Capítulo 60
2059palavras
2023-01-13 08:24
Cheguei no hospital com os dedos doloridos de tantas vezes que liguei para Heitor e o telefone dele permanecia desligado.
Ele pensaria que eu simplesmente faltei ao nosso encontro de propósito, sem sequer dar explicações. Mas eu tinha um motivo... Minha avó era a única coisa que eu tinha na vida, minha parente de sangue... O que sobrava da minha mãe, da minha família.
Esperei por mais de três horas até me deixarem entrar para vê-la. Ela estava na Terapia intensiva, mas como eu havia vindo de longe e era a única familiar dela, autorizaram ficar por no máximo quinze minutos, para tranquilizá-la.
Mandy estava num espaço mais afastado, dentro da própria sala de Terapia Intensiva. Deitada numa cama, com vários aparelhos com fios ligados a seu corpo. Me aproximei e senti uma dor no coração ao ver o quanto ela estava pálida. Toquei na mão gélida e ela abriu os olhos, apertando os dedos nos meus.
- Babi...
- Oi, Mandy. Como se sente?
- Eu acho que não morri, não é mesmo? Ou você que recebe as pessoas no céu? – ela sorriu, com dificuldade.
- Não morreu. Está no hospital... E vai ficar tudo bem.
- Eu senti saudades de você.
- Me desculpe por ter demorado tanto a vir vê-la.
- Precisa procurar esta velha avó... Só tenho você, minha pequena.
- Me perdoe... Talvez esteja na hora de você ir para a capital. Hospitais mais próximos, melhores recursos e uma neta que pode ajudar em qualquer situação. Tem apartamentos vagos no meu prédio. – Tentei.
- E acha que eu deixaria meus bois, minhas galinhas, minhas ovelhas? – sorriu, apertando um pouco os olhos, parecendo sentir dor.
- Sente algo?
- Não... Tudo bem.
- Você estava indo ao médico? Tem algo no coração? Ou isso aconteceu do nada?
- Eu vou ao médico sim... Mas não tinha nada sério, a não ser doenças da idade. Senti uma dor forte no peito e consegui vir para o hospital. Liguei para um dos vizinhos, avisando.
- Por que não ligou para mim, vó?
- Você não chegaria a tempo, Babi. E precisava que alguém cuidasse de tudo no sítio enquanto eu estivesse aqui.
- Tem razão.
- A senhorita precisa ir agora. Ela não pode se esforçar e falar tanto. – A enfermeira veio até mim, me olhando dos pés a cabeça.
- Eu... Estava indo para um jantar com um amigo. – expliquei, antes que ela pensasse que eu era uma louca da rua.
- Pode seguir com seu jantar... Mandy Novaes vai ficar uns dias ainda conosco. – Sorriu, olhando para minha avó. – Mas ela está bem.
- Atrapalhei seu encontro, querida?
- Claro que não, vó. Nada é mais importante do que você. Vou ficar por aqui, está bem? Não se preocupe. Só irei embora quando você for para casa.
- Amo você, Babi.
Sorri e fui para a recepção. Não sabia o que fazer. Salma já devia estar sem poder usar o telefone. Ben talvez não atendesse, em sua noite tórrida de amor. Quando eu não estava com eles, parecia que nada fluía e tudo se tornava escuro e triste... Ainda mais do que já era aquele momento.
Fui até uma pequena lanchonete que tinha no hospital e comi algo, pois estava com fome.
O hospital dali era minúsculo e não contava com tantos recursos quanto de cidades vizinhas. Eu já tinha estado ali algumas vezes, com Jardel. E as lembranças não eram nada boas.
Da lanchonete, voltei para a recepção e sentei, abaixando a cabeça. Meu corpo doía e eu estava muito tensa. Peguei o telefone e quase chorei. Já passava alguns minutos da meia-noite. Eu ia tentar ligar pelo menos uma última vez. Minha mente não conseguia desligar de Heitor.
E finalmente chamou. Senti meu coração batendo descompassado. Que porra de incidente para nos atrapalhar.
- Oi... “Desclassificada”. – Ouvi a voz feminina do outro lado.
