Capítulo 74
1771palavras
2023-02-06 11:24
Brigar com Cindy na frente do restaurante até estava nos meus planos. Mas preferi me comportar, já que havia ficado bem claro para ela que eu tinha poder sobre Heitor. Só não via quem não quisesse enxergar. E ela era muito esperta para não entender.
Virei as costas para ela e entrei no carro.
- O que foi isso? – Comecei a rir, ainda nervosa.

- Um homem lutando pela honra da irmã. – Respondeu.
- E... Onde Heitor entra nesta briga?
- Sinceramente, não quero pensar ainda mais sobre a atitude dele, ou minha cabeça ficará dando ainda mais nós.
- Acha que ele pode gostar de mim de verdade?
- Mesmo com Cindy à tiracolo? – me olhou de soslaio. – Quer que eu diga a verdade?
- Por favor, eu quero.

- Que Heitor Casanova é um sem-vergonha todo mundo sabe. Que ele sempre esteve com Cindy no seu encalço, todo mundo sabe. Que ele não se importa com ninguém a não ser ele mesmo, todo mundo sabe. Mas ele fazer um escândalo num restaurante de luxo pela minha irmã... Isso todo mundo viu, mas não sei acreditaram.
- Não respondeu minha pergunta.
- Eu acho que ele pode estar gostando “um pouquinho” de você. – Mostrou o dedo indicador junto com polegar, fazendo gesto e comprimindo os olhos, com um meio sorriso irônico.
Eu sorri, e senti uma sensação de bem-estar comigo mesma que não teve preço. Só queria uma segunda opinião. Afinal, eu já tinha quase certeza de que era correspondida depois de ouvir o “eu te amo” enquanto ele destruía a própria sala na North B.

