Capítulo 62
2358palavras
2023-02-06 11:18
Apertei o botão do elevador que me direcionaria ao último andar. Sentia meu coração descontrolado e eu nem sabia ao certo o porquê. Eu muito mais queria explicações do que tinha a explicar.
Minha avó passou mal e eu precisei ir... E a porra do telefone de Heitor estava desligado. O que eu mais temia era o que ele me diria com relação a Cindy Connor ter atendido o telefone dele.
Entrei na sala gigantesca da recepção. Havia dois homens esperando, ambos bem-apessoados e usando ternos. Fui diretamente numa das secretárias:
- Quero falar com Heitor Casanova.
Ela levantou os olhos na minha direção:
- Tem horário marcado?
- Não. Mas diga a ele que é Bárbara.
- Bárbara de quê? – a outra se intrometeu.
- Ele sabe de que... – eu sorri e segundos depois fiquei séria. – Agora!
As duas se olharam a riram.
- Posso saber por que vocês estão rindo? Vão chamar Heitor ou eu vou ter que entrar sem ser anunciada?
- Ele está numa conversa importante e posso garantir que vai demorar. – Uma delas falou, sem olhar na minha cara e as duas riram baixinho, debochadamente.
Respirei fundo. Dar um barraco assim, do nada, não pegaria bem. E já estava mais do que na hora de eu me conter em público. Estava no ambiente de trabalho do CEO mais conhecido do país. O fato de ter tido uma noite de sexo perfeito e selvagem com ele não significava nada.
Quando fui sentar na poltrona e aguardar, a porta se abriu. E Cindy estava saindo de lá, com um vestido preto completamente grudado ao corpo, mostrando seus quase dois metros de pernas brancas sem estrias ou celulites. Nos encaramos e eu não me contive:
- O que você está fazendo aqui?
- O que “você” está fazendo aqui... Eu fui convidada. Você também? – ela arqueou a sobrancelha, debochadamente.
- Vocês... Se conhecem? – uma das secretárias perguntou.
- Ela é só um dos casinhos passageiros do Thor. – Cindy me olhou dos pés à cabeça e sorriu.
Caralho, eu estava acabada. Tinha dormido mal pra caramba nas últimas noites, cheia olheiras e não tive tempo sequer de me maquiar antes de sair. Mal escolhi o vestido, pegando o que estava em cima da pilha de roupas.
- “Você” é o casinho passageiro dele. – falei em tom de voz alto, com o dedo em riste.
Brigar com ela de tapa era impossível. Ela devia ter uns 30 centímetros mais do que eu.
Bárbara, acorda! Você não está no colegial, onde podia brigar de se jogar no chão por qualquer motivo. Você é adulta e tem 27 anos... Ponha isso na sua cabeça de 15.
- Liga para o senhor Casanova que acho que a coisa vai esquentar por aqui. – Uma das secretárias disse para a outra.
- Não vai esquentar, não. – falei. – Eu não vim falar com Cindy... Vim falar com Heitor. Onde está a outra secretária? A pelada. – perguntei, aturdida.
Aquela pelada era mais simpática, juro. Olhei atentamente para as duas que estavam ali e usavam uniformes. Que porra fizeram na North B?
A porta se abriu e Heitor apareceu. Ele estava de terno e gravata, impecáveis. Os cabelos bem penteados, sem um fio fora do lugar. Os olhos verdes entraram nos meus e senti um arrepio incontrolável. Que saudade daquele desclassificado desgraçado! E tinha sido só alguns dias sem o ver... E dois sem ouvir sua voz.
- Bárbara? – ele falou depois de um tempo, parecendo surpreso com a minha presença.
- Estou tentando entender o que ela faz aqui. – Cindy falou para ele.
- O que você quer? – ele perguntou, num tom de voz estranho, que não deu para identificar se era educado ou neutro. E para mim neutro era ruim, bem ruim.
Olhei para a loira do pau do meio, com seu vestido de prostituta de luxo, os cabelos amarelos, quase brancos, amarrados milimetricamente num rabo de cavalo, deixando os fios chegando quase na sua bunda arrebitada.
- Eu só quero a minha calcinha. – Olhei ironicamente para ela e depois voltei-me para ele. – A branca, por favor. Está com você ou na sua casa?
Heitor arqueou a sobrancelha e os dois homens levantaram de seus lugares, percebendo que a coisa ia esquentar por ali.
- Bárbara, você só pode estar de brincadeira! – ele me olhou seriamente.
- Vai dizer agora que não ficou com a minha calcinha? – o encarei.
- Senhor Casanova, os irmãos Martins estão aguardando. – Uma das secretárias disse, enquanto os dois homens permaneciam imóveis, de pé.
Heitor foi até eles, cumprimentando-os, me ignorando por completo.
