Capítulo 82
2604palavras
2023-02-06 11:29
Eu queria poder conversar mais com Anon, mas minha cabeça nunca esteve tão confusa na vida. Era um misto entre querer ir e ao mesmo tempo ficar que eu não conseguia explicar. Sentimentos fortes que chegavam a doer dentro de mim ao mesmo tempo que o medo me assombrava de uma forma que nunca vi antes.
Se Heitor continuasse a ser aquele homem debochado e sem caráter que eu vi há poucos meses atrás seria fácil dizer adeus. Mas o novo Heitor que eu começava a conhecer era tão doce e gentil que me fazia querer jogar-me aos seus pés, fazendo exatamente tudo que ele quisesse.
Por que a vida havia sido tão cruel comigo? Por qual motivo Jardel surgiu, há tantos anos atrás? Qual intuito dele na minha vida? Mostrar o quanto um homem poderia ser horrível e destruir a parte boa que ainda existia em mim?
Muitas vezes pensei que ele havia vindo para me fazer crescer. Mas agora já duvidava disto. Jardel veio para acabar comigo e estragar até mesmo com o meu futuro.
Meu coração dizia: Se joga, Bárbara! Heitor é o amor da sua vida. Você ficou com ele quando o homem tinha duas mulheres e agora que ele está disposto a largar tudo por você, nega? Mas então minha mente se atravessava e dizia: Ei, não se deu em conta que vocês dois são completamente diferentes? Só se falaram poucas vezes, enquanto faziam sexo? Ele sabe o que sobre você? Nada, ele não sabe nada. Sequer imagina que é a porra de uma Perrone, a filha do maldito que deixou o pai dele numa cadeira de rodas.
E quando ele soubesse deste segredo que eu carregava, que doía em mim tanto que ele sequer poderia imaginar? Porque ser uma Perrone era a pior coisa que poderia acontecer na minha vida. E não era só pelo fato de eu odiar o meu pai, independente do sobrenome que ele carregasse. Mas o desgraçado ainda foi ser mau caráter da pior espécie. E se envolver justo com os Casanova.
Enfim, minha partida para Noriah Sul não era para sempre. Sabíamos, nós três, que era temporário. Voltaríamos, mais cedo ou mais tarde. Este pouco tempo separados talvez fosse o que precisávamos para ter certeza de que valia a pena arriscarmos e vivermos aquele amor, mesmo com os estragos que ele poderia causar.
Mas eu não poderia pedir que Heitor me esperasse. Era muito injusto com ele. Por amá-lo tanto quanto eu amava, o deixava livre para viver sua vida, mesmo estando disposta a ficar com ele quando retornasse. Talvez ele tivesse amadurecido e não fosse mais o mulherengo bêbado que sempre ouvi falar. Se caísse nas garras de Cindy, que eu nunca tive certeza se realmente saiu, visto que para ele era difícil desvencilhar-se dela, por mais que tentasse, era porque realmente os dois tinham algo além do que eu imaginei e poderia ser sentimento e não só dependência, seja profissional ou pessoal.
Se eu era covarde? Ah, eu era sim. Eu arrancava os cabelos da loira do pau do meio, a desafiava, rompia todas as barreiras do que se esperava de mim, enfrentei a madrasta má, a noiva depressiva, as secretárias mal-amadas, recepcionistas recalcadas... E agora fugia, com o rabo entre as pernas, fingindo que era uma pobre coitada. Mas o que ele jamais entenderia é que lá no fundo, eu era sim um pobre coitada, quebrada, destruída, com um coração partido em pedaços tão pequeninhos que dois anos não foram suficiente para juntar.
Bárbara Novaes tinha coragem de assaltar um banco, mas não de se entregar de corpo e alma aos seus sentimentos.
