Capítulo 69
2391palavras
2023-02-06 11:22
Se minha vontade era entrar de volta naquela sala e dizer o quanto eu o amava, que não eram só sentimentos profundos, que inventei aquilo para não dizer o que eu realmente queria? A resposta é sim. Se eu tive coragem de fazer isso? Não.
Já houve um tempo que eu deixei meu coração falar mais alto e me ferrei por oito anos, sofrendo da pior maneira possível, pelo homem que julguei amar, pela mãe dele, pelos irmãos dele, vivendo dores que não eram minhas.
Eu já não podia mais fazer isso. Agora eram as minhas dores. Tolerei Mirela e Cindy. Depois a ligação que a loira atendeu. A confusão na North B. quando ela estava lá. Tolerei ele dizer que não conseguia seguir o negócio sem ela, pois era a pessoa de confiança dele. Suportei saber que a desclassificada tinha um apartamento no mesmo prédio luxuoso que ele, dado de presente. Agora, ele roubar minha ideia e dizer que havia feito aquilo por mim... Não, isso não era passível de perdão.
Era como entrar num relacionamento já sabendo que não daria certo. Não éramos Romeu e Julieta, mas éramos quase Montecchio e Capuleto, neste caso Perrone e Casanova. O homem que engravidou a minha mãe, que eu sequer ousava chamar de “pai”, havia tentando matar o pai de Heitor. Embora Allan tivesse feio muita porra no passado, eu não podia mentir: gostava dele. E se hoje eu pudesse entrar na vida da família Perrone, ainda com aquele passado de traições e brigas, eu ficaria do lado dos Casanova, por mais canalhas e miseráveis fossem tanto um quanto o outro.
Nem Perrone nem Casanova valiam nada. Mas Francesco Perrone era um filho da puta que merecia morrer lentamente.
E eu era tão azarada que o desgraçado me deixou uma empresa falida. Eu ri de mim mesma e da minha má sorte. E quer saber? Eu não precisava de nada daquele homem desprezível. Daquela família, eu só queria meu irmão. Sequer o nome Perrone eu levaria comigo.
Eu tinha orgulho de ser uma Novaes, criada por uma mãe solo, que fez o possível e o impossível por mim. E o que ela me deixou de mais precioso? O amor. A certeza de ser amada, a cada dia da minha infância. E isso não tinha preço... Nenhum dinheiro podia comprar.
Ela me ensinou que, mesmo sendo de uma família rica, conseguíamos viver nossa vida de forma honesta e feliz, sem precisar de ninguém. Amor vinha em primeiro lugar. E amor era isso: querer ver o outro feliz. Fazer o impossível para lhe ver bem...
Cheguei em casa e joguei a mala na cama, cansada.
Tinham sido dias difíceis...
E Deus, meu coração estava doendo tanto que parecia que explodiria dentro de mim. Ele disse que me amava... Heitor Casanova disse que me amava, mesmo que tenha sido dentro da sala dele, fechado em seu mundinho e quebrando tudo. Porque ele era assim... Fazia tudo errado... Sempre.
O que eu sentia por ele estava no meu coração, na mente, no corpo... Eu fechava os olhos e ele estava lá, me encarando com seus lindos olhos verdes que mais pareciam duas esmeraldas caras e brilhantes, que chegavam a ofuscar minha visão. Eu tomava banho e enquanto me esfregava sentia o toque das mãos dele no meu corpo, acendendo a chama que só ele e mais nenhum homem conseguiria apagar. Eu pegava uma calcinha no armário e via ele retirando a minha, de forma delicada, tocando com os dedos minhas pernas, até chegar aos pés, quando enrolava e guardava.
Ele não passava de um maníaco por calcinhas, desclassificado. E eu tinha que esquecê-lo. Quem fez o que ele fez, era capaz de qualquer coisa.
No final do dia Ben chegou, junto de Salma. Ouvi a voz dos dois na sala e fui até lá.
- Babi, você está de volta! – os dois me abraçaram.
- Senti tanto a falta de vocês. – Confessei.
- Vou preparar um jantar especial para nós hoje. – Salma disse.
- Eu quero – admiti. – Estou com saudades da sua comida.
- Vou tomar um banho... – Ben disse. – Ei, você já aqueceu o banheiro para mim? – piscou.
- Não... Sequer consegui entrar no chuveiro ainda. Estou virada num trapo com tudo que aconteceu comigo.
- O que importa é que Mandy está bem. – Salma falou.
- Sim, Mandy está bem... Mas vocês não vão acreditar quando eu contar tudo que houve comigo hoje.
Os dois me olharam:
- Só depois da janta. – Salma começou a pegar panelas.
- Vocês estavam juntos? – perguntei.
- Fazendo compras para Maria Lua. – Ben disse, pegando as sacolas e abrindo tudo sobre a mesa.