Cindy voltou os olhos para mim e sorriu:
- Acho que você não vai pegar sua calcinha de volta. Ou... Não tem calcinha, não é mesmo? – mordeu a unha sugestivamente.
- Desclassificada.
- Achei que era o seu nome... Pelo menos está assim no celular do Thorzinho.
Olhei Heitor e ele me encarava, enquanto conversava com os homens.
Sim, eu poderia largar tudo e ir embora. Pelo visto não tinha mais explicações que me bastassem ali. Estava muito claro.
Peguei minha bolsa e estava saindo na porta quando Heitor disse:
- Bárbara, espere!
- Não... Não há motivos para isso.
- Não mesmo. – Cindy respondeu. – Vá embora e não volte mais, sua interesseira de quinta.
Parei na mesma hora. Eu não conseguia ouvir ofensas e ficar quieta. Cindy foi além da minha capacidade de tolerância. Voltei três passos e olhei para ela:
- Do que você me chamou?
- Interesseira de quinta. – Repetiu em alto e bom som.
Puxei o rabo de cavalo dela, que ficou todo na minha mão, deixando-a com os cabelos na altura dos ombros. Puta que pariu! Olhei para os fios falsos nas minhas mãos enquanto ela me encarava, sem reação.
Quando menos esperei, Heitor me pegou no colo e entrou na sala dele, trancando a porta enquanto Cindy gritava do lado de fora, batendo na porta:
- Eu vou matar esta desgraçada... Abra esta porta, Thor.
Fiquei parada enquanto Heitor pegou o telefone:
- Anon, retire Cindy imediatamente daqui e a leve para casa. Chame mais dois seguranças.
Ficamos nos olhando enquanto eu ouvia o som da voz dela se afastar. Olhei para os cabelos da desclassificada nas minhas mãos e joguei no chão, anojada.
- Este é o tipo de mulher que você anda? – esfreguei minhas mãos com força uma na outra.
- Onde você foi parar? Por que desapareceu? – ele se escorou na mesa.
- Por que ela atendeu o telefone quando eu liguei? Me chamou de “desclassificada” e ainda disse que você não podia atender?
- Bárbara... Você me fez de bobo. E... Eu não soube que você ligou. Achei que...
- E você logo deu um jeito de curar as mágoas na loira do pau do meio. – Eu ri, com escárnio. – “Eu vou provar que mudarei, Bárbara e você verá isso nas minhas atitudes”. Achei que estas palavras fossem sinceras e confiáveis.
- E eu achei que você tinha gostado do meu convite para cozinharmos na minha casa.
- Acha mesmo que eu não fui porque simplesmente não quis? Não passou pela sua cabeça que algo poderia ter acontecido?
- De início sim... Depois realmente achei que... Você estava me dispensando. Porque eu sinto que posso esperar qualquer coisa de você...
Eu balancei a cabeça, confusa:
- Eu nem sei se vale a pena contar, Heitor. Sinceramente, não vejo futuro nesta relação. Nem começamos e olha como está. Como disse, já sofri demais e não quero seguir com algo que já dá errado de antemão.
- Não imaginava você tão pessimista.
- Mas eu imaginava você safado e desclassificado. E que não mudaria.
Ele veio até mim e tirou do bolso a calcinha branca, colocando na minha mão:
- Acha que se você não significasse nada na minha vida, eu estaria com isso no meu bolso?
Olhei para o minúsculo pedaço de tecido rendado na minha mão, levemente amassado. Por que diabos ele levava aquilo no bolso?
- Pervertido. – falei, sentindo a voz fraca, já me derretendo. – Tarado.
- Desclassificada. – Se aproximou de mim, lentamente, enquanto me encarava.
Conforme ele se aproximava, eu andava para trás, até ficar sem saída, na porta.
Ele alisou meu rosto:
- Ficar sem saber notícias sobre você é como morrer aos poucos...
- Por que ela atendeu? Onde você estava?
- Eu bebi... Acabei indo para a Babilônia. Já passava da meia-noite quando eu saí do meu apartamento e fui para lá. Confesso que não estava no meu melhor estado.
- Sobre você ser um bêbado resolvemos outra hora. Por que “ela” atendeu? – repeti.
- Ela trabalha lá. – Ele juntou o corpo ao meu, a centímetros de distância da boca na minha.
- Pelo que sei ela não é sua secretária. É uma dançarina. Eu liguei para o seu celular. Nem sua secretária da North B. atende ele. É seu... Pessoal.
- Eu... Não sei responder porque ela atendeu. Estava bêbado, puto com você e sequer sei se meu celular estava comigo ou jogado em algum lugar. Só o peguei no outro dia... Quando já estava sóbrio. E não tinha nenhuma explicação sua, sequer uma mensagem. Meu assunto com Cindy é estritamente profissional, acredite.
