Capítulo 71
2500palavras
2023-02-06 11:23
- Ok. – Assenti.
Ele me entregou o envelope:
- Sua vez. Eu abri o primeiro.

Respirei fundo e senti uma ansiedade indescritível. Abri lentamente o lacre em papel adesivo, contendo o nome do laboratório. Dentro, uma folha A4, branca, com pequenas letras que chegaram a embaralhar a minha mente.
Meus olhos foram diretamente para o resultado: 99,99% afirmativo. Claro que já tínhamos quase certeza, mas a nova afirmação não nos deixou nenhuma dúvida.
- E então? – ele perguntou, ofegante.
- Sim... Somos irmãos, Sebastian. Não há dúvidas.
Ele veio até mim. Levantei da cadeira e nos abraçamos. Não era mais um abraço louco, como a primeira vez. Era terno e amoroso, entre irmãos. Ficamos talvez três minutos sentindo nossos corações batendo forte.
Quando nos afastamos, vi lágrimas nos olhos dele.

- Não acredito, Sebastian!
- Me desculpe. – Ele limpou as lágrimas.
- Você está chorando por ser meu irmão! Isso é bom ou ruim? – Brinquei.
- Juro que se desse negativo, eu ia adotar você. – Riu.

- Seu bobo. Agora você não se livra mais de mim.
- Eu soube disto no momento que a conheci: que teríamos laços eternos.
- Eu amo você, Sebastian.
- Amo você, Babi. E vamos jantar juntos esta noite, só nos dois, para comemorarmos.
- E eu aceito.
- Pego você às vinte horas, pode ser?
- Pode sim. Estarei esperando. O que devo vestir?
- Calcinha. – Me olhou seriamente.
- Eu não ousaria ir sem calcinha para um jantar com meu irmão. A não ser que haja possibilidade de ver Heitor Casanova. – Pisquei.
- Nem brinque, Babi.
- Eu sei... Estou brincando. – Comecei a rir.
- Já tenho em mente um restaurante retirado do centro para não haver a mínima possibilidade de ocorrer um encontro catastrófico entre nós três.
- Tudo bem. Estarei esperando você. E... Podemos manter segredo mais um tempo? Não quero que todos saibam aqui. Não por enquanto.
- Quer esperar o que, Babi? Mais cedo ou mais tarde todos saberão.
- Vamos com calma.
- E Tony?
- Eu já contei para ele, antes da viagem.
- Acha que ele volta?
- Sinceramente, eu não sei. Não tenho dúvidas de que o que Tony sente por Ben é real e forte. Mas a família dele é extremamente conservadora. Lorena não mentiu quando falou da possibilidade de ele ser deserdado.
- Só mais um na vida que valoriza dinheiro e a opinião dos outros acima de qualquer outra coisa.
- Eu entendo o lado de Ben... Mas também entendo o dele. Deve ser complicado. Tony está muito confuso. E se ele larga tudo e os dois não dão certo no fim das contas?
- E desde quando o amor vem com data de validade ou certificado de garantia? Não foi assim com você e Milena, quando acharam que seriam felizes para sempre? É um risco que se corre. A questão é se você já correu este risco uma vez e não deu certo, então sim passa a olhar para tudo com outros olhos, acredite.
- Sei bem do que você está falando. Eu e Milena tentamos por duas vezes e não deu certo. Ainda assim eu não consegui deixar de amá-la.
- É como me sinto com relação a Heitor.
- Você está assumindo que ama Heitor Casanova?
- Estou?
Alguém bateu na porta. Era a secretária de Sebastian, chamando-o para resolver uma questão que não podia esperar.
- Ei, chefe? – perguntei antes de ele sair pela porta.
- Fale, Babi.
- Posso sair só um pouquinho mais cedo... Tipo, uma hora?
- Justificativa. – Ele arqueou a sobrancelha.
- Tenho um jantar especial esta noite e gostaria de comprar um vestido novo. Meu acompanhante é exigente e eu preciso estar linda.
A boca dele se alargou num belo sorriso:
- O acompanhante exige que a senhorita esteja usando calcinha. E um vestido decente.
- O que é um vestido decente?
- Sem decotes profundos ou fendas mostrando as pernas.
- Vamos à um convento ou algo do tipo? – enruguei a testa.
- É só um jantar.
- A regra é: fenda ou decote. Um dos dois é necessário.
- Quem lhe disse isso?
- Ben. Ele entende tudo de moda. Por que acha que ele é o crítico das estrelas da revista mais lida de Noriah Norte?
- Que revista é essa? – Sebastian arqueou a sobrancelha.
- Ah, não importa. Não banque o irmão chato. – Fui guardando as minhas coisas na bolsa e organizando a mesa antes de sair.
Realmente eu queria comprar um vestido novo para jantar com meu irmão. Fazia um tempo que eu não me empolgava com algo. Seria realmente uma comemoração. Não por eu saber quem era progenitor, mas por ter encontrado um irmão que era muito especial para mim.
Escolhi um vestido branco não muito justo, com mangas e um decote comportado. E sem fendas, conforme o pedido de Sebastian Perrone, o irmão ciumento desde sempre.
