Capítulo 65
2110palavras
2023-02-06 11:20
Dois dias depois da minha chegada ao interior, recebi uma ligação de Heitor. Dizer que minhas pernas não tremeram imediatamente e meu coração não bateu mais forte seria uma mentira.
Ah, Heitor, como eu queria que você me dissesse agora mesmo que mandou Cindy embora da sua vida, da sua casa, do seu país... Se for este o motivo da sua ligação, eu vou ser sua para sempre. Mas se não for... Vai conhecer a minha fúria.
- Oi... – falei, tentando não parecer nervosa.
- Eu simplesmente não suporto sentir a sua falta. – Ele disse de uma vez.
- Esta frase pode ser mudada. Posso sugerir que seja “Bárbara, estou louco de saudades de você.” O que acha?
- Você entendeu, porra. Que mania que tem de tentar me confundir... E me deixar ainda mais louco do que já estou.
- Pode mudar esta para: Bárbara, sem você eu não consigo sequer pensar direito...
- Caralho, quando você volta?
- Esta você substitui por: “Como está sua avó? Espero que bem.”
Ele ficou em silêncio do outro lado da linha, mas eu conseguia ouvir sua respiração nervosa.
- Me diga que Cindy não está à frente dos seus negócios na Babilônia. E que sequer mora no mesmo prédio que você. Então eu resolvo todos os seus problemas... Agora.
- Agora eu ainda tenho que mandá-la embora do prédio? Isso é sério?
- Sim.
- Suas exigências são difíceis demais. Na verdade, quase impossíveis de serem cumpridas.
- Então não temos o que conversar, Casanova.
- Bárbara, eu não posso mandar a mulher embora da própria casa.
- Você deu um apartamento para ela no mesmo prédio que o seu, caralho! E quer que eu finja que está tudo bem?
- Isso foi há anos. Me dá um tempo para resolver tudo... Por favor.
- Quanto tempo você precisa, Heitor? Uma semana... Um mês?
- Seis meses. É o mínimo que preciso para colocar tudo em ordem.
- Não... Eu não posso.
- Sim, pode. Basta querer. Dê uma chance para nós dois, Bárbara.
- Terminar com sua noiva foi tão fácil. Por que com sua amante é mais difícil? Não entende que isso está errado, completamente errado? Qual sua dificuldade em se livrar dela da mesma forma que fez com Milena? Ok, lembro de você ter dito que com Milena não havia sentimentos. Quer dizer que com Cindy há?
- Não... Não mais. Desde que conheci você, não há espaço para outros sentimentos dentro de mim... A não ser você.
Respirei fundo, tentando me manter viva e não surtar com aquelas palavras.
- Há tantos sentimentos dentro de mim por você, Heitor... Fortes, que até me assustam – me ouvi confessando. – E é por isso que não posso aceitar outra mulher na sua vida. De forma alguma. Descobri que posso ser ciumenta... E possessiva. Você fez este sentimento existir dentro de mim, quando eu nem sabia que tinha.
- Caralho, eu não posso perder você.
- Está nas suas mãos.
- Bárbara, por Deus, não é tão fácil como você pensa.
- Você tem medo dela, Heitor?
- Não...
- Me diga que vai resolver tudo... Por favor. – Pedi, num fio de voz.
- Preciso de mais tempo.
- Não... Não posso lhe dar tanto tempo. Ela é só a sua amante, porra. – Desliguei o telefone.
Senti meu coração estraçalhado. Sim, eu amava aquele desclassificado. E exatamente por isso que eu não podia aceitar outra mulher na vida dele. E agora não bastava tirar o poder da Babilônia das mãos dela. Definitivamente Cindy tinha que sair do pau do pole dance, deixar de ser a estrela principal e sair do prédio dele. Se eu estava sendo exigente demais? Talvez para ele, sim. Mas para mim, não. Eu precisava ter a certeza de que ele gostava de mim tanto quanto eu dele... E que me priorizaria naquela relação.
Se ele pagava o preço por um relacionamento tóxico e cruel do meu passado? Sim. Mas aquela era a nova Bárbara. E se eu abrisse brechas, como fiz no passado, sabia muito bem como seria o futuro ao lado dele: uma Bárbara que aceitava tudo porque um dia acreditou que poderia ser diferente.
