Capítulo 66
2348palavras
2023-02-06 11:20
- Não posso, Babi. Preciso cumprir a promessa que fiz a ela.
Céus, meu peito doía tanto. Lembrar da minha mãe acabava comigo. Era uma saudade tão grande, tão intensa. E eu sabia eu jamais conseguiria acabar com aquele sentimento dentro de mim. Porque não a veria novamente, com seu sorriso meigo, sua perseverança e otimismo e a certeza que ela me dava de que tudo daria certo, sempre.
Se havia uma promessa para que eu não ficasse sabendo a verdade, mamãe tinha a certeza de que eu iria atrás de vingança do desgraçado.
Claro que eu ia descobrir, de um jeito ou de outro. Não queria saber quem era meu progenitor. Mas sim ter certeza de quem foi o homem que magoou a mulher mais perfeita do mundo todo: a minha mãe.
Mandy limpou as minhas lágrimas e disse:
- Você não é mais uma criança... E eu sei disto. Mas enquanto eu viver, vou protegê-la de qualquer coisa que possa magoá-la.
Ela ligou o carro e partiu novamente. Fomos em silêncio até chegar no sítio.
Assim que entramos em casa, eu disse:
- Vou ficar um tempo por aqui.
- Não... Precisa voltar para sua vida.
- Você precisa de mim.
- Eu sempre me virei sozinha. Você é jovem, está começando o emprego dos seus sonhos. Acha mesmo que vou deixá-la largar tudo por uma velha como eu?
- Você sabe que não é assim.
- Fazemos o seguinte: uma semana. É tempo suficiente para eu me recuperar completamente, se é que já não estou, e você poder voltar aos seus compromissos.
- Vó...
- Se ficar e abrir mão de tudo, vou passar tudo que tenho para o seu nome. E terá que administrar o sítio e tudo que faz parte da rotina dele.
- Não!
Se tinha uma coisa que eu não queria era assumir os negócios da minha avó. Sabia que era meu por direito, quando ela morresse. Mas eu venderia. Não tinha a mínima vocação para aquilo. Claro que nunca disse para ela, pois sabia o quanto era importante para Mandy aquele lugar. Mas viver uma vida fazendo algo que eu não gostava estava fora de cogitação.
Ela riu:
- Eu sabia que diria isso.
- Mandy, por que não vai morar conosco na capital? Tem apartamentos vagos no meu prédio. Claro que não tem elevador... Mas sei lá, a gente poderia improvisar algo.
- Eu amo isso aqui e você sabe disto. Jamais trocaria meu ar puro pela poluição e o vai e vem de pessoas o tempo todo. Aposto que o galo não canta lá pela manhã.
- Claro que não – eu ri. – O celular que é o meu despertador.
- Eu morreria longe das minhas terras.
- E sobre o infarto?
- O médico mandou eu me exercitar mais do que já faço. Disse que caminhar para ver meus bichos não é o suficiente. Então, acho que vou para a academia.
- Sério? – Comecei a rir, imaginando Mandy na academia. Aquilo não daria certo.
- E fazer caminhadas matinais. E cuidar a alimentação.
- Acho que você cuida... Não cuida?
- Uns docinhos em excesso... Gosto de carnes com gourdura...
- E a possibilidade de pagarmos alguém para morar aqui e ajudá-la com os afazeres e ainda lhe fazer companhia?
- Podemos ver isso.
Senti-me um pouco mais aliviada. O fato de ela aceitar uma companhia já me deixava mais tranquila.
Heitor ligou mais de dez vezes no dia seguinte. E eu não atendi. Não estava disposta a alimentar esperanças de algo que não aconteceria. Por mais que meu coração gritasse por apertar o dedo e ouvir a voz dele, minha mente reagia como se aquele nome visor do celular fosse um perigo para mim.
Dias depois, conseguimos encontrar uma pessoa próxima do sítio que se dispôs a morar com Mandy de segunda a sexta-feira, fazendo-lhe companhia e recebendo um bom salário por isso.
Eu fiquei com a responsabilidade de tentar vir pelo menos dois finais de semana no mês, para ajudá-la.
Quando quase fechava o prazo de uma semana no sítio, recebi uma ligação de Sebastian:
- Oi, Babi.
- Oi, Sebastian. Tudo certo?
- Como está sua avó?
- Bem melhor. Eu acho que volto ainda nesta semana.
- Preciso que volte hoje, Babi.
- Hoje?
- Você precisa vir para cá imediatamente.
- Aconteceu algo?
- Sim, aconteceu.
- Eu... Estou indo.
Arrumei meus pertences rapidamente e acabei partindo dois dias antes do combinado com Mandy. Mas por sorte deixei tudo organizado para ela, que já estava novinha em folha.