Mas talvez meu orgulho e amor próprio fossem mais fortes do que eu imaginava. Só quem passou pelo que eu passei poderia se colocar no meu lugar e saber o que é fazer tudo por uma pessoa tóxica que acaba por destruir a vida de si mesma e de todos ao seu redor sem se dar em conta.
Jardel morreu, mas levou parte de mim com ele. A parte da inocência e crença de que as pessoas podiam ser boas ou melhorarem. Eu jamais seria a mesma depois de todo meu passado.
Sebastian me deixou em casa e foi embora.
Lembrei que segunda-feira era também a noite em que a Babilônia não funcionava e por isso encontrei Heitor naquele restaurante. E além do mais, pelo que pude perceber, ele sabia que eu estaria ali. Então, de alguma forma, estava vigiando a minha vida. E isso me incomodava profundamente. Ele alegava querer me proteger, mas eu não precisava proteção contra nada a não ser dele mesmo.
No dia seguinte fui para a Perrone e Sebastian pela primeira vez abriu a parte financeira da empresa para mim. Não que eu fosse expert nisso, mas acho que queria dividir o que acreditava ser “nosso patrimônio”.
Depois de entender que a empresa não gerava lucros e o que entrava era praticamente para pagar o que se produzia, fui sincera:
- Sebastian, sinceramente, eu não me acho dona deste lugar. Por mais que eu queira dizer que me sinto grata por seu pai ter feito isso para mim, não é o que eu sinto de verdade. Volto a dizer: de Francesco Perrone eu só quero Sebastian. Sinto muito. Me consterno por saber o quanto esta empresa é importante para você.
- Me sinto culpado de alguma forma. Fui ingênuo... Fiz tudo errado.
- Não foi. Mas está lidando com alguém bem mais experiente em negócios grandiosos do que você. E sem caráter. Heitor Casanova é assim, infelizmente.
- Ainda acho que Heitor não teria capacidade para tudo isso. Allan deve estar por trás dele.
- Não há como sabermos. E o que importa, não é mesmo? Mesmo que tenha sido Allan Casanova, isso não faria a Perrone ser produtiva e render mais. Talvez Noriah Norte não seja o lugar ideal para esta empresa.
- Isso significa que eu teria que voltar para o meu país. E perder a minha irmã que encontrei há tão pouco tempo, tendo que ficar longe dela novamente?
Toquei a mão dele carinhosamente:
- O elo emocional e sentimental que criamos ninguém vai destruir, Sebastian. Além do mais, você não é obrigado a partir. Pode ficar em Noriah Norte.
- E me sentiria um homem horrível, por deixar a minha mãe e minha avó por...
- Por...
- Minha irmã e a mulher que eu amo.
Eu ri:
- Sabia que havia mais que um amor entre irmãos nesta história. Por que não fala com ela?
- Duvido que Milena queira me ver na frente dela depois de tudo que eu fiz. Duvidei que o filho era meu... A deixei sofrendo sozinha a perda do nosso bebê. Não estive ao lado dela quando mais precisou de mim.
- Talvez seja hora de pedir desculpas.
- E acha que ela me perdoaria? Duvido. Muito tempo se passou.
- Ela não me pareceu sentir mágoa por você quando conversei com ela. Pelo contrário, estava bastante preocupada com como você se sentia após a morte de seu pai. Ela não seguiu em frente, assim como você.
- “Nosso” pai.
- “Seu” pai. – Corrigi.
Naquela noite Ben estava fazendo o jantar, o que era raro. Geralmente quando Salma não cozinhava pedíamos pizza.
Assim que sentei à mesa e vi quanta comida gostosa ele havia feito, perguntei:
- Estamos comemorando algo que eu não fiquei sabendo?
- A vida, querida... A minha vida, a sua vida, a vida de Salma, a vida da nossa maravilhosa Maria Lua.
- Hum... E vai ser só nós três? – Comecei a me servir.
- Daniel está trabalhando. – Salma avisou.
- Tony está viajando... Ainda. – Ben justificou.
- Não se falaram nem por telefone? – perguntei. – Nadinha mesmo?
- Não.
- Desclassificado.
Salma riu:
- Acho que esta palavra já faz parte do nosso vocabulário popular. Deveriam colocar no dicionário com o real sentido.
- Até Heitor Casanova a chamou de desclassificada... E olha que ele nem sabia o que significava. – Ben achou engraçado.
- Vai ver Heitor imaginou que era algo bom. – Salma riu novamente, enquanto servia o prato até quase cair a comida, de tanta quantia que estava colocando.
- Nossa... Você acha que pode não haver comida nesta casa amanhã? – perguntei.
- Tenho estado com muito apetite. Hoje tentei entrar numa calça que não coube.
- Eu imagino... Sua barriguinha está crescendo. Se eu visse você na rua, acho que já saberia que tem um bebezinho aí dentro. – Observei, me derretendo.
- Eu até já uso a fila de gestante. – Ela se gabou.
- E ninguém contestou sua gestação, não? – Ben perguntou.
- Eu ponho a barriga um pouco para frente. – Ela riu. – Me dá uma puta dor na coluna.
- Ben, sua comida está maravilhosa. Só não é melhor que a da Salma.
- Desclassificada! – ele botou a língua para mim.
A campainha tocou. Nos olhamos, surpresos.
- Eu não quero dividir a comida. – Salma olhou para as panelas, temendo não sobrar repetição.
- É só a gente não oferecer. – Sugeri.
- E se for Sebastian? Oferecemos ou não? – Ben ficou em dúvida.
- Sim, ele é meu irmão.
- Daniel também pode comer um pouquinho. – Salma puxou uma panela, tentando garantir uma parte para ele.
- Não acho que seja Mandy, mas ela também tem direito... Pode até sentar na mesa conosco. – Levantei, me prontificando a atender.
Abri a porta e dei de cara com Milena. Fiquei imóvel, sem saber o que dizer.
- Oi, Bárbara! – ela acenou, timidamente.
- Oi... – Não saiu mais nada da minha boca.
Ok, eu exigi que Heitor terminasse com você, mas não foi para magoá-la. Simplesmente queria uma prova de que o que ele sentia por mim era verdadeiro. E não queria enganar ninguém. Ela tinha que acreditar em mim!
- Eu posso entrar?
Pode? Não pode? O que essa mulher faz aqui? Ela não entra na lista de quem pode comer um pouco do nosso jantar.
Saí da frente da porta e dei espaço para ela entrar.
- Nós estamos jantando. – Fechei a porta. – Nos acompanha?
- Ela tem direito? – Ben arqueou a sobrancelha.
- Ben! – critiquei. – Esta é... Milena Bayard. – Apresentei-a.
- Quem é você na vida, querida? – Ben perguntou.
- Ela é... Ex noiva de Heitor. – Expliquei.
- E de Sebastian. – Ela me olhou.
Suspirei, já entendendo o motivo de ela estar ali. Era Sebastian.
- Você quer conversar comigo? – fui direta.
- Sim... Se não se importa. Eu poderia ficar imaginando coisas e não tirar a limpo. Mas acho que foi sincera comigo naquela conversa que tivemos...
- Fui? – Se estivermos falando sobre Heitor eu não fui muito sincera não... Nem honesta. Claro que isso eu só divaguei, mas não falei.
- Espero que tenha sido.
- Eu... Posso ter sido. – Arqueei a sobrancelha.
- Eu soube que você está namorando com Sebastian.
- Eu? Que nojo! Quem disse isso?
- Cindy.
- Cindy? A loira do pau do meio? – Ben enrugou a testa.
- Cindy mentiu. Eu não tenho nada com Sebastian. Somos apenas... Como posso explicar...
- Por Deus, não me diga que são amigos. Isso é a frase que define “durmo com ele apenas”.
- Somos mais que isso. – falei. – Mas não vou lhe contar esta história. Eu vou deixar que ele conte.
- Não... Eu só vim falar com você sobre isso. Não quero falar com Sebastian. E... Eu creio que todos saibam que Heitor gosta de você.
- Sabem? – Salma perguntou. – E você também sabe, não é mesmo, Babi?
Abaixei a cabeça e perguntei:
- Ele lhe disse isso?
- Acha que precisa dizer com palavras? – ela perguntou. – Fiquei imaginando que se você estivesse com Sebastian, isso seria um problema... E chega de tragédias entre os Casanova e os Perrone. Não há mais espaço para ódio e vinganças que só trazem tristeza, dor e separação.
- Ah, Milena, não sabe o quanto eu fico feliz em ouvir isso de você. Concordo com tudo que está dizendo. Foi longe demais esta história toda. Sente-se, por favor. – Ofereci.
Ela sentou-se, não retirando a bolsa do ombro, parecendo nervosa.
- Eu... Vou pegar um casaco e já volto. – falei, indo para o meu quarto.
Não sei se a desculpa foi convincente, mas foda-se.
Liguei para Sebastian:
- Babi? Aconteceu algo?
- Sim, aconteceu. Preciso que você venha imediatamente para minha casa.