Capítulo 64
2299palavras
2023-02-06 11:19
- Minha avó é tudo que eu tenho. Não posso deixá-la.
- E você pode me deixar? – a voz dele ficou alterada.
- Não parece que minha ausência abalou muito você, já que o encontrei com a loira do pau do meio, não é mesmo?

- Por que você sempre dificulta as coisas pra mim, porra? – passou os dedos entre os cabelos.
- Não me disse o que exatamente ela estava fazendo aqui. Eu já dei minhas explicações sobre o que eu fui fazer no sábado... E foi um caso sério, de doença. Lembro que você me prometeu que terminaria com Milena e com Cindy – eu ri. – É até engraçado dizer isso... Me submeter a cobrar de você que acabe seu relacionamento com “duas mulheres”. A que ponto eu cheguei...
- Cindy não é uma mulher fácil.
- Estou me fodendo para isso.
- Eu vou precisar dela.
- Como assim “precisar dela”? – enruguei a testa, incrédula com o que ele dizia.

- Eu não tenho outra pessoa de confiança para assumir a Babilônia.
- Heitor, você está querendo dizer que vamos ser um casal, no entanto sua ex vai tomar conta do seu negócio milionário, que com frequência você vai até lá, pessoalmente, sendo que o contato entre vocês dois vai ser praticamente diário?
- Vai ser só profissional, Bárbara.
Eu ri, ironicamente:

- Você viu tudo que ela me disse ali na recepção... Como tem coragem de falar que é profissional?
- Bárbara, eu a mandei ir embora... Mandei os dois empresários mais conhecidos do país voltarem outro dia, sendo que já havíamos marcado esta reunião há mais de um mês. E tudo por você.
Peguei minha bolsa:
- Negativo, Heitor. Eu não sou como suas outras mulheres. Não posso aceitar migalhas...
Ele pegou meu braço:
- Não são migalhas... Estou te dando tudo que eu tenho...
- O que você me oferece é menos do que eu mereço. Sinto muito.
Abri a porta e ele seguiu atrás de mim:
- Bárbara, me escute, por favor. Vamos conversar.
Deixei a recepção e fui para o elevador. Apertei o botão chamando para aquele andar, ansiosa. Não queria que ele continuasse a falar, porque corria o risco de eu me convencer de que Heitor poderia mudar e ser um homem sério e que cumpria com palavras. E aquilo não era verdade.
- Eu não tenho alternativa, porra! Não posso deixar o negócio da minha vida por...
O olhei e ele não continuou a frase. Terminei por ele:
- Por alguém que você conheceu ontem, não é mesmo? Eu também não posso deixar a minha avó, que é minha única parente de sangue, por alguém que conheci ontem.
- Eu não diria isso. – Ele me olhou seriamente. – Mas se é o que você pensa de nós, não posso fazê-la mudar de ideia. O tempo todo tive a impressão de que me joguei de cabeça e você só molhou os pés.
- Acha que eu deveria ter aceitado entrar de cabeça num relacionamento com um homem que tem duas mulheres?
- Eu expliquei que Milena era um noivado de fachada... E você mesmo deve ter percebido isso.
- Ok, então sabemos que Cindy não era de fachada. Era real. E justo ela você decidiu manter por perto? Quer deixar comandando seu negócio a mulher que eu acabei de deixar sem cabelos? Acha que isso daria certo?
- Entenda o meu lado, Bárbara. Eu confio nela para gerenciar a Babilônia. Ela conhece tudo daquele lugar. E estar na North B. agora é imprescindível com a doença do meu pai.
Suspirei, resignada:
- Não posso aceitar isso. Eu avisei você... Desde o início.
- Não pode me dar um voto de confiança?
- Não posso, Heitor. Se você não foi capaz de cumprir o que prometeu agora, não vai conseguir cumprir nunca.
A porta do elevador se abriu e eu entrei. Pensei que ele pudesse vir ao meu encontro e dizer que queria a mim e tiraria Cindy definitivamente do nosso caminho. Mas ele não fez isso.
A porta se fechou e nossos olhos ficaram imersos um nos outro, até que o metal nos separou... Para sempre.
As lágrimas invadiram os meus olhos e senti uma dor profunda dentro de mim. Por mais que eu o amasse, e eu tinha certeza deste sentimento pelas lágrimas que eu sentia ao perdê-lo, jamais poderia aceitar me submeter ao que ele pedia. Já vivi muitos anos deixando de fazer o que eu queria em detrimento de outra pessoa. Eu não podia mais aceitar viver de migalhas novamente, nem em nome do amor verdadeiro.
