Capítulo 95
2737palavras
2023-02-06 11:37
Fui juntando minha roupa, sentindo tristeza e ao mesmo tempo raiva.
- Eu dei uma chance para o que eu estava sentindo e você destruiu tudo – ele disse – Esta porra de amor não existe. Escrevi o que eu realmente sentia naquela mensagem.
- Não tenho dúvidas... Desde a parte que fui só mais uma que passou pela sua cama. – Ri, amargamente, enquanto colocava a blusa.

Fui pegar a calcinha, que ele passou a mão nela rapidamente, antes de mim. O encarei, com a mão na direção dele:
- Me devolva!
- Nem pensar. É a quinta. – Arqueou a sobrancelha divertidamente.
- Vai queimar ou jogar fora junto com as outras? – tentei pegar, mas ele levantou o braço com ela em sua posse, não me dando a chance.
- Não precisa da porra da minha calcinha. – Gritei, furiosa, pulando com as mãos tentando alcançar enquanto ele ria, brincando com minha dor.
- Não vou entregar. – falou firmemente.

Eu não ia implorar por uma calcinha sem valor. Fui até o banheiro, lavei minhas mãos e passei uma água no rosto. Olhei no espelho e o ferimento do poste de pole dance estava mais feio, começando a arroxear. Suspirei e pus a calça, sem calcinha por baixo.
Quando cheguei no quarto, ele disse, vestindo um roupão:
- Eu avisei que era para você apagar meu número do seu celular e não ousar cruzar meu caminho.
- Realmente avisou. – Olhei seriamente nos olhos dele.

Eu não ia envolver Anon naquela história, dizendo que ele havia ligado para mim. Não poderia prejudicar o homem que só agiu pensando no bem do chefe.
- Pode abrir a porta para mim, por favor? – pedi, num fio de voz.
Ele abriu a porta e eu desci as escadas rapidamente, com ele atrás, seguindo o ritmo dos meus passos.
- Deve substituir esta porra de vidro... Imediatamente. – falei, apontando para os degraus.
Ele riu, debochadamente:
- Pode me dar uma sugestão se quiser, senhora Bongiove. Estou com a mente completamente aberta às mudanças que quer fazer no meu apartamento, mesmo sendo a primeira vez que pisa seus pés aqui.
Quando desci o último degrau, parei subitamente e ele bateu o corpo em mim. Virei-me, com nossos corpos juntos novamente. Levantei a cabeça, engoli as lágrimas e a fila de palavras ofensivas que eu tinha para dizer-lhe:
- É a primeira vez que piso aqui, mas não é a última, isso eu garanto. Sugiro que coloque um escorrega, daqueles de parquinho infantil. Você tem recursos financeiros para isso. Ou retire a escada por completo, colocando uma com corrimões e bem fechada nas laterais. Precisa também fazer um portão no alto dela, para que não haja nenhuma possibilidade de queda. As quinquilharias de vidro devem ficar em lugares mais altos – fui apontando para tudo que era perigoso, a meu ver – E aquele tapete branco pode ser substituído por um antiderrapante. Você tem rede de proteção na sacada? Por que deve ter uma sacada, não é mesmo?
- Você está louca, Bárbara Novaes?
Eu sorri:
- Nunca estive tão lúcida na minha vida. Lembra da minha nuvem cinza? Ela aceitou o seu sol. Eu não tenho mais ela.
- Bom para você! – ele pareceu confuso.
- Eu vou trazer o seu raio de sol, Heitor.
Ele tocou na minha testa:
- Como se mede a temperatura mesmo? Se estiver quente ou fria você está com febre?
- Fria, eu acho – falei, confusa. – Ou quente...
Ele riu:
- Espero que isso que você tem não seja contagioso. Vai que eu fique louco também.
- Lamento informar, senhor Casanova, mas é contagioso, extremamente contagioso.
Fui até a porta e ele seguiu na minha direção. Esperei que ele abrisse, pois sabia que não podia fazê-lo sozinha, pois ele precisava colocar o dedo naquela coisa.
Heitor colocou uma mecha dos meus cabelos para trás da orelha e tocou meu ferimento. Eu segui de frente para a porta, sem mover-me.