Eu tinha em mente conversarmos sobre muitas coisas. Aprofundar sobre a relação dele com Milena, saber sobre a infância que ele teve ao lado da família. Como era a mãe, se ela sabia sobre mim. E a avó, que teoricamente também fazia parte da minha família, já que era mãe de Francesco. Coisas que eu tinha interesse em saber, mas não havia perguntado ainda.
Era um momento entre só nós dois, num ambiente fora do trabalho ou da minha casa.
Quando cheguei, Salma estava de saída.
- Onde você vai? – olhei no relógio.
Era segunda-feira e ela não trabalhava mais na North B. E mesmo que trabalhasse, não era hora de ela sair.
- Eu... Tenho consulta médica.
- Agora? Mas... Você foi na semana passada. É normal serem em um curto espaço de tempo assim? Você mesma disse que o médico avisou que semanal seria só no último mês de gestação.
- Tenho consulta e pronto, Babi. Não lhe devo satisfações. – Ela abriu a porta.
- Salma, desculpe. Eu... Só fiquei preocupada.
- Não precisa. Está tudo bem.
- Eu vou junto. Já estou pronta. Só preciso ir ao banheiro e largar as sacolas.
- Não! – ela quase gritou. – Não precisa.
- Eu quero. Eu gosto de ir junto.
- Não quero, porra.
Fiquei olhando para ela, confusa. A expressão no rosto dela começou a se acalmar, lentamente:
- Quero ir sozinha. Está tudo bem, mas quero andar um pouco, ver gente na rua e ficar quieta.
- É algo com Daniel? Ele te fez ou disse algo que a magoou?
- Não. Ele não é este tipo de homem.
- Ok... Vou respeitar sua decisão de ir sozinha. Desculpe a intromissão. Realmente queria ir para ajudar em alguma coisa.
- Está tudo bem. – Ela garantiu, fechando a porta.
Fui para o banho e após, enquanto trocava de roupa, joguei no Google “Por que mulheres grávidas ficam estranhas e mau humoradas”?
Segundo o “Doutor Google”, era normal, em função das mudanças físicas, ansiedade e medo. Então nem sempre tinha a ver com mudança hormonal, mas fazia parte do emocional da mulher.
Por sorte eu estava bem nos últimos tempos com relação ao novo medicamento que o doutor havia receitado para endometriose. Não tive mais dores e não estava menstruando. Se fiz os exames que ele pediu? Fiz. Se os levei para ele revisar? Não. Por qual motivo? Minha vida estava de cabeça para baixo. Mas eu iria sim, claro que iria. Assim que tivesse tempo.
Ben estava no banho quando eu saí. Abri a porta do banheiro e perguntei:
- Como você está hoje?
- Meu coração está estraçalhado. Olho no telefone de 5 em 5 minutos, tanto que meu dedo está machucado de tanto tocar no visor. A cabeça está explodindo. E de cada 10 coisas que eu penso, 11 é Tony.
- Quer vir jantar comigo e meu irmão?
- “Seu irmão”? – ele passou a mão no vidro do box, colocando o rosto para me olhar. – Isso soou fofo.
- Eu curti esta palavra: “meu irmão”. – Sorri.
- Ei, você só pode gostar dele como irmão. Mas é proibido gostar de Sebastian mais do que de mim, ok? Senão meu coração vai ser transformado em pó, de vez.
- Você é meu amigo-irmão. Sebastian é meu irmão-amigo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Nem os sentimentos, garanto.
Ele mostrou o dedo do meio para mim:
- Isso é a mesma coisa, Babi. Você me conhece há anos. Conheceu ele ontem. Você tem que me amar mais.
Eu comecei a rir:
- Não seja ciumento, Benício. Eu amo você... Muito e para sempre.
- Não me chame de Benício. Se fizer isso novamente, vou chamá-la de Bárbara Perrone.
- Ok, nunca mais vou dizer seu verdadeiro nome Ben – garanti. – Não quer mesmo ir conosco?
- Não... Vou me enforcar me jogando do sofá. Ou me matar com a faca sem ponta.
- Fica bem. Amo você. Se precisar de alguma coisa, me liga.
- Traga um prato de comida para esta pobre alma, que nada tem para se alimentar, a não ser lembranças.
- Por Deus, está fazendo eu ficar deprimida. – Fechei a porta.
Exatamente às vinte horas, Sebastian estava me esperando no carro. Abri a porta e sentei ao lado dele:
- Por que você não tem um Maserati? – questionei.
- Por que eu não sou podre de rico como Casanova? – ele arqueou a sobrancelha.
- Achei que todo CEO tinha um Maserati.
- Talvez os que tem muita grana. Não é o meu caso.
- Esqueci que estamos falidos.
- Não é bem “falidos”. A empresa só não está gerando os lucros que prevíamos. Então estamos precisando tirar recursos da matriz para mantermos a filial funcionando, o que não estava nos planos.
- Hoje não vamos falar de negócios – decidi. – Vamos falar de nós.
- Ou do meu carro? – ele riu, me olhando de relance.
- Talvez... – comecei a rir.