E esta partida não era só sobre mim. Era sobre Ben, o amor da minha vida. Sim, ele e Salma eram o significado da palavra AMOR. Só que este amor era puro, era intenso, ele não via nada a não ser o sentimento, ele era capaz de qualquer coisa. Os dois eram simplesmente o ar que eu respirava. A minha família, desde sempre. As pessoas que estiveram comigo quando precisei e mesmo quando os repudiei e afastei, ainda assim eles ficaram, mesmo de longe, zelando por mim, não me deixando cair. Porque me deixaram viver a minha vida, da pior forma possível, porque eu não os ouvia. Mas quando eu abria a porta nas madrugadas, destruída, ambos estavam lá. E eles não diziam nada, porque sabiam que não adiantava. Mas me abraçavam com força e aquilo me bastava. Porque eu sabia que quando o dia amanhecesse, eu faria todas as porras erradas de novo, mas eles estariam lá quando o dia acabasse.
Nós três não éramos família de sangue. Mas éramos família de coração. Nos escolhemos, entre milhões de pessoas no mundo, para montar a nossa própria família, cheia de amor, cumplicidade, verdades, emoções e acolhimento. Se tínhamos nossas brigas? Qual família não tinha? Mas ao final, sempre tínhamos um ao outro.
Assim que chegamos em frente ao meu prédio, pedi:
- Anon, você pode esperar um minuto? Eu... Preciso que entregue algo a Heitor.
- Claro, senhor Bongiove.
Abri a porta do carro antes de ele o fazer para mim. Subi as escadas tão depressa que quase me faltou o ar ao chegar na porta de casa.
Fui até o meu quarto e peguei a caixa que ele enviou com as calcinhas. Retirei uma rosa do buquê e coloquei dentro. Rapidamente peguei uma folha e escrevi o que veio à minha cabeça:
Ei, desclassificado, isso é seu! Não pode me devolver antes de completar a coleção. Ainda falta tirar 6 pelas minhas contas. Talvez demore um tempinho para a próxima, mas se estiver disposto a esperar, ela vai ser especial.
Não há palavras para agradecer pelo que fez por mim esta noite. Mas pelas flores, obrigada.
Entendi que Anon está me cuidando de longe, mas não preciso. Peço que me deixe sozinha nesta viagem, sem mandar alguém para me proteger, porque não sou como você, ninguém tem interesse em me matar ou roubar uma foto. Anon 1 precisa ficar ao seu lado, impedindo mulheres safadas de chegar perto do meu CEO.
Meus sentimentos profundos por você permanecerão dentro de mim e sequer tenho certeza se algum dia eles acabarão, até meu último suspiro.
Não espere de mim um adeus, porque é só um até logo.
Ainda assim, não peço que pause sua vida por mim. Eu preciso do tempo, mas creio que você não. E sim, eu vou encontrar o que procuro neste tempo: coragem.
Fica bem e se cuida, desclassificado.
Desci e entreguei a caixa fechada para Anon, que me encarou, confuso.
- Dê a ele, por favor. – Pedi.
- Corre o risco de eu ter que entregá-la aqui novamente? – Questionou.
Eu ri:
- Espero que não, Anon. Porque se isso acontecer, eu estou fodida.
E assim partimos, eu, Ben e Salma, cada um com um objetivo diferente, mas juntos, como sempre.
A casa de mãe de Ben era no interior de Noriah Sul, longe de quase tudo que se conhecia naquele país. Ela já tinha uma idade avançada e o corpo estava um pouco debilitado, por isso tinha uma mulher que a cuidava.
Três semanas depois que partimos, Sebastian implorou pelo endereço de onde estávamos. Embora eu tivesse prometido a Ben não falar, acabei confiando que meu irmão jamais o daria a Tony. Foi quando recebi, uma semana depois da ligação, via correio, um documento com a posse do apartamento de Noriah Sul, que alugávamos.
Sim, meu irmão comprou o apartamento e me deu de presente. Se eu queria? Claro que sim.
Sebastian era muito mais do que eu esperava, como irmão, como amigo, como pessoa. Por vezes eu nem associava o nome dele ao do meu progenitor, porque era tão fácil amá-lo quanto odiar o pai dele.