- Você está bem? – perguntou, virando meu corpo de frente para o dele.
Entrei no fundo daqueles olhos verdes, que me julgavam e tentavam me ferir:
- Eu perdi minha mãe aos dezesseis anos de idade. Vivi oito anos atrás de um homem que dava valor a qualquer coisa, menos a mim. Jardel abusou de mim física e verbalmente, me fez ter relações sexuais a força, me traiu tantas vezes que nem pude contar, me fez entrar em becos perigosos, para resgatá-lo quase morto das mãos de traficantes. Eu perdi boas oportunidades de emprego por causa dele. Eu nunca quis conhecer meu pai e quando soube quem ele era, descobri que o desgraçado tentou fazer com que minha mãe abortasse. Eu ganhei do desclassificado, de herança, uma empresa falida – ri, sentindo as lágrimas escorrerem – E novamente perdi alguém que eu amava muito, muito mesmo. Eu dei adeus ao amor da minha vida, sofrendo a cada palavra de despedida, por estar completamente fora de mim. Eu sonhei conhecer Bon Jovi desde que tinha 11 anos. Eu tinha dois ingressos, cheguei a entrar no estádio e não o vi tocar. Ele me ligou e eu sequer consegui acreditar que aquilo estava acontecendo e quando ele saiu da linha, não tive sequer tempo de vibrar por este presente que você me deu – toquei com meu dedo o peito dele, repetidas vezes – E você pergunta se eu estou bem? – limpei as lágrimas com força. – Eu estou bem, não se preocupe. Eu sempre fico bem, mesmo quando tudo é uma porra, como agora.
- Bárbara... – ele pegou meus ombros, de forma delicada.
A campainha tocou. Arqueei a sobrancelha, confusa. Ele pôs o dedo na porta, que se abriu. E lá ficamos eu e Cindy, cara a cara mais uma vez.
Balancei a cabeça, me sentindo uma idiota, uma burra. Olhei no relógio. Eram seis horas da manhã. Ela estava maquiada e com um pedaço de roupa de lantejoulas, vindo diretamente da Babilônia. Sim, pedaço, porque aquele tecido que mal tapava suas partes íntimas não podia ser chamado de roupa.
Não importava o que acontecesse, ela sempre estaria ali, junto dele. Nunca se afastou... Nunca. Ele sempre deu um jeito de deixá-la por perto. Jamais ouviu meu pedido, mesmo quando dizia gostar de mim. Imagino o que acontecia agora, que ele praticamente me expulsava do seu apartamento e da sua vida.
- O que você está fazendo aqui? – ela perguntou, me encarando.
- Já estou de saída. – Falei, incapaz de brigar.
Eu já não tinha mais forças contra Cindy. Não valia a pena a luta, porque sempre foi em vão. Eu só havia esquentado a cama para ela.
- Bárbara... – Heitor puxou meu braço enquanto ela entrava. Cheguei a sentir o cheiro forte do perfume dela.
O encarei, no fundo dos seus olhos e disse:
- “No fim, Bárbara Novaes foi só mais uma que passou pela sua cama” – sorri, amargamente – E não esqueça, está tudo bem. Sempre está... Se eu fosse me afetar por cada coisa ruim que acontece na minha vida, Heitor, não estaria mais aqui. Então, sua rejeição não vai doer tanto, não se preocupe. No fim, talvez você tenha razão e esta porra de amor realmente não exista. Mas então... Por que dói tanto?
- Cindy, querida! Está cansada? Vou preparar o café da manhã para vocês. – Ouvi o tom de voz alto de Nicolete, fazendo questão que eu ouvisse.
Virei em direção ao elevador. Heitor veio atrás de mim:
- Foi uma coincidência ela estar aqui.
- Chega! – gritei – Chega disso. Eu sempre soube que não daria certo e você também.
Ele largou os braços ao longo do corpo, se dando por vencido. Eu já estava dentro do elevador. Apertei o botão quando ele disse:
- Eu só não quero que você sofra...
- Tarde demais. Estou destruída...
- Também estou destruído – ele disse antes da porta se fechar... Para sempre.
Anon quis me levar em casa e não aceitei. Ele insistiu e então eu o deixei esperar comigo até meu táxi chegar.