- Quer um carro, Babi?
- Eu? – fiquei surpresa com a pergunta dele. – Não... Claro que não.
- Posso lhe dar um carro.
- Não quero.
- Pensa na comodidade. Você pode ver sua avó a hora que quiser, sem precisar de motoristas de aplicativos.
- Por enquanto não. Andar me traz segurança. Além do mais, minha avó sempre disse que sou muito desatenta e ansiosa para dirigir.
- Sua avó sabe das coisas. – Ele sorriu.
- Quer conhecer Mandy? – perguntei.
- Acha que ela gostaria de me conhecer?
- Eu acho que sim. Você é legal, Sebastian. Ela vai gosta de você. Mandy é um grande ser humano e muito importante para mim.
- Fico pensando que ela pode ficar chateada... Por tudo que meu pai fez para a filha dela.
- Você não é Francesco. É o filho dele. Não temos culpa do que nossos pais fizeram. Assim como Heitor e Milena também não tem pelo que os pais deles fizeram.
- Eu não quero falar de Heitor.
- Ele não é seu inimigo. A briga foi entre os pais de vocês.
- Não, Babi. Não quero falar dos Casanova.
- Ok.
Chegamos ao restaurante, que tinha manobrista para estacionar o carro. Descemos e enganchei meu braço no de Sebastian para entrarmos. O prédio era bonito, grande e rústico. Assim que passamos pela recepção, senti o cheiro de comida.
- Comida italiana! Amo. – Sorri.
- Senhor Perrone. Acompanhe-me. – um garçom nos recebeu. – Há uma mesa reservada para o Senhor e sua esposa.
Nos olhamos e começamos a rir. Mas o sorriso morreu nos nossos lábios quando vimos Heitor e Cindy sentados numa mesa adiante. Certamente eu reconheceria aquele homem num ambiente com mais de mil pessoas. Simplesmente porque ele era absolutamente lindo e “notável”.
Eu poderia dizer: que sorte que o restaurante está cheio e nem vamos notar a presença deles. Mas não... Nossa mesa era quase ao lado do casal.
Meus olhos encontraram os de Heitor e o coração começou a ameaçar enfartar, de tão louco que começou a bater.
- Isso só pode ser piada! Não seria coincidência. Este miserável planejou isso.
- Não teria como ele saber, Sebastian. Nós combinamos agora há tarde.
- Porra!
Sebastian puxou a cadeira para eu sentar e tentei não olhar para o lado, mesmo sentindo os olhos dele sobre mim.
- Quer trocar de mesa? – perguntei.
- Devem estar todas reservadas. Mas vou perguntar ao garçom. – Ele chamou e o garçom veio, explicando que realmente todas as mesas estavam reservadas.
- Que falta de sorte. – Observei, incerta se realmente eu pensava aquilo.
- Falta de sorte é ele estar aqui.
Falta de sorte era ele estar ali com a desclassificada loira do pau do meio. E ainda tentava me convencer que não tinha nada entre eles. Como fui tão burra? Eu quero odiar você novamente, Heitor. E vou conseguiu, eu juro.
Tínhamos tanto a conversar, Sebastian e eu. Mas eu mal conseguia falar. E ele também não parecia muito à vontade.
De relance, olhei para a mesa ao lado, tentando fazer parecer casualidade, mas dei de cara com Heitor e Cindy voltados para mim.
- Sebastian... Bem... Você pode fingir... Que estamos juntos? – pedi.
- Claro que não. Você não está mais no colegial, Babi. Isso não vai dar certo.
Peguei a mão dele:
- Por favor. Só hoje, eu imploro.
- Isso não é certo, porra. É incesto.
- É só uma encenação, Sebastian.
- Não vou conseguir. E se ele contar para Milena?
- Ok, tem razão. Não quero atrapalhar ainda mais seu relacionamento com ela.
O garçom trouxe o menu e fiquei impressionada quando li que além de massas e diversos tipos de molhos diferentes ainda tinha pizza.
- Quero pizza. – Afirmei.
- Com tudo que tem de opção, vamos comer pizza?
- Não, vamos começar com a pizza. Depois quero macarrão aos quatro queijos. Quero provar também a lasanha: uma de frango e a outra de carne. E de entrada vamos querer Bruschetta. O que é ribollita? Nunca provei. Quero isto também.
- Para o senhor? – ele olhou para Sebastian, que não desviava os olhos de mim.
- Até perdi a fome com tudo que minha acompanhante pediu. Acho que podemos dividir.
- Não... Eu vou comer tudo. – Aleguei.
- Vou querer somente a entrada e espaguete ao molho funghi, por favor.
- Bebida?
- Vinho. – dissemos os dois ao mesmo tempo e começamos a rir.
- Perrone, claro. – Sebastian disse.
- Você acha que Perrone é o melhor vinho? – perguntei ao garçom. – Ou prefere aquela porcaria fabricada pela North B.? – falei alto.
O garçom olhou na direção da mesa de Heitor:
- Ambos são bons, senhora Perrone.
Heitor levantou da mesa, derrubando a cadeira, que estrondou no chão.
- Que porra é essa de senhora Perrone?