Cheguei ao térreo e saí na porta automática, sendo puxada pelo braço pela loira de quase dois metros e pernas compridas que pareciam da Barbie. Que porra! Tentei limpar os olhos, mas claro que ela percebeu que eu havia chorado.
- Bem, pelo visto Thorzinho já dispensou você. Não fique assim, querida. Você não vai ser a primeira, nem a última. Mas tenha certeza de uma coisa, muitas vem e outras vão, mas eu sempre estou no topo da lista dele.
- Que bom que você se contenta com tão pouco. Se não for para tê-lo por inteiro, não o quero. Se você aceita um homem pela metade, faça bom proveito.
- Ele dá conta de todas. Pode comer várias durante o dia. Ainda assim consegue apagar meu fogo à noite.
- Que bom para você. Era isso? – puxei meu braço com força das mãos dela.
- Não chora. Você vai encontrar alguém do seu nível... Eu sei que vai. Milena está fora do caminho. E aposta quanto que eu vou casar com ele em menos de seis meses?
- Você casa com ele se “eu” deixar. Ele pode dormir com mil mulheres... Mas é de mim que ele gosta. E isso ele deixou bem claro.
- Bárbara, você não percebeu que Heitor estava só brincando com você?
- O brinquedo dele é você, Barbie das trevas. E se tocar em mim novamente, acabou com sua raça... E o que restou dos seus cabelos – olhei meu braço avermelhado. – Vou arrancar seus peitos falsos.
Ela gargalhou:
- Acha que tenho medo de você? Nenhuma mulher intima quando o assunto é Thor. Eu moro no mesmo prédio que ele, num apartamento milionário que “ele” me presenteou. E sabe por quê? Porque ele não queria ficar longe de mim. Tem um poste de pole dance na suíte dele, na cobertura do prédio mais caro do país. E sabe por quê? Ele me quer dançando para ele antes do nosso sexo selvagem. Depois a gente vai para a hidro e continua transando. Raramente durmo na minha casa. Moro mais na dele do que na minha. Nicolete sabe até qual é minha comida preferida.
Aquelas palavras doeram mais que uma faca atravessando o meu coração. E senti mais raiva daquela mulher do que dos traficantes e prostitutas que enfrentei por Jardel.
Heitor, ela é pior do que eu imaginei! E olha a que ponto você me deixou chegar. Ainda queria que eu tolerasse esta louca na sua vida, de forma profissional? Você é ingênuo ou achou que eu era burra?
- Tudo bem por aí? – olhei para Anon 1, parado ao nosso lado.
Olhei Ben atravessando a rua e meu coração voltou a bater novamente. Ele era como água no deserto naquele momento.
- Tudo bem, Anon 1. – falei, levantando meus pés e dando um beijo no rosto dele. – Obrigada por tudo... E... Adorei seu gosto para calcinhas.
Ele sorriu timidamente:
- Que bom que gostou, senhora Bongiove. Mas comprei conforme o senhor Heitor solicitou.
Olhei para a loira do pau do meio e perguntei para ele, sarcasticamente:
- E como Heitor pediu que fossem as calcinhas que você comprasse para mim?
- Pequenas, rendadas, sexys e ao mesmo tempo delicadas.
Eu ri e balancei a cabeça:
- Ficaram todas perfeitas. E ele adorou. – Garanti.
Cindy me fuzilou com o olhar.
- Ei, lindona! Está pronta? – Ben parou do meu lado.
- Eu nasci pronta, amor. – Joguei meus cabelos para trás, respirei fundo e desfilei pela rua, rebolando minha bunda durinha e meus cabelos cem porcento originais (umas luzes douradas, confesso!).
No caminho contei para Ben exatamente tudo que havia acontecido, tanto na Perrone quanto na North B.
- No fim, eles não estão tão errados, nem Sebastian nem Heitor. Caralho, você vai deixar tudo aqui, Babizinha. Como nós três vamos viver sem você? Isso que não estou mencionando Salma e Maria Lua.
Suspirei. Mal ele sabia que o que mais me incomodava era deixar Heitor.
Antes de eu partir de volta para o interior, naquele mesmo dia, Ben me pediu:
- Pense melhor, por favor.
- Eu vou ver, Ben. Mas morar longe não significa ficar sem você e Salma e sabe muito bem disto.
- Não foi assim quando Jardel estava com você. Temo que se afaste novamente. E perca o controle.
- Acho que não perco mais o controle da minha vida, Ben. Ou teria aceitado Heitor... Com suas imposições.
- Babi... Você o ama? – ele me encarou.
Ouvimos a chave pelo lado de fora da porta e Salma entrou, abraçada a Daniel.