- O senhor Casanova vai me matar quando souber que deixei a senhora ir sozinha.
- Mande o senhor Casanova a puta que pariu.
Ele riu e comecei a rir também, batendo no ombro dele:
- Ah, Anon, eu gosto de você.
- Também gosto de você, senhora Bongiove.
- Obrigada por não ter me falado sobre Cindy. Agora sei que não queria me magoar.
Ele não disse nada. Quando o carro parou, perguntei, antes de embarcar:
- Pode me dizer uma coisa?
- Claro, senhora Bongiove.
- Prefere eu ou Cindy?
- A senhora. – Ele respondeu sem pensar duas vezes.
- Eu sabia! – vibrei.
Na semana que passou, Heitor me ligou duas vezes, mas eu não atendi. Sabia que mais cedo ou mais tarde teria que procurá-lo para lhe falar sobre a filha, mas no momento eu não estava preparada para as desculpas dele ou qualquer outra coisa que tivesse para me dizer. Certamente estava ainda tentando justificar a presença de Cindy no apartamento dele às seis horas da manhã. E não adiantava... Não havia justificativa. Eu estava farta daquela mulher e tudo que se relacionasse aos dois.
Eu cheguei a enfrentá-la inúmeras vezes e quando passou pela minha cabeça que ele pudesse realmente gostar de mim, pedi a tirasse da vida dele. Mas ele não o fez.
Agora eu já acreditava que não eram negócios, como ele me disse uma vez. Ele gostava da loira do pau do meio. E por isso mesmo ela dançava no pau do meio e não nas laterais. E mandava e desmandava na porra toda. Ele lhe dava poder para isso. E não adiantava lutar por algo que não valia a pena. Era um desgaste emocional que não me levaria a nada.
Heitor dizia que a relação dele com Cindy era profissional. Nunca foi. Talvez ele tenha me confundido com uma idiota, que acreditaria em tudo que ele falava, que faria qualquer coisa para tê-lo, me sujeitando a aceitar o que ele estava disposto a me dar: pedaços, restos, um espaço que eu jamais teria de verdade na vida dele.
Eu não era Milena, que fingia não ver o que estava debaixo do seu nariz, pouco se importando com o que acontecia de verdade.
E eu não era Cindy, que aceitava que ele se envolvesse com qualquer mulher, desde que eu pudesse sempre voltar quando fosse chamada.
Eu pouco me importava com dinheiro ou o poder que ele tinha. Eu o amava e talvez fosse exatamente por este motivo que não aceitava dividi-lo.
Teríamos só uma coisa em comum: Maria Lua.
Uma semana ao lado do nosso raio de sol foi como um mês. E os próximos três meses pareceram um ano. Foram noites sem dormir, compras de fraldas que não acabavam mais, banhos de gato para evitar o choro compulsivo e uma vida praticamente de prisão, só que dentro da minha própria casa.
Se eu sabia que precisava resolver milhões de coisas, entre elas mudar a certidão, devido a pressão de Sebastian e contar para Heitor a verdade? Claro que eu sabia. Mas puta que pariu, minha vida estava virada de ponta cabeça... E tudo por causa de seis quilos de carne com boca... Eu disse “seis” quilos. Sim, porque ela crescia como abóbora adubada em terra fofa.
Se cada mês ela ganhava um quilo, eu e Ben nos pegamos imaginando se com 2 anos ela pesaria 24 quilos... Seria obesa aos cinco? Seria prudente começar uma dieta antes de um ano de idade?
Todas as dúvidas foram para a caderneta, para serem sanadas na próxima consulta pediátrica.
Naquela noite, quando terminei de limpar o nosso apartamento, sentei no sofá, exausta, ainda sem tomar meu banho, já que Ben estava há quase uma hora no chuveiro. Maria Lua estava dormindo no carrinho quando a campainha tocou. Abri e era Daniel.
Ben chegou à sala perfumado.
- Onde vai tão perfumado? – Perguntei.
- Tenho um encontro. – Ele disse, sorrindo.
- Hum, está me escondendo algo, senhor Ben?
- Nada não, Babi. Só um lance. – ele piscou. – Cuida delas para mim, Dani?