No segundo mês, infelizmente, minha endometriose me fez voltar ao médico. E desta vez não tive o que fazer para evitar a cirurgia. O novo médico foi enfático quanto à necessidade do procedimento.
A cirurgia foi feita via videolaparoscopia, sendo retirado todo o tecido endometrial, evitando assim a retirada dos órgãos afetados. Embora a intenção deste tipo de procedimento era manter a fertilidade, o médico disse que a possibilidade de engravidar diminuía, embora não fosse impossível.
Eu sofri com aquilo, ao mesmo tempo que via nossa Maria Lua crescer dentro da barriga da minha melhor amiga.
Durante a noite, eu e Ben contávamos histórias para a pequena, dentro da barriga da mamãe, que cantava canções de ninar ao fim da noite, fazendo todos nós dormirmos com sua voz doce.
“You are my Sunshine, my only sunshine
You make me happy when skies are gray
You’ll never know, dear, how much I love you
Please, don’t take my Sunshine away
Nosso raio de sol, Maria Lua, era a razão de nossas vidas. Eu certamente não poderia gerar um filho, mas já amava aquele bebê como se fosse o que existia de mais importante na minha vida.
Quando falávamos com ela, víamos a barriga de Salma contrair-se, como se respondesse.
Ela mexia dentro da mamãe quando comíamos pizza durante a noite, assistindo filmes.
As ecografias eram o evento mais disputado da semana. Havia roupa especial para assistir e gravações no celular.
Maria Lua não gostava da voz de Ben, porque quando ele cantava Your are my Sunshine ela não se movia. Isso era motivo de riso e diversão.
Numa das manhãs acordei e vi na internet, num site de fofocas, a festa de estreia de uma nova bebida da North B., que ia de vento em popa nas mãos do CEO Heitor Casanova. Passei cada uma das fotos até encontrar, dentre as tantas do evento, ele com Cindy, vestida num daqueles tubinhos à vácuo, vermelho, com seus enormes cabelos louro platinados ondulados, e um batom tão vermelho e bem desenhado que fazia sua boca ficar ainda maior. Estavam abraçados, os seios dela quase de fora, enquanto posava para foto. A mão dele estava um pouco abaixo da cintura dela, tão próximo de sua área íntima que chegou a me dar um frio no estômago. Ambos sorriam felizes. Heitor, lindo e impecável, como sempre. Meu coração? Estraçalhado.
Eu sabia que não podia julgar... Nem o que estava por trás daquela foto, nem tirar conclusões precipitadas. Pedi que ele não deixasse de viver por minha causa. Mas também não imaginei o quanto uma imagem poderia machucar.
Heitor respeitou minha vontade. Creio que ninguém estava me observando de longe, com o intuito de me proteger ou cuidar, como acontecia em Noriah Norte. Ele não ligou, não mandou recado, nem sinal de fumaça. E eu não sabia se aquilo era bom ou ruim.
Mantive-me em casa todos os dias. Não saí, não me dei a oportunidade de conhecer outras pessoas e sequer beijei na boca aqueles meses. Quando eu deitava na cama e Ben e Salma começavam a conversar, por vezes eu me via longe dali, perdida em um par de olhos verdes que me desconcentravam, me faziam chegar ao céu e ao inferno em segundos, faziam meu coração bater forte e minha espinha congelar. Então eu voltava, fingindo que tinha ouvido tudo que eles falaram, mesmo como coração tão longe dali.
Salma fez seu repouso corretamente. Daniel ligava com frequência, mas não podia vir visitá-la, pois as folgas na Babilônia eram somente nas segundas-feiras e mesmo que pegasse um voo, não valia a pena, pois o tempo que teriam juntos seria curto.
Eu não tinha dúvidas dos sentimentos que os unia. Ele parecia querer esperá-la, independente do tempo que fosse.
Ben, por sua vez, fez de sua tristeza a mentira para a felicidade. Ele sim saía nos finais de semana e tentava me convencer a ir, mas nunca conseguia.