Sequer passei em casa antes de ir para a Perrone. O carro me deixou na frente a empresa e desci com minha pequena mala, indo diretamente para a sala de Sebastian.
Anunciei que havia chegado para a secretária e nada dela chamá-lo, só mandando que eu aguardasse. Esperei na recepção e nada dele aparecer. Sentei e depois de meia hora meu sapato começou a tilintar no piso.
- Ei, será que pode perguntar a ele que horas vai me atender? – pedi para a secretária.
- O senhor Perrone está ocupado, numa reunião importante.
Uma hora depois e eu já estava quase surtando. Meu telefone tocou. Era Sebastian:
- Meu Deus, Babi, quando você vem?
- Eu estou aqui, porra! Há mais de uma hora esperando sua reunião importante acabar.
Levantei e ele saiu na porta, me encarando. A gravata estava solta, com o nó no peito, e os primeiros botões da camisa abertos. Estava com o semblante cansado e o rosto ruborizado. Olhou para a secretaria e nunca o vi falar tão agressivamente como fez:
- Por que Bárbara está esperando há uma hora? – Percebi as mãos dele trêmulas.
- O senhor... Disse que era uma reunião importante. – Ela falou, com a voz baixa.
- Ela faz parte da reunião. Quero que entenda que Bárbara tem passagem livre para a minha sala. Ela também dá ordens aqui, como eu... Você entendeu?
- Sim... Me desculpe, senhor Perrone. – Ela disse, visivelmente assustada.
- Entendeu, porra? – Ela gritou e nós duas saltamos, amedrontadas.
Ok, agora eu dou ordens na Perrone! Porra, o que estava acontecendo? Eu nunca vi Sebastian daquele jeito. Ele era tão doce e delicado, mesmo quando estava bravo. Mas naquele momento não foi.
Sebastian entrou na sala e fui atrás dele. Antes de fechar a porta, eu disse para a secretária:
- Você já deixou de dar recados meus para ele uma vez, lembra? Que porra você tem contra mim, afinal?
- Nada, senhorita Novaes. – Negou com a cabeça.
- Torça para que ele não me dê poder, porque a primeira coisa que vou fazer é contratar outra secretária.
Eu realmente não entendia o que as secretárias de todas as empresas tinham contra mim. Parecia até algo combinado.
Entrei e fechei a porta. Estavam Sebastian, Tony e a mulher que coordenava a parte do RH da empresa Perrone.
- Oi... – Acenei, tentando não parecer a louca que chegou atrasada para uma reunião importante e ainda “causei” na recepção.
Relaxa, Bárbara, você é quase a CEO daqui. Se bobear, Sebastian é o seu pai e por isso tem este relacionamento louco e possessivo com você.
Ah, m-e-u D-e-u-s!
Ele não tem idade para ser meu pai... Mas o pai dele sim. Lembrei da minha vó perguntando sobre o CEO da Perrone... E um flash veio à minha mente de situações que vivi com Sebastian: ele não querer se envolver com mulheres da minha idade; aparecer do nada para me contratar depois de ter me dispensado, a fúria por eu ter dormido com Heitor... Depois do ocorrido pareceu me consolar e de alguma forma tentar aceitar o meu envolvimento com seu inimigo. A pergunta sobre faltar uma joia quando Heitor me devolveu a caixa.
Olhei para ele... E vi o meu azul nos seus olhos. Se tirássemos uma foto juntos qualquer um perceberia a semelhança. Ele era meu... Irmão? Ou eu estava ficando completamente louca.
- Tudo bem, Babi? – Ele me indagou, ainda com os olhos nos meus.
- Sim... Quer dizer, sim? – fiquei em dúvida. “O que está rolando, “irmão”?
- Sente-se. – Sebastian apontou para a cadeira na outra extremidade da mesa, que estava cheia de papéis.
- Se eu quisesse sentar na sua cadeira, você deixaria? – estreitei meus olhos, esperando a resposta para minha pergunta inocente a fim de descobrir se eu realmente tinha direitos naquela cadeira.
- Está brincando? Não é hora para brincar, Babi. Isso é sério.
- Deixaria, Sebastian? – Insisti.
Ela é minha, por direito? Devo fazer um DNA? É claro que você já fez. E o que o impede de me contar?
- Que porra! A North B roubou nossa ideia e estão lançando rótulos personalizados. Você ainda não sabe? Em que mundo vive, Bárbara?
Eu não sentei. Fiquei sem reação. E já nem me importei mais com a ideia louca de ele ser possivelmente meu irmão.
- Eu vou matar Heitor. – gritei, saindo dali e sendo impedida antes de chegar no elevador por Sebastian, que me segurava com força.
- Não pode fazer isso. – Ele disse enquanto tentava me puxar de volta para a sala.
- Vou enfiar uma faca no coração dele... Girar lentamente... – Gritei, incontrolada, furiosa.