- Profissional? Estou curiosa.
- Onde você estava, que não desceu quando Anon foi buscá-la?
- Minha avó teve um infarto. Um vizinho ligou, avisando. Fui diretamente para o hospital. Liguei inúmeras vezes para você, mas o celular dava desligado. Consegui depois de horas... E a loira do pau do meio atendeu.
- Meu celular não estava desligado. Eu nunca faço isso. Pode ter sido falta de sinal no caminho, enquanto você ia para lá. E ele não funciona bem no meu escritório na Babilônia.
- Jura? – ironizei.
- Como ela está? – ele se afastou um pouco.
- Ainda no hospital. Eu... Vou ter que voltar para lá. Mandy é tudo que eu tenho. E ela só tem a mim.
- Não... Você não está sozinha e sabe disso. Tem seus amigos... Tem a mim.
- Tenho? – levantei os olhos na direção dele. – Acha mesmo que vou aceitar dividir você com todas as mulheres que deseja, Heitor? Eu disse que não seria assim, desde o início.
- A North B. tem tomado muito o meu tempo. Tenho estado cansado. – Ele foi até a cadeira, atrás da mesa, e sentou, recostando a cabeça no encosto. – E não cogito me desfazer da Babilônia. Ela é um sonho... Uma conquista minha, individual, que provou a mim mesmo que eu era capaz de conseguir algo sem ajuda de ninguém. Eu amo aquele lugar.
O encarei, sem dizer nada, mas entendendo o que ele dizia.
- Preciso ficar no comando da North B. e...
- Da Babilônia. – antecipei o final da frase dele.
- Sim. E Cindy não é só a minha melhor dançarina e a que mais traz clientes àquele lugar.
- Claro que não. Ela é também a sua amante. – Puxei a cadeira e sentei de frente para ele.
- Não... Não é. Eu juro que não toquei nela desde que...
- De que...
- Me envolvi com você.
Senti um frio no estômago. Por que aquele homem mexia tanto comigo? Colherinha não era mais suficiente... Tinha que ser concha mesmo.
- Eu não estou entendendo sua relação com Cindy. – Fui sincera. – Ela atendeu seu telefone na Babilônia, me chamou de “desclassificada”... E isso quer dizer que ela não sabe nada sobre nós? De onde ela sabe que “eu” uso esta palavra? Por que eu sei que só eu uso este termo... E você também sabe disto.
- Nomeei assim você no meu celular.
- Desclassificada?
- “Tarada desclassificada”. – Ele puxou a cadeira mais para frente.
- Interessante. É isso que sou para você?
- Se tiver algo melhor no meu número salvo no seu celular, vou agora mesmo até a casa de Cindy, junto com você e peço para ela nunca mais me procurar. E ainda a demito da Babilônia e a mando de volta para o país de origem dela... Sem escalas.
Abaixei a cabeça. “Tarada desclassificada” e “Desclassificado Mor” davam na mesma.
- Ok, me mostre seu celular. Posso apostar que meu número está salvo como AMOR DA MINHA VIDA. – Ele levantou, vindo até mim. – Diga... Confesse que me nomeou amor, como os casais fazem.
- Não, não está. – Confessei.
- Então me mostre... Estou curioso.
- Não.
- Vamos... Quero ver. – ele tentou pegar minha bolsa.
- Eu preciso ir embora. – levantei, segurando a bolsa com força.
- Como você consegue ser assim? – ele me olhou e em seguida pegou meus braços, me fazendo encará-lo. - Foi só um mal-entendido. Eu nunca passei por isso antes, Bárbara... Sentimentos, satisfações, preocupação. Nunca foi desta forma para mim. Mas eu quero aprender... Me ensina, por favor. Estou muito interessado que isso dê certo.
- Ela estava lá... E aqui. – Me referi à Cindy.
- E você está aqui. – Ele soltou uma mão e colocou no coração.
- Não brinca comigo, Heitor. Não vai me convencer.
- Nunca falei tão sério em toda a minha vida.
- O que eu faço com isso? – mostrei a calcinha.
- Me devolve. Ainda faltam oito.
- Jura? – comecei a rir.
- Posso pegar uma hoje?
- Ela não está tão convidativa. – Me ouvi falando.
- Estando em você, com seu cheiro, sempre será convidativa...
Ele puxou meus braços, fazendo nossos corpos se encontrarem.
- Estou curiosa com o que vai acontecer quando chegar na coleção das dez calcinhas. E... – Coloquei a branca no bolso dele. – Hoje vamos para a terceira.
Claro que eu só estava interessada na questão das dez calcinhas, por isso daria a terceira para ele naquele momento. Não que eu estivesse louca para beijá-lo e ser fodida naquela sala gigantesca. Eu odiava ele de novo... Odiava a forma como gostava daquele desclassificado.