Fiquei tão aturdida que olhei para o visor, para ter certeza se havia mesmo discado o número certo, mesmo vendo o nome que dei para ele escrito em letras de forma: DESCLASSIFICADO MOR.
- Quem está falando?
- Ora, como assim quem está falando? Cindy... Quem mais seria, “desclassificada”? O que você quer com o meu homem?
Desliguei a ligação. Eu jamais discutiria com uma mulher que ousava dizer “meu homem”. E ainda se atrevia a me chamar de “desclassificada”.
Se ela atendeu, onde ele estava, nada mais importava. Tudo girava tão rápido na minha frente que temi vomitar, tamanha tontura causada pelo nervosismo. Fechei os olhos e recostei a cabeça no assento do sofá.
Eu não sabia nem o que pensar. Não apareci no jantar, ele sequer ouviu explicações e já estava com Cindy? Aliás, ele tinha realmente terminado com ela?
Tudo aconteceu muito rápido. E eu fui inocente demais. Devia ter imaginado que ninguém muda do dia para a noite. E fui alertada... Por quem mesmo? Sebastian. Só por ele mesmo. Porque Ben mandou eu me jogar de cabeça e Salma parecia nem acreditar no que estava acontecendo.
Qual tempo mesmo? Sim, dois meses para passarmos de ódio para amor. Amor? Meu Deus, o que era amor? Depois da paixão? Eu sabia o que era paixão? Houve uma vez que eu achei gostar de Jardel, no início, quando nos conhecemos.
Acontece que o que eu sentia por Heitor Casanova era algo muito mais forte. Será que era porque eu estava mais velha, mais madura? Eu tentei tanto lutar contra aquele sentimento. Mas ele veio, sem pedir licença.
E agora doía tanto dentro de mim. Saber que não o teria mais, não sentiria sua boca, seus braços em volta do meu corpo... Droga, mil vezes droga... Eu estava louca por aquele canalha, desgraçado e traidor.
Levantei a cabeça e senti lágrimas no meu rosto.
- Que porra! Você está chorando, sua idiota? – limpei com força, me punindo.
Havia tempos que eu não chorava por alguém. E tinha jurado para mim mesma que jamais faria isso novamente. O homem certo para mim não me faria chorar... Nunca.
- A senhorita pode ir para casa... – disse a recepcionista. – Sua avó não vai sair daqui neste final de semana. E amanhã a visita é só ao meio-dia.
Assenti com a cabeça e fui para a rua, incerta do que fazer. Ela tinha razão, eu não podia morar na recepção do hospital durante aqueles dias.
Acabei indo para o sítio. Era madrugada quando cheguei na casa da minha avó. Fui para o banho e deitei nua na cama. Olhei o vestido jogado no chão do meu quarto, com a calcinha minúscula e fiquei irada. Levantei e rasguei o tanto quanto consegui, jogando tudo no lixo.
- Foda-se, desclassificado mor.
Foquei na parede e John me encarava.
- Ok, eu devia ter ouvido você... Sempre soube que éramos nós dois e mais ninguém. Me desculpe por tê-lo traído, quando eu jurei que jamais faria isso. Só você é perfeito... Porque nunca vai sair de dentro da porra deste papel. – bati com força na parede, dando um estrondo. – Cresce, Bárbara. Vai se deixar enganar outra vez?
Deitei para o lado da parede e meus dedos tocaram a superfície lisa, onde senti “Babi e Jardel”, que eu havia escrito com uma faca, perfurando o cimento. Ainda estava ali... Tudo do jeito que eu deixei, há quase dez anos atrás.
- Por que dói tanto, porra? O que você fez comigo, Heitor? – gritei, não evitando as lágrimas que caíam sem eu dar permissão.
Então eu chorei. Na frente de John, que nada fazia, mas que tudo escutava, sem me julgar. Ele só me olhava com seus olhos claros, sem sorrir, mas me dando a certeza de que eu não estava sozinha. Porque independente de para onde eu fosse e quantas vezes eu voltasse, ele sempre estaria ali, com seu olhar sexy e depravado... Me esperando.
Embora Mandy estivesse fora de perigo, não tinha previsão para voltar para casa.
