Capítulo 74
1771palavras
Virei as costas para ela e entrei no carro.
- O que foi isso? – Comecei a rir, ainda nervosa.
- Um homem lutando pela honra da irmã. – Respondeu.
- E... Onde Heitor entra nesta briga?
- Sinceramente, não quero pensar ainda mais sobre a atitude dele, ou minha cabeça ficará dando ainda mais nós.
- Acha que ele pode gostar de mim de verdade?
- Mesmo com Cindy à tiracolo? – me olhou de soslaio. – Quer que eu diga a verdade?
- Por favor, eu quero.
- Que Heitor Casanova é um sem-vergonha todo mundo sabe. Que ele sempre esteve com Cindy no seu encalço, todo mundo sabe. Que ele não se importa com ninguém a não ser ele mesmo, todo mundo sabe. Mas ele fazer um escândalo num restaurante de luxo pela minha irmã... Isso todo mundo viu, mas não sei acreditaram.
- Não respondeu minha pergunta.
- Eu acho que ele pode estar gostando “um pouquinho” de você. – Mostrou o dedo indicador junto com polegar, fazendo gesto e comprimindo os olhos, com um meio sorriso irônico.
Eu sorri, e senti uma sensação de bem-estar comigo mesma que não teve preço. Só queria uma segunda opinião. Afinal, eu já tinha quase certeza de que era correspondida depois de ouvir o “eu te amo” enquanto ele destruía a própria sala na North B.
Mas talvez meu orgulho e amor próprio fossem mais fortes do que eu imaginava. Só quem passou pelo que eu passei poderia se colocar no meu lugar e saber o que é fazer tudo por uma pessoa tóxica que acaba por destruir a vida de si mesma e de todos ao seu redor sem se dar em conta.
Jardel morreu, mas levou parte de mim com ele. A parte da inocência e crença de que as pessoas podiam ser boas ou melhorarem. Eu jamais seria a mesma depois de todo meu passado.
Sebastian me deixou em casa e foi embora.
Lembrei que segunda-feira era também a noite em que a Babilônia não funcionava e por isso encontrei Heitor naquele restaurante. E além do mais, pelo que pude perceber, ele sabia que eu estaria ali. Então, de alguma forma, estava vigiando a minha vida. E isso me incomodava profundamente. Ele alegava querer me proteger, mas eu não precisava proteção contra nada a não ser dele mesmo.
No dia seguinte fui para a Perrone e Sebastian pela primeira vez abriu a parte financeira da empresa para mim. Não que eu fosse expert nisso, mas acho que queria dividir o que acreditava ser “nosso patrimônio”.
Depois de entender que a empresa não gerava lucros e o que entrava era praticamente para pagar o que se produzia, fui sincera:
- Sebastian, sinceramente, eu não me acho dona deste lugar. Por mais que eu queira dizer que me sinto grata por seu pai ter feito isso para mim, não é o que eu sinto de verdade. Volto a dizer: de Francesco Perrone eu só quero Sebastian. Sinto muito. Me consterno por saber o quanto esta empresa é importante para você.
- Me sinto culpado de alguma forma. Fui ingênuo... Fiz tudo errado.
- Não foi. Mas está lidando com alguém bem mais experiente em negócios grandiosos do que você. E sem caráter. Heitor Casanova é assim, infelizmente.
- Ainda acho que Heitor não teria capacidade para tudo isso. Allan deve estar por trás dele.
- Não há como sabermos. E o que importa, não é mesmo? Mesmo que tenha sido Allan Casanova, isso não faria a Perrone ser produtiva e render mais. Talvez Noriah Norte não seja o lugar ideal para esta empresa.
- Isso significa que eu teria que voltar para o meu país. E perder a minha irmã que encontrei há tão pouco tempo, tendo que ficar longe dela novamente?
Toquei a mão dele carinhosamente:
- O elo emocional e sentimental que criamos ninguém vai destruir, Sebastian. Além do mais, você não é obrigado a partir. Pode ficar em Noriah Norte.
- E me sentiria um homem horrível, por deixar a minha mãe e minha avó por...
- Por...
- Minha irmã e a mulher que eu amo.
Eu ri:
- Sabia que havia mais que um amor entre irmãos nesta história. Por que não fala com ela?
- Duvido que Milena queira me ver na frente dela depois de tudo que eu fiz. Duvidei que o filho era meu... A deixei sofrendo sozinha a perda do nosso bebê. Não estive ao lado dela quando mais precisou de mim.
- Talvez seja hora de pedir desculpas.
- E acha que ela me perdoaria? Duvido. Muito tempo se passou.
- Ela não me pareceu sentir mágoa por você quando conversei com ela. Pelo contrário, estava bastante preocupada com como você se sentia após a morte de seu pai. Ela não seguiu em frente, assim como você.
- “Nosso” pai.
- “Seu” pai. – Corrigi.
Naquela noite Ben estava fazendo o jantar, o que era raro. Geralmente quando Salma não cozinhava pedíamos pizza.
Assim que sentei à mesa e vi quanta comida gostosa ele havia feito, perguntei:
- Estamos comemorando algo que eu não fiquei sabendo?
- A vida, querida... A minha vida, a sua vida, a vida de Salma, a vida da nossa maravilhosa Maria Lua.
