Capítulo 67
2513palavras
2023-02-06 11:21
Eu poderia dizer que aquilo me feriu profundamente. Mas não feriu, porque sinceramente, eu não esperava grandes coisas do homem que engravidou a minha mãe e sumiu, não deixando vestígios.
- Eu nunca tive expectativas com relação a ele. – Confessei.
- Se ele foi um homem horrível, cruel e frio com você e sua mãe? Sim, foi. Mas se arrependeu, nos últimos tempos de vida.

- E eu que julguei Allan – ri, com escárnio. – Acho que ele foi muito mais homem do que Francesco Perrone.
- Francesco Perrone se arrependeu e isso que importa.
- Para mim não importa, porra – gritei. – Eu fui ignorada por este desclassificado por 27 anos. Você sabe o que são 27 anos, Sebastian? – comecei a andar pela sala enorme e com poucos móveis, completamente aturdida e nervosa. – Agora entendo porque minha mãe sequer falava dele. Porque o ordinário não valia nem a saliva que se gastasse com ele.
- Babi... Eu sei. Nunca achei que ele fez certo. Mas desde que eu soube que havia você na minha vida, não desisti de procurá-la. Eu queria conhecê-la... E... – Ele abriu os braços e jogou-os ao longo do corpo. – Me apaixonei pela minha irmã exatamente quando pus meus olhos nela, assim que cruzou esta porta.
Suspirei e fui até ele. Nos olhamos por um tempo e foi como se o mundo caísse na minha cabeça com aquele choque de realidade. Ele era meu irmão, sangue do meu sangue, tanto quanto Mandy Novaes.
- Mentiroso, canalha... – comecei a bater nele, não controlando as lágrimas.

Ele me deixou bater no seu peito, com força, até eu cansar. Não revidou, não se defendeu. Baixei minha cabeça, que automaticamente pendeu na direção dele. Então o abracei, sendo correspondida de imediato.
- Me desculpe pelo que ele fez... Pelo que eu fiz – ele alisou meus cabelos e apertou-me contra seu corpo. – Mas eu amo você.
- Eu sabia que algo me ligava a você... E eu nem sabia porquê.
- Me chamou de gostosão. – Ouvi a risada dele e sentindo seu coração batendo forte, ainda aconchegada ao seu peito.

- Com todo respeito, irmão. – Comecei a rir.
Ele me afastou um pouco e limpou as lágrimas:
- Eu não descansei um dia sequer até encontrar você, Babi. E não foi por ele, juro. Foi por mim mesmo. Não importa a porra que meu pai fez... Ainda assim temos o mesmo sangue correndo nas nossas veias.
- Ele... Já era casado, não é mesmo? Quando conheceu a minha mãe...
- Sim... Quando você nasceu eu tinha em torno de 4 anos.
- Sebastian, são tantas dúvidas. O que realmente eles viveram? Seu pai contou?
- Não... Só contou o que eu lhe disse. Que tinha uma filha em Noriah North, que a mãe dela se chamava Beatriz Novaes... Que nunca viu a criança e nem sabia se estava viva. E que tinha dado um anel valioso para que a criança fosse... Abortada. Desculpe por esta parte. Eu sinto muito.
- Não sinta. Minha mãe não fez o que ele mandou. E eu nasci... Para ser linda e plena. – Comecei a rir, em meio ao nervosismo, tentando convencer a mim mesma que estava tudo certo e eu não devia me entristecer por conta daquele canalha.
- Babi... Você é a pessoa mais forte que eu conheço. Nunca soube a identidade do pai, perdeu a mãe à qual era tão ligada emocionalmente. Foi morar com uma avó que sequer conhecia. Se envolveu com um homem que a fez conviver com drogas, traficantes, prostitutas, ataques de histerias...
- Traição, dores, crises... Mas no fim, Jardel me fortaleceu. Talvez se eu não tivesse passado por tudo que passei ao lado dele não desse hoje tanto valor à vida. Sim, porque houve uma época que eu pensei que nada importava depois da morte da minha mãe.
- Você... Usou drogas?
- Sim – confessei. – Mesmo sabendo a porra que era e vendo a destruição dele. Eu queria saber se valia tudo o que ele estava jogando fora: uma família que o amava, uma namorada que fazia tudo por ele.
- E conseguiu parar?
- Provei e descobri que o caminho sem volta era para ele, não para mim. Eu não precisava ficar “doidona” com drogas. Eu já era literalmente doida sem elas.
Ele começou a rir:
- Sou louco por você, Babi. Você foi como um raio de sol que entrou pela minha janela num dia frio, de neve...
- Neve... Você conhece neve, Sebastian?
- De onde eu venho, neva na temporada de inverno. Posso levá-la à casa do nosso pai um dia... Nossa vinícola.
- Não, obrigada. Não quero... Dele eu só quero uma coisa: você. Nada mais.
- Babi...
Eu comecei a pular e chorar novamente:
- Tem noção, Sebastian? Aos 27 anos a vida me presenteia com um irmão lindo... Gostoso... E que me ama. Isso é a minha herança Perrone... Não quero porra nenhuma além disto.