Por Deus, Heitor, quem em sã consciência, vai entrar num relacionamento aceitando a ex fazendo parte da sua vida profissional e sendo sua vizinha, num apartamento milionário que você deu para ela? Detalhe: sua ex é tóxica, doente por você. Se estivéssemos falando de Milena, seria outra história. Mas a loira do pau do meu meio odeia tanto quanto eu a ela. E acho que isso pode ter acontecido desde o primeiro dia que nossos olhares se cruzaram, no corredor da Babilônia, quando ela estava ajoelhada aos seus pés, chupando-o.
Só de lembra daquela cena eu já surtava. Que porra de sentimento que me consome é este?
- “Há tantos sentimentos dentro de mim”?
Virei de costas e dei de cara com Mandy, sorrindo. E ela estava... De pé.
- Vó? – fiquei confusa.
Ela me abraçou:
- Surpresa! Fui liberada.
- Mas... Como assim? Há quanto tempo está aqui?
- Um tempinho... Posso ter ouvido parte da conversa. Sentimentos dentro de mim? Isso não significa amor? – arqueou a sobrancelha.
- Não... Não... – estreitei os olhos, tentando encontrar uma explicação.
- Bárbara, sentimentos dentro de mim... Isso é amor, querida. Por que não diz para ele? Por que usar palavras tão vazias para descrever o amor?
- Não é o que você está pensando.
- Ele tem outra? Teve?
- As duas coisas... É complicado.
Ela suspirou:
- Temos tempo... Eu para ouvir e você para falar.
- Acho que sim. – Sorri.
- Vamos?
- E... Você vai para casa? E é isso? Está bem? O médico nem falou comigo.
- O médico é filho de um amigo meu. Então sim, ele não vai falar com você porque sabe que sou responsável e vou me cuidar.
- Então ele sabe que Mandy Novaes é cabeça dura e teimosa?
- Sim... Ouvi dizer que a neta pode ser igual ela. E que a filha dela era igualzinha. – Sorriu e pegou a chave na bolsa.
- Ok, agora vai me dizer que veio de carro para o hospital enquanto enfartava?
- Sim. Não sou forte? Nunca vai encontrar uma avó como eu novamente, Babi. – falou, orgulhosa.
Entrei na caminhonete e ela deu a partida.
- Obrigada por me cuidar. E deixar suas coisas por mim.
- Eu... Arrumei um trabalho.
- Hum, obrigada por ter me ligado e avisado, para tranquilizar sua avó. Talvez seja culpada por eu ter tido um infarto, sabendo que você estava desesperada atrás de emprego e ainda recusando minha ajuda financeira para viver.
- Vó, me desculpe. Mas se você soubesse tudo que aconteceu comigo nas últimas semanas, não sei se acreditaria.
- Que tal começarmos por onde você está trabalhando?
- Eu consegui um emprego na Perrone. – falei empolgada. – Num alto cargo. Estou quase na sala do CEO. – brinquei.
Ela não sorriu. Não falou uma palavra sequer. E seu rosto se fechou.
- Vó... Você está bem? Está sentindo algo? – me preocupei.
- Quem é o CEO?
Arqueei a sobrancelha, confusa:
- Sebastian Perrone.
- Não conheço.
- Conhece algum CEO na vida? – eu ri.
- Sim... Vamos ver... Heitor Casanova, Allan Casanova...
- Estes não vale. Todo mundo conhece.
- O que você faz exatamente na Perrone?
- Sou responsável pelo Marketing. Um emprego na minha área de formação. Sebastian é um fofo. Além de chefe acho que nos tornamos um pouco amigos. Ele talvez seja um pouco carente de amigos, sei lá. E tem uma história de vida um pouco louca.
- Mais que a sua?
- Olha, posso dizer que estamos concorrendo. – Ri.
- Ele... É casado?
- Não.
- Deu em cima de você alguma vez?
- Não. Mas eu dei em cima dele. – ri de novo, lembrando da cena.
Ela me olhou, tirando a atenção da direção:
- Não pode fazer isso.
- Claro que posso. Mas ele não me deu abertura. Não se preocupe.
- Ele é o filho do dono?
- Sim.
- E... Onde está o dono?
- O fundador da Perrone morreu há pouco tempo. Sebastian ainda sente muito a falta dele.
- Francesco Perrone morreu?
- Você o conheceu?