Ele teve vários parceiros e decidiu que sua vida não teria mais sentimentos. “Sexo é sexo” virou o lema do meu amigo. Nunca mais falamos de Tony.
Fomos felizes naqueles meses em Noriah Sul, mesmo distante do que mais amávamos.
E o tempo passou... Mais depressa do que eu imaginava, mas mais devagar do que eu queria, com uma saudade que quase me matava e um sentimento de vazio eterno.
O Show do Bon Jovi seria em dois dias. E Salma já havia decidido que Maria Lua nasceria em Noriah Norte, pois queria estar com Daniel depois que tivesse a bebê nos braços.
Foi quando arrumamos nossas malas e partimos juntos, da mesma forma que chegamos. Ben amava a mãe, mas a relação dele com ela era a mesma que eu tinha com minha avó: a amava, mas “nós três” em primeiro lugar, sempre.
Chegar em Noriah Norte me deu um aperto no coração e medo.
Eu sabia que poderia cruzar com Heitor a qualquer minuto, desde que eu quisesse. Me passou pela cabeça se ele iria ao show, já que sabia que certamente eu estaria lá.
Sobre Ben: claro que ele não esqueceu Tony. Mas agora, com a Perrone definitivamente de portas fechadas, a possibilidade de Tony voltar era quase nula.
Subir a porra das escadas até o quarto andar era difícil para Salma, com o barrigão que estava. Juro que, por mais que eu amasse o prédio e o nosso apartamento, a questão de o elevador não funcionar me deixava puta e furiosa. E talvez o único motivo que eu tinha para deixar aquele lugar um dia.
Depois, com Maria Lua, seria difícil para nós, com carrinho, bebê conforto, compras, mochilas, bolsas e tudo que eu um bebê exigia. Fora o peso dela, que aumentaria com o tempo, nos cansando ainda mais.
Quando coloquei a chave na fechadura, Bem e Salma pegaram na minha mão. Nos olhamos e sorrimos.
- Nosso apartamento, enfim... – falei. – Sem aluguel... E eu precisar pedir dinheiro emprestado.
- A gente emprestaria sem problemas. – Salma piscou, com o rosto rechonchudo e os lábios inchados, que a deixava ainda com mais cara de mamãe.
Giramos juntos a chave e entramos. Ficamos surpresos com os balões coloridos por todos os lados, flores, e um enorme cartaz de boas-vindas. Eu já imaginava de quem era: meu irmão. Será que ele estava em Noriah Norte?
- Isso está uma beleza. – Ben girou, com os braços abertos.
- Será que foi Daniel? – Salma questionou.
- Eu aposto que foi meu irmão. – Peguei o telefone imediatamente, direcionando a chamada de vídeo para o número dele.
Sebastian atendeu logo em seguida. Estava usando camiseta, diferente do terno, o qual eu estava acostumada, fazendo com que eu me surpreendesse com sua aparência mais jovial.
- Irmão... Você está lindo! – me ouvi falando.
Salma olhou na tela e acenou para ele. Depois disse no meu ouvido:
- Eu ainda vou ser sua cunhada. – Riu.
Comecei a rir também.
- Hum, estas risadas têm a ver comigo? – Sebastian perguntou.
- De certa forma, sim. – Respondi.
- Ei, irmão gostoso. Obrigado pelo apartamento. Amamos. Não lembro se já lhe agradeci. – Ben entrou na tela, ao meu lado.
- Já me agradeceu, mas precisa fazer isso para sua amiga. Eu não fiz nada, só dei uma parte do que é direito de Babi.
- Se é para agradecer direto para a desclassificada aqui, não preciso. – Ben me abraçou. – O que é dela é meu e o que é meu é dela.
- Exceto amores. – Expliquei.
- Ok, podemos tirar Thorzinho desta lista. Eu o pegaria facilmente. – brincou.
- Heitor de novo? – Sebastian fez cara de poucos amigos. – Será que ele nunca pode ficar de fora da conversa?
- Claro que não. Ele é seu cunhado, porra. – Ben reclamou.