Eram muitas roupas, sapatinhos e acessórios.
- Deus, ela vai ficar uma princesa neste vestido. – Levantei um vermelho, rendado, que me chamou a atenção.
- Também achei este vermelho lindo. – Salma sorriu. – Acho que vou usá-lo quando ela sair do hospital. Li que vermelho traz sorte aos bebês. E que é preciso comprar uma roupinha específica para a saída da maternidade.
- Acho que preciso ler mais sobre bebês. – falei. – Vou comprar alguns livros.
- Sim, vamos precisar nos organizar em rodízios para cuidar da nossa pequena. – Ben alertou.
- Eu não quero deixá-la na creche – Salma falou, abaixando os olhos. – Sabem que depois do que passei, bem... Não confio em ninguém. A não se em vocês.
- Faremos como você quiser, Salma. – Eu disse.
- E... O pai? Já decidiu? – Ben perguntou. – Ele vai ser comunicado, vai assistir ao parto, você vai avisar só depois que nascer?
- Maria Lua não tem pai. – Ela nos olhou firme e decidida.
- Como assim? – arqueei a sobrancelha.
- Esqueçam tudo que eu falei. A paternidade da minha filha morrerá comigo.
- Não é justo... Com ela, com ele... – falei. – Salma, você sabe que eu vivi sem saber quem foi o homem que engravidou a minha mãe. E caralho, isso dói muito quando a gente é criança.
- A probabilidade de ele saber que eu possa estar grávida é nula.
- Fez inseminação? – Ben perguntou.
- Não, não fiz... Mas... Eu posso não ter sido muito honesta com ele.
- Eu não concordo. Mas não vou contestar a sua decisão. – falei. – Você sabe o que está fazendo e o que é melhor para ela.
- Eu planejei isso por tanto tempo – vi as lágrimas rolando pelos olhos dela. – Mas quando aconteceu, deu tudo errado. Não é sobre ela... Maria Lua é o que eu tenho de mais importante e eu vou protegê-la de tudo e todos. – Ela alisou a barriga – Ela não terá as dores que eu tive, nem chorará as lágrimas que eu chorei. Ela vai ser feliz. E cheia de amor, porque vocês estão aqui comigo. E para mim, o que importa é nós três... Nada mais. A revelação sobre a paternidade dela pode trazer sofrimento. E eu não quero isso, de forma alguma... Nem mesmo para o pai dela. Se eu pensei em uma vida melhor para nós? Sim, eu pensei. Mas eu fui castigada por Deus, acreditem. Entre o dinheiro e a paz ou trazer qualquer tipo de sofrimento a quem eu amo, eu prefiro jogar o dinheiro pela janela.
Eu a abracei com força:
- Eu não esperava outra coisa de você, Salma.
- Babi, eu amo você.
- Também amo você, Salma.
- E eu amo vocês duas, suas louquinhas. – Ben abriu os braços, cobrindo nós duas.
Tivemos um jantar tranquilo, sem conversas reveladoras. Só havia espaço para planos com nossa pequena, que dentro de no máximo seis meses estaria conosco.
Depois da sobremesa, sim, porque Salma conseguiu em uma hora preparar uma comida gostosa e ainda uma sobremesa dos deuses, fomos para a sala. Ben e Salma sentaram no sofá e eu me joguei no chão, sobre algumas almofadas.
- Que filme vamos olhar? – Ben perguntou, mexendo no controle da TV.
- Que tal “Revelações de Bárbara Novaes”? – sugeri.
Os dois me olharam, surpresos.
- É uma mistura de comédia romântica, com uma pitada de drama. Vamos, vai ser legal.
Ben botou o controle sobre o braço do sofá e me olhou:
- Adoro este filme. Comece, por favor. Já liguei o play...
Respirei fundo e comecei a contar tudo que havia acontecido naquele dia, começando com a ligação de Sebastian e terminando com o “eu te amo” de Heitor Casanova.
Quando acabei, os dois ficaram um tempo sem dizer nada. Até que Ben decidiu falar:
- Ok, Heitor faz tudo errado. Mas não é com intenção de magoar você. Ele tenta surpreendê-la e agradá-la... Mas não sabe como fazer.
- Não, não vou deixar você defender Heitor, Ben. Ele pegou a minha ideia e pôs em prática na empresa dele.
- Para tentar levá-la para lá, ficando ao lado dele.
- Isso não é certo.
- Caralho, Bárbara e o que é certo nesta vida? – ele levantou. – Sebastian ser seu irmão não é certo. Salma ter sido abusada pelo padrasto na infância não é certo. Perrone ter abandonado sua mãe depois de engravidá-la não é certo. Ele mandar que ela tirasse o bebê não é certo... Você ter ficado oito anos ao lado de Jardel não é certo... E você ficou. E quando a gente pergunta: como conseguiu sobreviver a tudo aquilo por tanto tempo, qual é sua resposta? – me encarou.
