Capítulo 70
2495palavras
2023-02-06 11:22
Era para ser uma noite agradável. E não foi. Acabei sozinha, “cancelada” pelos meus próprios amigos.
Eu até acho que eles fizeram aquilo de propósito, para que eu lavasse e secasse a louça sozinha.
Enquanto esfregava a louça, minha cabeça não conseguia parar de pensar em Heitor. Eu pus um fim àquilo... Acabando comigo mesma. Porque estar longe dele ela como me perder para sempre. Mas eu não podia perdoar o que ele tinha feito. Se estava sendo intolerante? Não, não estava.

A campainha tocou. Meu coração quase saltou pela boca. E se fosse ele? Não esperávamos ninguém àquela hora.
Puxei meus cabelos para trás e olhei-me no espelho para ver se estava bem de aparência. Enquanto isso a campainha insistia.
Abri a porta e dei de cara com uma mulher alta, morena, de olhos claros. Tinha cabelos compridos e vestia um conjunto de terno branco com blusa vermelha por baixo. A bolsa que ela carregava no antebraço tinha o logotipo de marca famosa em tamanho grande.
- Posso ajudá-la em algo? – perguntei, achando ser engano.
- Sim... Procuro “Ben”.
- Ben? – fiquei impressionada. Eu jamais vi aquela pessoa na minha frente. – Da parte de quem?

- Da noiva de Tony. – Ela empurrou a porta e entrou, quase passando por cima de mim, sem nem pedir licença.
Se eu estava fodida porque Heitor roubou minha ideia e destruiu a empresa do meu irmão, Ben talvez estivesse em situação pior. Mulher atrás de amante... Confusão na certa.
- Não vou perguntar se você quer sentar, porque acho que se quisesse o faria sem convite, não é mesmo? – ironizei. – Fecha seus ouvidos porque vou gritar.
Ela arqueou a sobrancelha, confusa, enquanto gritei a todo volume por Ben.

- Não vou até lá porque tenho medo de deixá-la aqui sozinha... Sabe como é... Não a conheço.
- Acha que eu roubaria algo desta espelunca? Só existe uma ladra aqui... E é a Ben.
- “A Ben”? – Perguntei.
Puta que pariu! Ben estava fodido ao quadrado.
Ben apareceu na sala, com os cabelos desgrenhados, sem maquiagem e de camisa larga, só de calcinha comportada, com seu pênis fazendo volume evidente na parte da frente.
- Apresentando.... Ben. – Apontei para ele. – Surpresa!
- A Ben... É homem? – ela ficou pasma, olhando para o meu amigo dos pés à cabeça.
- Teoricamente... Não. – Ben respondeu. – Você é...
- Lorena, futura esposa do Tony. – Ela o olhou, com escárnio.
Aquela foi uma das poucas vezes que vi Tony sem reação. Então respondi por ele:
- Acho que você é noiva dele, não futura esposa. Porque futura esposa é o meu amigo aqui. – Cruzei os braços e fiquei ao lado dele.
Se eu dissesse que não estava louca para bater em alguém e descontar a raiva que tinha guardada dentro de mim por tudo que aconteceu naquele dia, estaria mentindo. Lorena apareceu no dia errado, na hora errada.
- Meu Deus... Você é homem. – Ela seguiu, confusa.
- Depende do ponto de vista, querida. – Ben respondeu, delicadamente.
- Se afaste de Tony. – Ela disse com raiva, apontando o dedo para ele, já com firmeza.
- E se eu não quiser? – Ben revidou.
- Eu falo para toda a família de Tony que ele se envolveu com alguém como você. – Ameaçou.
- E o que eu sou? – Ben perguntou, arqueando a sobrancelha.
- Não me desafie. Tony será deserdado. A família dele jamais aceitará que ele se envolva com... Com... – Ela não terminou a frase.
- Tony é gay. – Ben disse. – Porque tenho certeza de que nem bi ele é.
- Eu até aceitaria ser traída com uma mulher. Mas com você... Isso é aterrorizante, traumatizante. – Ela fez cara de nojo.
- Simples, termine com Tony e deixe ele ser feliz ao lado de Ben. Porque é isso que os dois são juntos: felizes. – Respondi para ela.
- Se ele fosse feliz com você não teria me procurado. – Ben a encarou.
- Eu sabia que tinha alguém... Tony estava distante nos últimos tempos... Voltou poucas vezes para casa... Mas jamais imaginei que... – Ela falou, como que para si mesma.
- Ele também está confuso com tudo isso. – Ben disse, com tranquilidade. – Tony acabou de se descobrir. Não há porque você fazer chantagem... Nós nos gostamos. E não é uma brincadeira. São sentimentos verdadeiros. É amor... E amor não escolhe gênero, classe, raça ou credo.
- Eu não posso aceitar isso... Não... – ela colocou a mão na cabeça, visivelmente abalada.
- Querida, eu entendo você. E jamais teria me submetido a este relacionamento se eu não fosse completamente apaixonado por Tony. Ele me pediu um tempo para acabar o noivado. E eu dei... Mas realmente o tempo se estendeu mais do que prevíamos. Desculpe.