- Meu Deus... Eu sou louco por você... Muito louco.
Corri e pulei no colo dele, enlaçando minhas pernas no seu quadril e o apertando com força.
- Eu... Sou louco no bom sentido por você – ele disse no meu ouvido. – Não pense besteira, por Deus.
- Nunca pensei, juro. Sempre olhei para você com olhos de amigo, irmão... – tentei me convencer e convencê-lo. - Ei, não vai dizer que me protegerá de tudo, inclusive dos Casanova, a máfia de Noriah Norte? – debochei.
- Sim, como se não bastasse todo meu rolo com Milena, agora você se envolve com o canalha do Heitor.
Desci do colo dele:
- Não tenho mais nada com Heitor. Mas ele tem comigo... Uma dívida, bem grande. Ele vai pagar por roubar a minha ideia.
- Por isso chamei você, Babi. Investimos tudo que tínhamos neste projeto, entende?
- Ele foi muito mau caráter.
- Eles mandaram fazer máquinas específicas para colocar nos estabelecimentos comerciais... Não foi como nós pensamos, com o rótulo sob encomenda. A pessoa compra o vinho e o rótulo personalizado sai na hora. Isso é surreal. Tem noção do investimento que eles fizeram somente para nos destruir?
- Tem algo que a gente possa fazer? – sentei na cadeira. – Além de matar Heitor Casanova?
- Podemos entrar na justiça. Vai levar tempo para ser julgado e ele tem muito mais recursos do que nós. Então não sei se valeria a pena.
- Temos como provar que começamos o projeto antes.
- Já conversei com o advogado da empresa. Não houve registro que a ideia foi sua antes de começarmos. E além do mais, ele alega que a Perrone pode seguir com o projeto dos rótulos, mas deixará de ser uma ideia exclusiva. Seria como se nós estivéssemos copiando a North B.
- Vamos pensar que o vinho Perrone é o melhor e por si só já se vende sozinho.
- Não é bem assim...
- Sebastian, por que seu pai abriu a empresa em Noriah Norte, afinal? Não foi por mim, foi para provocar Allan, não é mesmo?
- Ele disse que quando a encontrasse, esta Perrone, no seu país, lhe pertenceria. E ele já sabia que iria morrer em breve. Então, realmente era o desejo dele que você fosse a CEO daqui. E eu comandaria os negócios no meu país. O problema é que ele investiu muito... Em pouco tempo. Queria deixar tudo pronto antes de morrer.
- E...
- Bem, você vai ganhar uma filial da Perrone.
- Eu não quero.
- É sua... A questão é: está falida.
- A Perrone está falindo? – Não contive a risada. – Claro, eu não poderia esperar outra coisa. Você só me contratou porque estava falindo.
- Babi, eu contratei você porque é minha irmã. Eu só queria confirmar isso. Se você não fosse da área de Publicidade, eu encontraria um trabalho para você em qualquer lugar que pudesse incluí-la. Agora, se quer falar de azar, podemos fazer isso. Parabéns, papai lhe deixou uma empresa. Só que ela não gera lucros.
Suspirei e logo comecei a gargalhar.
- Isso não é engraçado, Babi.
- Sebastian, não se estresse com isso. Eu nasci falida. Acha mesmo que eu me importaria? Dinheiro nunca foi meu lance. Eu sempre priorizei ser feliz... Quero o suficiente para seguir minha vidinha, no meu apê sem elevador, andando a pé, contando a grana pro uber, vendo o show do Bon Jovi lá de trás, onde ele parece uma formiga... – balancei os ombros. – Um sapato de marca, uma roupa de grife, um vinho caro... Isso é bônus da vida.
- Eu queria lhe dizer que você está rica... Mas não é bem assim a situação.
- O bom é que você consegue manter a pose. Se não tivesse me contado, eu não teria adivinhado. Tony sabe?
- Sim.
- Me refiro... A falência.
- Sim. De nós sermos irmãos, ninguém sabe. Só nós dois.
Passei a mão no rosto, sentindo a pele quente. Muita coisa para um dia só. Eu já era ansiosa por natureza. Certamente não dormiria naquela noite nem com remédio dobrado.
- Eu sei que foi investido muito nos rótulos. Não quero acabar com tudo. Vamos seguir, do jeito que a gente decidiu. Pode ser? Eu não tenho medo de Heitor... Nem da porra da North B. – Falei, decidida.
- Você... Voltou para ficar?
- Por hoje, sim – sorri. – Mas amanhã já não sei se não vou pedir demissão de novo.
Sebastian suspirou:
- Ainda bem que não conheci você criança. Acho que eu iria bater em você, puxar seus cabelos, empurrá-la ladeira abaixo... – ele riu.
- Ia levar uns tapas, isso sim. Pode perguntar para Salma... Eu batia bem.
- Nela?
- Também. – Sorri, envergonhada.
- Eu ouvi uma conversa aqui na empresa que alguém arrancou os cabelos de Cindy Connor na North B. Por Deus, me diga que não foi você.