- Eu... Não sei.
- Caralho, Jardel errou por oito anos. Ele fez as piores coisas que alguém pode fazer: obrigou você a ter relações sexuais com ele, a fez buscá-lo em becos com traficantes, pondo sua vida em risco, transou com prostitutas, fez você experimentar drogas... Fora o que a gente não sabe, porque certamente você não nos contou tudo. E a questão é: você perdoou Jardel, todas as vezes.
- É diferente...
- Sim, é bem diferente. Thor roubou sua ideia com o intuito de fazê-la ficar com ele, mas em troca colocou seu nome para que você receba cada centavo da sua criação. “Ah, mas ele fez errado”. – Imitou minha voz. – Claro que fez. E quem não erra, porra? Você é a rainha das decisões erradas, minha cara.
- Ben, você não está sendo justo comigo. – Falei, chateada.
- Não estou mesmo. Estou sendo honesto. É o que eu acho e ponto final. Se vou mudar de opinião? Não.
- Salma... – Olhei para ela, em busca de ajuda.
- Eu... Não sei o que dizer. Só ouvi a parte: “Ele gritou eu te amo de dentro do escritório” – ela sorriu. – E isso por si só já bastava para mim, no seu lugar, perdoá-lo.
- Vocês não o conhecem para defendê-lo. – justifiquei.
- E quem conhece você? – Ben começou a andar. – Eu mal me conheço, caralho. Eu disse que jamais na vida aceitaria me envolver com alguém que tivesse vergonha do que eu sou, do que eu gosto, que não me assumisse. A vida inteira eu lutei contra isso e joguei muito homem bom fora por causa do meu orgulho e decisão de jamais ser segunda opção de alguém. Sabe o que eu sou hoje? A porra de um amante, que reza para que um dia seja assumido, mesmo sabendo que a probabilidade é quase zero. Sabe por quê? Porque se fosse para ele ter terminado com a noiva, já teria feito. Se eu concordo com isso... Não, claro que não. Mas a vida é tão curta, caralho. Eu o amo. Deixá-lo por orgulho... – riu, com escárnio. – Não... Não vou mais fazer isso.
- Sofre do mesmo jeito. – Argumentei.
- Não... Porque o amor vem em primeiro lugar. Amar e ser amado é uma dádiva.
- Como jogar na loteria. – Salma falou. – Procurei por isso a vida inteira e não encontrei. E você tem.
- Vocês estão querendo dizer que eu devo perdoar o desclassificado do Heitor?
- Não. Estou querendo dizer que “julgue menos”, cherry. – Ben foi saindo.
- Onde você vai? – Perguntei.
- Você disse “comédia romântica com pitada de drama”. Detesto filmes com finais tristes, exceto “À procura de um Milagre”.
- Até porque o milagre dela já aconteceu... Encontrou um irmão, do nada... – Salma sorriu. – Cara, eu acho Sebastian um fofo. Podemos ser cunhadas?
Ben se foi. Eu olhei para Salma:
- E... Daniel?
- Eu gosto dele... Mas não sinto que é recíproco.
- Por que segue nisto, então?
- Estou muito sensível. Não quero ficar sozinha.
- Não está... Eu e Ben estamos aqui.
- É diferente. Não sou o tipo de pessoa que joga fora o que você jogou.
- Eu não joguei fora. Ele foi um ordinário fazendo o que fez.
- Entendo seu lado. Mas perdoo o dele. – Ela disse, se referindo a Heitor.
- Ei, você não devia estar neste momento dançando na boate do desclassificado?
- Eu já me demiti.
- Como assim? Mas... Sua barriga ainda dá pra enganar, com as cintas e...
- Não quero mais.
- O que ele disse?
- Acha mesmo que Heitor sabe quem é Salma na vida? – ela riu. – Sou só uma funcionária, nada mais.
- Você vai ficar bem?
- Sim. Vou ficar por casa, repousar e cuidar da minha princesa. – Ela alisou a barriga.
- Ben está estranho.
- Acho que é sobre o relacionamento dele com Tony. Ele está sofrendo.
- Aceita porque quer.
- Babi, nem todo mundo consegue ser como você: pensar com a cabeça e não com o coração.
- Eu já fui diferente um dia... E você sabe disto. E olha o que aconteceu?
- E todos os bons pagarão pelo desgraçado do Jardel? Cara, ele lhe fez usar drogas, praticamente estuprou você... E vem me dizer que Heitor roubar sua ideia é algo imperdoável? – ela levantou e me deu um beijo. – Acho que comi demais. Vou tomar um chá e deitar. E fico feliz em saber que encontrou seu irmão... Ou melhor, que soube que tem um irmão. Isso vai lhe fazer bem, acredite.
- Amo você, Salma.
- E eu amo você, Babi... Para sempre.