- Sim... Ouvi falar. Vi fotos nas revistas... Sobre a produção dele em seu país. Quem não conhece Francesco Perrone?
- Eu. Não sabia nada sobre ele ou a empresa quando cheguei lá. E sinceramente, não sabia que a senhora stalkeava CEO’s por aí.
- Stalkeava? O que significa isso?
- Perseguir.
- Está me chamando de perseguidora de homens?
- Não... De perseguidora de CEO’s. Eu procuro emprego a minha vida toda numa grande empresa e jamais ouvi falar de Francesco Perrone ou Allan Casanova. Para mim era North B e Perrone e pronto. Até que conheci o dono da North B pessoalmente. E o filho dele...
- O filho dele é um playboy que vive às custas do dinheiro do pai, rodeado de mulheres e confusões. Um futuro “quebrador” de grande porte... Vai destruir o império do pai.
- Você stalkeia ele também? – me ouvi perguntando, um pouco alterada.
- Quem não conhece este idiota do Casanova, que adora aparecer em todos os lugares?
- Ele... Não é tão idiota.
- Um irresponsável.
- Não pode julgá-lo sem conhecê-lo.
- Você... O conhece por acaso?
- Bem... Eu tenho “fortes sentimentos” por ele.
- Ah, porra, Babi!
- Vó? Não pode dizer isso. Você não sabe sequer o que significa “stalkear”.
- Porra é porra desde que mundo existe, sua desmiolada.
- Desmiolada? Espera aí, deixe-me ver no Google. – Debochei.
- Você não pode se envolver com um mulherengo como Casanova. Ele vai acabar de destruir o que sobrou do seu coração. E você sabe disto.
- Se fosse fácil assim decidir de quem a gente gosta...
- Não cometa o mesmo erro da sua mãe.
- Engravidar de um estranho? – arqueei a sobrancelha. – Vai me jogar fora também, como fez com ela?
Mandy parou o carro na lateral da rua. A estrada era de terra e não havia iluminação artificial. A noite já estava chegando e o pôr do sol visto do meu retrovisor era absolutamente perfeito.
Sim, eu amava Mandy. Mas não tenho certeza se a tinha perdoado por ela ter deixado minha mãe partir e sofrer longe da família.
- Não fale do que você não sabe, Babi. – Ela foi séria.
- Então por que não me conta o que eu não sei? – encarei-a. – Quantos anos acha que eu tenho? Uma coisa é você esconder coisas sobre a família para uma garota de dezessete anos. Outra é ocultar isso de uma mulher de 27.
- Não posso...
- Quando vai poder? Quando eu tiver casada, com filhos, prestes a morrer? – eu ri com escárnio. – Não perca seu tempo... Eu estou doente. Então a parte de ter filhos pode pular, porque certamente eu não vou poder ter.
- Babi... – ela me olhou, demonstrando tristeza.
- Não vai sobrar nada de nós, Mandy. Hoje somos duas Novaes. Você se vai e quando eu me for, não haverá nosso sangue mais. Porque eu sou a porra de uma mulher que certamente não vai poder ter filhos.
Ela pegou minha mão:
- Eu... Não sabia que isso estava incomodando tanto você, Babi.
- Eu não costumo falar muito sobre meus sentimentos, como você mesma acaba de ouvir. Por isso prefiro usar “sentimentos profundos” do que amor. E fingir que estou bem quando na verdade estou destruída por dentro... Com tudo que está acontecendo na porra da minha vida. Se alguém vai me ver chorando? Não... Nunca. Vocês me verão rindo, enquanto por dentro eu choro lágrimas de sangue. Porque minha mãe me ensinou a ser assim: forte, determinada e nunca reclamar. Acha que eu nunca a ouvi chorando de noite, quando achava que eu dormia? – Então a fraqueza me pegou e eu deixei as lágrimas rolarem.
Mandy apertou minha mão e me abraçou. Senti a lágrima quente dela na minha mão:
- O que a vida fez conosco, Babi? Eu jamais vou me perdoar por ter deixado sua mãe partir... Minha única filha, o que eu tinha de mais precioso.
- Eu preciso saber o que houve com ela... Preciso. Eu tenho este direito.
- Ela jamais quereria que você o procurasse.
- Não vou procurar o desgraçado... Eu juro. Só quero saber o que houve com ela.