Na segunda-feira pela manhã eu voltei para a capital, para resolver o que tinha pendente e buscar algumas roupas. Não tinha o que fazer. Teria que abrir mão de tudo e ficar com minha avó.
Assim que cheguei em casa, percebi que estava tudo arrumado e nem sei se alguém passou por ali no final de semana. Fui até meu quarto e arrumei uma pequena mala. Procurei Salma no quarto e ela não estava. A cama dela nem tinha sido desfeita.
Ouvi barulho na porta e fui até lá. Ben estava chegando.
- Babi... O que houve com você? – ele me olhou, confuso. – Você está péssima.
- Mandy teve um infarto.
- Como assim? Por que você não avisou?
- Eu sabia que você tinha um final de semana especial, Ben.
- Você só pode estar brincando. Eu sou seu amigo. Eu queria estar lá... Você não tem o direito de passar por tudo isso sozinha. Não acha que oito anos foram o suficiente para sofrer calada, porra? Quando você vai entender que eu estou aqui? Que sempre estarei aqui por você?
Eu me abracei a ele e comecei a chorar. Ele não disse nada, só alisou meus cabelos e me deixou desabar.
Sentamos no sofá e eu expliquei a ele brevemente o que havia acontecido. Ele não disse nada, sempre me encarando seriamente. Quando terminei, ele disse:
- Você vai agora mesmo na North B. conversar com Heitor.
- Não... Eu não vou fazer isso.
- Basta de maus entendidos e corações partidos. Você não merece. Precisa dar uma explicação concreta a ele do motivo pelo qual não foi e vai ouvir a dele sobre a loira oxigenada ter atendido o telefone.
- Não... Eu não vou.
- Onde você vai agora? Direto para o sítio?
- Não... Eu vou na Perrone. Pedir minha demissão. Sei que arrumei o emprego dos meus sonhos, mas não posso seguir. Minha vó vem em primeiro lugar.
- E vai viver do que?
- Você sabe que ela já propôs passar tudo para o meu nome?
- E vai morar na porra de um sítio, na cidade onde viveu com o mau caráter do Jardel... Criando galinhas e porcos?
- O que me sobra, Ben? Ah, e tem bois e vacas.
- Você não pode abrir mão de tudo. Babi, sua vida é aqui. Você não tem vocação para rainha do gado.
- Só do galho, não é mesmo? – ri, ironicamente. - A minha avó está doente. Ela é tudo que eu tenho... Eu sou tudo que ela tem.
- Se eu bem conheço Mandy, ela jamais vai aceitar que você faça isso... Que abra mão de qualquer coisa por ela.
- Ben...
- Ok, vamos na Perrone. Eu vou com você.
- Vai?
- Sim... E depois vamos na North B.
- Eu não vou.
- Sim, você vai. Se não for, eu vou. E daí sabe que vou encher Heitor de cacetada e dizer que você o ama.
- E eu mato você.
- Não mata. Por isso mesmo vou fazer. Ou você tira a história a limpo ou eu confesso para ele no seu lugar.
- Ok. – Assenti, certa de que se eu não fosse, ele realmente iria. – Vou dar uma chance para ele se explicar. E quer saber? Já odeio ele de novo.
- Odeia? – ele riu, abrindo a porta. – Seus olhos dizem o contrário, lindona.
Fomos caminhando até a rua principal da capital. Entramos na Perrone quando já passava das nove horas. Fomos diretamente para a sala de Sebastian.
- Ele está ocupado? – perguntei para a secretária.
- Está com o senhor Tony. – Ela disse. – Ou seja, ocupado.
- Perfeito... Meu homem está com ele. – Ben entrou, sem pedir licença.
Entrei atrás de Ben. Os dois estavam de frente um para o outro, cheios de papéis sobre a mesa e três calculadoras. O que dois homens precisavam de três calculadoras?
- Babi? Isso são horas? – Sebastian olhou no relógio.
- Oi, Tony. Será que podemos ir para a sua sala? – Ben foi direto.
- Podemos... Sim... – Tony levantou, aturdido.
Os dois saíram e eu olhei para Sebastian, sem sentar:
- Eu vim pedir minha demissão.
- De novo? – ele arqueou a sobrancelha.
- Desta vez é para valer.