- Onde você vai? – ela olhou a pequena mala na minha mão.
Eu larguei a mala no chão e a abracei. A barriga dela já estava bem formadinha, embora pequena ainda. Não era mais um leve inchaço. Creio que logo começaria a crescer de vez. Eu não podia ficar longe daquilo... Participei de cada momento desde o descobrimento daquela pequena vida dentro dela.
- Mandy está no hospital. – falei, ainda abraçada a ela.
- Meu Deus, o que houve com ela?
- Infarto. Mas está fora de perigo. Eu... Vou ficar com ela. Não sei quanto tempo.
- Mas... E o seu emprego? – Daniel perguntou.
- E Heitor? – ela indagou, olhando nos meus olhos.
- O emprego fica em standby. Sebastian não quis me deixar sair. Vai esperar... – expliquei.
- Heitor? – ela questionou novamente.
- Cindy se colocou no meio de nós.
- Você vai deixá-lo assim tão fácil, de bandeja para ela?
- Eu não tenho que brigar por ele, Salma... Ele tem que fazer isso por mim.
- A vaidade e autoestima não precisam pedir passagem neste corpo. – Daniel falou ironicamente.
O olhei e não disse nada. Simplesmente porque não valia a pena. E não era por ele, porque eu não era de ficar quieta para filho da puta nenhum. Mas eu o respeitaria, mesmo ele não merecendo, por estar acompanhado na minha melhor amiga e ela estar grávida. Claro que eu não faria um escândalo para arriscar incomodar Maria Lua, que certamente dormia na barriga da mamãe.
Achei Daniel uma boa pessoa no começo. Agora olhar para ele me causava repulsa. Mas enfim, se ele era bom para Salma e ela era feliz com ele, pouco me importava. Ele era só uma pedra no meu sapato.
- Não vou brigar por ele. – falei olhando diretamente para ela. – Eu pedi que ele deixasse Cindy e ele não o fez.
- Não? – ela arqueou a sobrancelha. – Eu achei que ele seria capaz de tudo por você, depois que devolveu as joias e mandou pintar as flores na fachada.
- Bem lembrado, amiga. Preciso cobrar uma joia que ficou com ele.
- Vai cobrar que ele ficou com uma joia? Ele não teria que ficar com todas, pela lógica?
- O desclassificado ficou com uma para ver se eu dava falta e ligava pra ele. Como eu não percebi que não tinha vindo uma das joias, ele disse que devolveria se eu fosse pegar no apartamento dele.
- Desclassificado mesmo. – Ela riu. – Desclassificado e esperto.
- E tarado... Neste caso, pela nossa amiga, aqui. – Ben falou. – Não acho que você e Thorzinho vão ficar longe por muito tempo. Um homem que deixa uma mulher no estado que ele a deixou não sente só tesão... Ele tem um combo de desejos e sentimentos reprimidos dentro de si.
- Concordo. Ele vai atrás de você. E vai fazer o que foi solicitado... Tudo. – Salma concordou.
- O senhor Casanova jamais deixaria Cindy. – Daniel se meteu novamente. – Todo mundo sabe que ela é o tesouro dele. E eu falo literalmente, tanto em questão de rendimentos e lucros para Babilônia quanto em... Bem, vocês sabem... – piscou.
- Eu não quero falar de Heitor, tampouco da vagaba da Cindy. Só quero me despedir dos meus amigos, Daniel. Nada é mais importante que estes dois na minha vida. E nunca vai ser.
Os dois me abraçaram. Daniel ficou incerto de vir ou não e meus olhos deixaram bem claro que ele não se aproximasse. Que abraçasse sua amiga Cindy, “a valiosa”.
- Quando você volta? – Salma perguntou.
- A ideia dela é não voltar. – Ben riu. – Mas eu sei que Mandy não vai deixá-la ficar lá uma semana sequer. Então... Nem vou me preocupar que logo o banheiro vai virar sauna de novo. – Piscou.
- Vou sentir saudade de deixar o banheiro quentinho esperando por você. – Ironizei.
- Quentinho? Sua gastadora compulsiva de água e luz. – Brincou.
- Vou sentir falta dela tentando me matar com água sanitária. – Salma me apertou de novo.
- Eu volto logo, seus bobos. Com muita água sanitária e sauna no chuveiro.
Fechei a porta, sentindo meu coração dolorido. Lá ia eu mais uma vez abrir mão de tudo que sonhei e conquistei em nome de outra pessoa. Só que desta vez não era um qualquer... Era minha avó, sangue do meu sangue, tudo que restava da minha amada mãe.