- Hum... E vai ser só nós três? – Comecei a me servir.
- Daniel está trabalhando. – Salma avisou.
- Tony está viajando... Ainda. – Ben justificou.
- Não se falaram nem por telefone? – perguntei. – Nadinha mesmo?
- Não.
- Desclassificado.
Salma riu:
- Acho que esta palavra já faz parte do nosso vocabulário popular. Deveriam colocar no dicionário com o real sentido.
- Até Heitor Casanova a chamou de desclassificada... E olha que ele nem sabia o que significava. – Ben achou engraçado.
- Vai ver Heitor imaginou que era algo bom. – Salma riu novamente, enquanto servia o prato até quase cair a comida, de tanta quantia que estava colocando.
- Nossa... Você acha que pode não haver comida nesta casa amanhã? – perguntei.
- Tenho estado com muito apetite. Hoje tentei entrar numa calça que não coube.
- Eu imagino... Sua barriguinha está crescendo. Se eu visse você na rua, acho que já saberia que tem um bebezinho aí dentro. – Observei, me derretendo.
- Eu até já uso a fila de gestante. – Ela se gabou.
- E ninguém contestou sua gestação, não? – Ben perguntou.
- Eu ponho a barriga um pouco para frente. – Ela riu. – Me dá uma puta dor na coluna.
- Ben, sua comida está maravilhosa. Só não é melhor que a da Salma.
- Desclassificada! – ele botou a língua para mim.
A campainha tocou. Nos olhamos, surpresos.
- Eu não quero dividir a comida. – Salma olhou para as panelas, temendo não sobrar repetição.
- É só a gente não oferecer. – Sugeri.
- E se for Sebastian? Oferecemos ou não? – Ben ficou em dúvida.
- Sim, ele é meu irmão.
- Daniel também pode comer um pouquinho. – Salma puxou uma panela, tentando garantir uma parte para ele.
- Não acho que seja Mandy, mas ela também tem direito... Pode até sentar na mesa conosco. – Levantei, me prontificando a atender.
Abri a porta e dei de cara com Milena. Fiquei imóvel, sem saber o que dizer.
- Oi, Bárbara! – ela acenou, timidamente.
- Oi... – Não saiu mais nada da minha boca.
Ok, eu exigi que Heitor terminasse com você, mas não foi para magoá-la. Simplesmente queria uma prova de que o que ele sentia por mim era verdadeiro. E não queria enganar ninguém. Ela tinha que acreditar em mim!
- Eu posso entrar?
Pode? Não pode? O que essa mulher faz aqui? Ela não entra na lista de quem pode comer um pouco do nosso jantar.
Saí da frente da porta e dei espaço para ela entrar.
- Nós estamos jantando. – Fechei a porta. – Nos acompanha?
- Ela tem direito? – Ben arqueou a sobrancelha.
- Ben! – critiquei. – Esta é... Milena Bayard. – Apresentei-a.
- Quem é você na vida, querida? – Ben perguntou.
- Ela é... Ex noiva de Heitor. – Expliquei.
- E de Sebastian. – Ela me olhou.
Suspirei, já entendendo o motivo de ela estar ali. Era Sebastian.
- Você quer conversar comigo? – fui direta.
- Sim... Se não se importa. Eu poderia ficar imaginando coisas e não tirar a limpo. Mas acho que foi sincera comigo naquela conversa que tivemos...
- Fui? – Se estivermos falando sobre Heitor eu não fui muito sincera não... Nem honesta. Claro que isso eu só divaguei, mas não falei.
- Espero que tenha sido.
- Eu... Posso ter sido. – Arqueei a sobrancelha.
- Eu soube que você está namorando com Sebastian.
- Eu? Que nojo! Quem disse isso?
- Cindy.
- Cindy? A loira do pau do meio? – Ben enrugou a testa.
- Cindy mentiu. Eu não tenho nada com Sebastian. Somos apenas... Como posso explicar...
- Por Deus, não me diga que são amigos. Isso é a frase que define “durmo com ele apenas”.
- Somos mais que isso. – falei. – Mas não vou lhe contar esta história. Eu vou deixar que ele conte.
- Não... Eu só vim falar com você sobre isso. Não quero falar com Sebastian. E... Eu creio que todos saibam que Heitor gosta de você.
- Sabem? – Salma perguntou. – E você também sabe, não é mesmo, Babi?
Abaixei a cabeça e perguntei:
- Ele lhe disse isso?
- Acha que precisa dizer com palavras? – ela perguntou. – Fiquei imaginando que se você estivesse com Sebastian, isso seria um problema... E chega de tragédias entre os Casanova e os Perrone. Não há mais espaço para ódio e vinganças que só trazem tristeza, dor e separação.
- Ah, Milena, não sabe o quanto eu fico feliz em ouvir isso de você. Concordo com tudo que está dizendo. Foi longe demais esta história toda. Sente-se, por favor. – Ofereci.
Ela sentou-se, não retirando a bolsa do ombro, parecendo nervosa.
- Eu... Vou pegar um casaco e já volto. – falei, indo para o meu quarto.
Não sei se a desculpa foi convincente, mas foda-se.
Liguei para Sebastian:
- Babi? Aconteceu algo?
- Sim, aconteceu. Preciso que você venha imediatamente para minha casa.