- Ele não tinha o direito de fazer isso comigo!
- E nem você tem o direito de ameaçá-lo se ele não quiser seguir com o relacionamento de vocês. – Ben falou de forma suave.
- Vou espalhar aos quatro cantos que ele é gay. – Ela anunciou.
- E terá feito um favor para ele. – Me meti. – Assim ele se assume de vez.
- “Ele” tem que contar. É a vida dele. – Ben olhou para ela e depois para mim.
- A escolha é sua, Ben. Se continuar a relação entre vocês, eu vou contar a todos quem é Tony. A cidade que moramos é pequena. Todos saberão sobre o caso dele com um homem.
- Quer mesmo ficar com um homem preso a você por chantagem? – Perguntei. – Isso sim me impressiona. Onde está o seu amor próprio, querida?
- Sim. Ele vai sofrer como eu estou sofrendo neste momento. E para mim, isso basta.
Ela abriu a porta e se foi, tão rápido quanto chegou, nos deixando sem palavras.
- Eu sei que quem deve contar é ele... Mas falei aquilo para tentar contê-la. Isso vai dar confusão e você sabe disso, Ben.
- Eu sabia que mais cedo ou mais tarde ela ia descobrir. E acho até que demorou.
Eu o abracei com força:
- Assim Tony vai ter que se decidir de uma vez por todas, Ben. Este é o lado bom.
- E acha que ele vai escolher quem, Babi?
- Você... Claro. Ele o ama.
Ele riu e vi uma lágrima escorrer pelo olho dele, rolando pela face e caindo no peito. Uma lágrima solitária, mas carregada de dor.
- Se ele me ama? Sim, não tenho dúvidas disso. Mas ele não vai me escolher. Porque ela vai ameaçá-lo e Tony terá medo de todos saberem a verdade.
- Mas... Ele já prometeu que contaria a verdade sobre vocês algum dia, não é mesmo?
- Sabe quantas vezes já passei por isso, Babi?
- Sei... Eu sei – o abracei novamente e ele deitou a cabeça no meu ombro. – Claro que o certo seria eu dizer que vou lutar por ele. Mas o que importa? Eu nunca ganho no final.
- Não pode jogar a toalha assim, Ben.
- Estou jogando antes mesmo de levantá-la. Eu cansei...
Ele me largou e foi para o quarto. Fiquei ali, com a louça pela metade, ainda sentindo a dor do meu melhor amigo, misturada à minha.
Por isso eu não queria mais amar. Porque o amor era uma porra que trazia muita dor.
Tranquei a porta, com medo daquela louca voltar e fui para o banheiro. Liguei o chuveiro na temperatura mais quente que tinha e deixei o vapor tomar conta do banheiro enquanto eu retirava minha roupa.
Nunca precisei tanto de um banho quente na minha vida. E era ali, debaixo do chuveiro, que eu podia deixar as lágrimas caírem sem que ninguém visse, nem eu mesma.
A porta se abriu e Ben entrou, sentando no vaso sanitário. Passei a mão no vidro e consegui visualizar os olhos dele vermelhos. Com meu dedo, escrevi no vidro vaporizado: “Eu te amo”.
Ele sorriu e disse:
- Vai passar... Não se preocupe.
- Vamos voltar a sair nos dias de foda? – convidei. – A gente precisa disso. Ou vamos ficar na fossa, amigo.
- Ok, vamos voltar... Mas não esta semana. Preciso curtir a minha dor, quietinho no meu canto.
- Está bem.
Ele saiu. Coloquei um pijama e fui até o quarto dele, que já estava deitado na cama.
Deitei ao lado dele e virei para o lado oposto e pedi:
- Dorme de conchinha comigo, Ben?
Ele virou para o meu lado e grudou o corpo ao meu, abraçando-me.
- Boa noite, Babi.
- Boa noite, Ben. Eu amo você.
- Eu amo você, Babi... Para sempre.
Sorri e fechei meus olhos. Ben fazia qualquer dor ficar mais branda.
No dia seguinte precisei voltar ao interior e contar a Mandy sobre Sebastian Perrone. Eu tinha quase certeza de que ela sabia o nome do meu pai, bem como seu sobrenome. E até entendia sua reação quando eu disse, dias antes, que trabalhava na empresa de vinhos. A questão é que Mandy me ouviu e não disse uma palavra sequer sobre Francesco Perrone e minha mãe. Se ela fingiu surpresa? Também não. Óbvio que ela sabia. Mas certamente minha avó morreria levando o segredo de minha mãe para o túmulo.
Cheguei em casa naquele sábado e assim que abri a porta, Ben disse:
- Adivinha quem veio atrás de você... Na nossa casa?
Senti meu coração dar pulos dentro de mim, mas não deixei transparecer nada:
- Quem? – fingi-me de desentendida.
- Sebastian. – Ele sorriu.
- Ah... – Não consegui fingir minha decepção.
- Claro que não foi ele, boba. Foi o nosso CEO mais lindo e desejado: Thorzinho.
- O que ele disse? Que horas foi isso?
- Deve fazer uma hora mais ou menos que ele esteve aqui. Tomamos um café e ele foi embora.