Realmente a raiva e indignação tomavam conta de mim:
- Desgraçado, filho da puta...
Sebastian trancou a porta e tirou a chave, colocando-a no bolso.
- Calma, Bárbara. – Tony disse, pacientemente.
- O desclassificado roubou nossa ideia... Minha ideia. A primeira vez que falei sobre isso foi ali, na empresa dele. – apontei meu dedo para a North B., que estava à nossa frente – E ele me recusou... Não me contratou. Chegou a achar que eu poderia ter roubado a ideia de outro concorrente.
- A questão é que a ideia foi sua... Mas não registrou. Enquanto nos preparávamos, ele saiu na frente. Já foi lançado. Não tem volta. Achei que você pudesse ter visto.
- Vou tomar espumante em cima do túmulo dele, dançando “It’ my life” – bati com a mão fechada várias vezes sobre a mesa de vidro. – Quebra?
- Claro que sim... É vidro. – Sebastian disse, preocupado.
- Subi numa que não quebrava... Junto com Heitor... Na porra da sala dele na North B.
- Ah, caralho, me poupe dos seus detalhes sórdidos com este desgraçado, ladrão de ideias e de...
- Irmã? – não me contive. – Acha que ele pode ser um “ladrão de irmã”?
O silêncio foi total na sala. Eu e Sebastian nos encarando e os outros dois imóveis, nos observando.
- Sai todo mundo daqui. – Sebastian disse. – Agora. – gritou.
Os dois levantaram e eu fui indo junto, em direção à porta. Ok, acho que falei demais e minhas teorias foram muito, mas muito loucas desta vez. E posso estar um pouco mais fodida que das outras vezes.
- Você fica, Bárbara. – Ele disse seriamente.
Gelei quando ouvi aquilo.
- A chave. – Tony pediu e Sebastian jogou para ele, que a pegou no ar.
Sentei na frente dele e joguei minha cabeça no assento da cadeira, olhando para o teto, enquanto com as pontas dos pés girava para esquerda e direita, tentando ficar tonta o bastante para passar mal e ir embora.
- Por que me falou isso? – Perguntou.
Não olhei para ele. Segui olhando para o nada, enquanto respondi:
- Eu sou inteligente, Sebastian. Poucas pessoas conseguem me enganar. Porque já passei por muita coisa. O fato de eu ser impulsiva não significa que meu cérebro não funcione. O problema é que minhas palavras saem sem pedir permissão.
- Desde quando você sabe?
Fechei meus olhos rapidamente e os pisquei repetidas vezes. Meu Deus, era verdade. Aquilo não era um sonho. Não tive coragem de encará-lo.
- Desde há pouco tempo atrás, quando você praticamente confessou para a sua secretária idiota...
- Babi...
- Por que você não me contou? Por que deixou que eu soubesse assim... Do nada? Há quanto tempo você sabe, porra?
- Olhe para mim, por favor...
Levantei a cabeça e o olhei. Caralho, eu gostava dele... Muito. E eu não queria gostar.
- Eu soube um tempo antes do meu pai morrer. Ninguém mais sabe, só eu. Ele... Trouxe a Perrone para cá com o intuito de deixar para você, como herança.
- Eu não quero absolutamente nada dele... Nem seu. Eu odeio o seu pai e jamais mencione a simples possibilidade de qualquer coisa ligada a ele estar na minha vida... Eu não quero ouvir... Não quero. – levantei.
- Bárbara, a gente precisa conversar... Por favor. Me mostre que você é sensata e capaz de ter uma conversa séria entre dois adultos.
- Eu não sou criança. Simplesmente não quero ter esta conversa. Você mentiu para mim.
- Eu não menti. Só não tinha certeza. Esperei...
- Quando você soube que era eu?
- Contratei vários detetives particulares. Então soube que você precisava de emprego e... Criei a vaga para você chegar até aqui.
- Meu Deus... Eu não acredito.
- Na primeira entrevista eu consegui pegar um fio de cabelo seu... E fiz DNA. Mas não tem tanta precisão, por não termos o sangue do nosso pai para análise. Então precisaríamos... Fazer exame de sangue, para confirmar o que eu já tenho quase certeza.
- Você é um desclassificado, Sebastian.
- Sou desclassificado, idiota, mas não sosseguei até encontrá-la. Eu sabia que tinha uma irmã e meu pai mal sabia o nome da mãe dela completo. Sei que ele deu um anel para sua mãe... Que não está na sua caixa de joias. Talvez ela tenha jogado fora ou algo assim.
- Um anel... De casamento? Ele a pediu em casamento?
- Não... – ele levantou e foi até o vidro, passando a mão nos cabelos e depois na barba.
Fui até ele, parando na sua frente:
- Por que do anel?
- Para ela... Vender e se livrar da criança. – Ele não me olhou.