- Claro, com prazer. – Ele sorriu.
Ben saiu e fechou a porta:
- Pode olhar ela para eu tomar um banho? – pedi a ele.
- Claro.
Tomei um banho rápido, pois era assim agora. Com Maria Lua não havia mais banhos demorados. Quando menos esperava ela chorava e tinha que abortar a missão, independente da parte que tivesse ensaboada. Nunca mais teve sauna de graça, nem cantoria com o eco do próprio ambiente do banheiro.
Quando cheguei à sala, Daniel estava com ela no colo, adormecida.
- Ela é linda, não acha? – Observei, com um sorriso bobo no canto dos lábios.
- Demais. – Ele a colocou de volta no carrinho, sem que ela acordasse.
- Estou cansada. Foi um dia cheio de trabalho em casa.
- Eu pedi uma pizza para nós. Já deve estar chegando.
Sentei ao lado dele:
- Ah, obrigada. Acho que esqueci de comer durante a tarde, de tão empolgada que estava com a faxina. Esta pequena está dormindo desde às duas da tarde. Espero que não passe a noite acordada.
- Ben já foi a um encontro. Quando você vai fazer isso também?
- Não preciso disto. Está bom assim.
- Precisa viver a sua vida também, Babi. Você é jovem.
- Não preciso. Aliás, não quero fazer nada a não ser ficar com ela. – olhei para minha pequena no carrinho – Maria Lua era tudo que eu precisava na vida.
A campainha tocou e ele atendeu, recebendo a pizza e já servindo para nós dois.
Não usei os talheres, pegando a fatia e enfiando quase inteira na boca, de tanta fome que estava. Ele me olhou e passou o dedo na minha boca, limpando:
- Tem catchup.
- Devo estar horrível... E suja de molho. Mas você é de casa, então não vou me estressar.
Depois que comemos, ele me ajudou com a louça. Passava das onze horas quando eu disse:
- Daniel, eu preciso dormir. Estou cansada. Quer vir amanhã cedo e ficar para o almoço? – Tentei ser gentil.
- Você vai cozinhar? – ele riu.
- Não... Prometo. – Ri também.
- Eu... Acho que vou dormir por aqui.
- Não tem lugar. – falei, enrugando a testa – Você sabe que Maria Lua está no quarto de Salma.
- Posso dormir no sofá.
- Por quê? Não há motivos para isso.
- Não quero deixá-la sozinha.
- Eu nunca me importei com isso, Daniel. Esqueceu que sempre fiquei sozinha?
Ele veio na minha direção, me imprensando contra a pia com seu corpo.
- Babi, eu ainda gosto de você. – disse de uma vez.
Eu fiquei calada. Não sabia o que dizer para aquele homem. Acreditava que ele gostava de Salma, ou ao menos gostou. Como agora dizia aquilo para mim novamente?
- Eu... Gosto de você, Daniel. Mas como amigo. Volto a dizer que não tenho espaço no meu coração para amar novamente.
- Que porra, Babi. O que você tem contra mim?
- Você namorou a minha melhor amiga, caralho. Isso faz um pouco mais de três meses... Ela nem esfriou debaixo da terra e você diz que gosta de mim?
- Nunca deixei de gostar e você sabe disto. Não tem como não ter percebido. Eu fiquei com Salma somente para não me afastar de você. Será que isso nunca ficou claro, porra?
Fui até a porta, abrindo-a, aturdida:
- Vá embora.
- Eu não estou fazendo nada de errado em revelar meus sentimentos, Babi. Me ouça, por favor.
- Daniel, não tem o que ouvir. Eu não gosto de você. Eu não quero saber sobre os seus sentimentos – passei os dedos pelos meus cabelos úmidos, confusa. – Faz poucos meses que você dormia com a minha amiga, no quarto ao lado.
- Babi...
- Não... Não. Isto não tem chance de acontecer.
- Eu gosto de você desde que a vi pela primeira vez, na Babilônia, pedindo chope.
- Vá embora, Daniel. E não volte nunca mais. Eu tentei lhe dar uma chance, mas pelo visto, estava enganada com você. Deveria ter seguido meus instintos.
- Odeio esta sua rejeição. – Os olhos dele ficaram frios.