- Bem... Em minha defesa, eu digo: ela começou. E... Não foi de propósito. Como eu ia imaginar que o rabo dela não era cabelo de verdade?
- Meu Deus! – ele colocou a mão no rosto. – Me diga que esta irmã não vai acabar com a minha vida tão tranquila! Desde que ela apareceu tudo virou de cabeça para baixo.
- Você pediu, desclassificado. Foi atrás de mim... Implorando.
- Ei, eu não implorei. – Ele enrugou a testa.
- Mas pensou em implorar.
- Não.
- Confessa que não vive sem mim.
- Ok, eu confesso.
Levantei e fui para a porta.
- Onde você vai, Babi?
- Acabar com Heitor e a porra que ele fez.
Ele levantou e veio atrás de mim, tentando me impedir de sair:
- Você não pode fazer isso.
- E você não pode me manter trancada aqui para sempre. Sabe que eu vou ir... Uma hora ou outra.
- Não mexa com Casanova...
- Qual seu medo? – o encarei.
- Vocês reatarem.
- Sebastian, antes tinha uns vinte porcento de chance de isso acontecer. Agora tem menos cinquenta porcento.
- Isso nem existe. – Ele falou, confuso.
- Eu acabo de inventar. Heitor Casanova é negativo na porcentagem.
- Vai falar sobre nós?
- Que vamos casar? – pisquei. – Talvez.
- Como assim? Não se atreva, Babi.
- Heitor não sabe com quem se meteu.
Sebastian deixou os braços caírem ao longo do corpo, desistindo.
Parei na mesa da secretária e debrucei-me sobre o balcão dela, liso, limpo e grande. Passei o dedo indicador nele e falei:
- Isto está sujo. Você precisa limpar – ela me olhou, sem dizer nada. – Outra coisa, vou ali na North B, matar Heitor Casanova. Quando voltar, quero café, sem açúcar. Pode providenciar também algo doce. Estou com fome. E se cuspir no café, demito você. – Apontei para a câmera de segurança. – As coisas vão mudar aqui. Não sei se para todos, mas para você sim.
- Eu... Não cuspiria no seu café. – Ela ficou confusa.
- Já tive ranço com chefes... – balancei a cabeça. – Sei bem como é quando a gente quer se vingar um pouquinho. – Pisquei.
É claro que eu ia olhar como ela fez meu café. A maldita secretária me odiava sem motivos desde sempre. Agora que me odiasse com razão para isso.
Desci com o elevador. Eu nem sabia direito no que pensar: “sou irmã de Sebastian” ou “vou acabar com Heitor”.
Eu poderia ter ficado destruída... Se Francesco tivesse vivo. Mas Deus foi bondoso comigo e não fez este encontro ocorrer. Jamais eu queria ter tocado naquele homem ou escutado sua voz. No entanto o filho dele era especial para mim. Ainda mais agora, que eu sabia que não estaria sozinha: eu tinha um irmão. E ele se preocupava comigo.
E Heitor. Ah, Heitor! Você veio como um furacão na minha vida, levou tudo que tinha da minha sanidade, que já não era muito. Reconstruiu os pedaços do meu coração, colando-os... E agora simplesmente me deixava sem ele. Porque era exatamente isso que eu sentia: meu coração pertencia a ele. E não tinha a mínima possibilidade de ser destruído novamente, porque não me pertencia mais.
Eu não conseguiria gostar de outra pessoa como gostei dele. E relação sexual? Eu molhava a calcinha só de pensar nele... Se isso não era pura química sexual, eu não sabia o que era.
Entrei na North B. e estava me dirigindo aos elevadores quando a moça da recepção correu atrás de mim, pegando meu braço:
- A senhora precisa se identificar no balcão principal para subir.
- Não vou me identificar, quero fazer uma surpresa para Heitor. – a encarei, já furiosa.
- Não pode... Não tem autorização para subir.
- Ela pode subir.
Virei para Anon 1, parado na minha frente. Suspirei e sorri:
- Oi, Anon... Que saudades. – o abracei.
- Oi, senhora Bongiove.
- Bem, pelo menos coloque o crachá de visitante. – ela pregou na minha roupa.
- O senhor Casanova jamais impediria a entrada da senhora Bongiove. – Anon disse à ela, que não contestou, indo de volta ao balcão.
- Você é um segurança que fica sempre perto de Heitor ou do lado de fora do prédio?
- Bem... Eu sou fumante. Então vez ou outra preciso... Fumar. – confessou, baixinho.
- Isso é um segredo?
- Na verdade mais ou menos. O senhor Casanova sabe que eu fumo, mas finge que não.
- Hum... Mas sua real função é protege-lo, não é mesmo?
- Claro.
- Então acho melhor você subir comigo. Eu vou matar ele. Pode tentar salvá-lo.
Anon 1 riu:
- Pode subir, senhora Bongiove. O senhor Casanova vai ficar feliz com a sua visita.
Dei de ombros e entrei no elevador. Antes da porta se fechar, acenei para ele:
- Eu te avisei, Anon 1. Você que não quis acreditar em mim. Vou matar Heitor. E aposto que ele não vai ficar feliz com a minha visita.