Mandy foi com Maria Lua até o quarto, colocando-a sobre a minha cama – Vamos fazer uma compressa com água em temperatura ambiente, para baixar a febre. Preciso de um termômetro e providenciem a carteira do plano de saúde dela, caso persista.
- Não! – nós dois dissemos ao mesmo tempo.
Ela virou imediatamente para nós:
- Vocês roubaram este bebê? – Arregalou os olhos.
- Não, claro que não. – falei.
- Não temos um termômetro – Ben disse. – Não seria melhor fazer a compressa com gelo? O gelado faria a temperatura baixar mais rápido, não é mesmo?
- Vocês têm um bebê roubado, não tem termômetro e querem curar a febre com compressa de gelo? – Mandy pôs as mãos na cintura, aturdida – Ben, compre um termômetro agora. Babi, quero a compressa, com água da torneira. Tudo isso em cinco minutos. Se não baixar a febre, vamos levá-la ao hospital.
- Não! – gritamos ao mesmo tempo novamente.
- Mudança de planos: me falem de onde tiraram esta criança e depois fazemos o resto – ela olhou no relógio e cruzou os braços – Vocês tem dez minutos para contar tudo, exatamente “tudo”.
- Precisaríamos de no mínimo umas duas horas, Mandy. – Ben cruzou os braços.
- Eu disse dez minutos. – Ela pareceu séria.
Olhei no relógio e comecei:
- Você lembra de Heitor Casanova?
- Casanova? Tem como esquecer este sobrenome? – ela suspirou.
- Minha avó stalkeia os CEO’s gostosões. – Comecei a rir nervosamente, enquanto explicava para Ben.
- Olha o respeito comigo, menina. Já passou um minuto. Resta nove para me contarem tudo.
- Pode ser em cinco? – olhei para Maria Lua – Ela pode não resistir.
- Febre não mata. – Mandy me encarou. – Mentiras e irresponsabilidades sim.