Balancei os ombros de Ben, o encarando:
- Quero saber até quantos suspiros ele deu... Agora.
- Não mesmo. Você não quer mais nada com ele. Então não precisa saber.
- Eu mato você... Me conte ou o jogo pela janela.
- Conta logo, Ben. – Salma chegou na cozinha.
- Você também o viu, Salma? – perguntei.
- Não... Eu... Estava cansada e não consegui sair do quarto.
- Cansada? Está tudo bem com você, Salma?
- Sim... Tudo certo.
- Um homão da porra daquele destruído por um coração partido. – Ben serviu um copo de suco. – Que tristeza. Uns com tanto... Outros com tão pouco.
- Ele... Não está destruído. – falei. – Aposto que a loira falsa dançou para ele no pau que ele botou no quarto para os dois.
- Vai lá e arranca o pau fora. – Salma disse. – Você tem este poder.
- Eu não quero...
- Ele está perdido... Não sei se vai conseguir se encontrar. – Ben me olhou.
- Ele tem 30 anos, uma passagem de talvez centena de mulheres pela vida dele e está “perdido”? Não, Ben. Eu que estou perdida, por estar apaixonada por aquele desclassificado, com uma vasta opção de homens por aí. Ele precisa se encontrar e parar de fazer merdas.
- Caralho, ele não fez por mal.
- Ainda assim acabou comigo. Ele foi imaturo. Pensou só nele e em ninguém mais. Mimado, acostumado a ter tudo como quer, da forma que quer...
- Sim, ele não sabe como ter uma coisa que não pode comprar. E o sentimento dentro dele está enlouquecendo-o. Thor não sabe dizer eu te amo... Porque ele nunca sentiu isso antes. O medo o assola.
- Este homem vai me enlouquecer, porra!
- Eu não acho que ele vá voltar atrás de você.
- Por quê?
- Mandei-o dar um tempo. Que correr atrás não resolveria nada, pelo contrário, complicaria ainda mais a vida dele.
Sentei no sofá, suspirando:
- Eu nunca estive tão confusa e indecisa na vida. – Confessei. – É como escolher entre o céu ou o inferno. Minha vida nunca esteve tão boa como agora, sem preocupações, com um bom emprego, tomando conta de mim mesma...
- Um bom emprego? A Perrone está falida, amiga. – Salma lembrou.
- Quem é capaz de ganhar de herança uma empresa gigante e falida? Babi, nossa eterna azarada.
Começamos a rir.
- E o inferno? É Heitor? – Salma arqueou a sobrancelha.
- Sim, Heitor é o inferno... Quente, me faz ficar insana e sem noção. Mente, faz tudo errado, magoa pessoas, ordena sem saber pedir... Na cama me deixa completamente fora de mim. Se ele me toca, minhas certezas viram pó e juro que os olhos dele nos meus podem me convencer a fazer qualquer coisa.
Meu telefone tocou. Era Sebastian.
- Oi.
- Marquei o teste de DNA para segunda-feira.
- Ok, estarei lá.
- Combinado. Oito horas no laboratório.
- Sebastian, você acha que pode dar negativo?
- Não, não acho. Só vamos confirmar pela segunda vez, para termos certeza absoluta. Não tenho dúvidas que você é uma Perrone.
- Eu... Estarei lá.
Ficamos em casa nós três naquele final de semana. Exceto domingo pela manhã que Daniel ficou um tempo com Salma.
Ela fez almoço e eu aleguei estar nervosa pelo resultado do exame e não quis comer. Eu evitava Daniel a qualquer custo. E pedi para Salma não contar sobre Sebastian ser meu irmão para ele. E tenho certeza de que ela não contaria, pois eu confiava na minha amiga.
Na segunda-feira, oito horas da manhã, retiramos sangue no laboratório, eu e Sebastian.
A semana transcorreu normalmente. Contei a Sebastian sobre o motivo que Heitor alegou ter feito o que fez e claro que ele ficou furioso. Mas também não me deixou exigir que meu nome fosse retirado do projeto da North B. Disse que era justo eu receber pela minha ideia, que foi roubada.
Mesmo o produto tendo sido lançado primeiramente pela North B., tendo uma propaganda e divulgação bem menor do que eu esperava, eu e Sebastian decidimos não desistir do que já havíamos feito e tudo que já tinha sido investido. Seria como copiarmos a North B. Mas não tinha o que fazer. Desistir seria como jogar dinheiro pela janela.
Não vi mais Heitor. Ele não me ligou e não me procurou mais. E o afastamento definitivo dele da minha vida não me fez bem. Era como se faltasse um pedaço de mim. E nada mais tivesse a mesma alegria de antes. Não houveram mais frios na barriga... Nem fortes emoções. E como se a possibilidade de sentir orgasmos novamente fosse algo impossível... Assim como meu coração voltar a bater forte... Por amor.
Sebastian abriu minha porta no final do dia. Mostrou o envelope:
- Saiu quase uma semana antes do previsto o resultado.
Senti meu coração bater mais forte:
- Você já abriu?
- Não... Nós vamos fazer isso juntos.