Capítulo 58
2464palavras
2023-01-13 08:23
Ele seguiu batendo na porta, sem dar intervalo.
- Será que devo bater nele também? – Salma perguntou.
- Doente! – gritei do lado de dentro. – Tarado!

- Ok, você pediu Babi: eu jamais ficaria com você porque eu amo Milena. – Ele falou, do lado de fora. – E sim, eu tive um relacionamento com ela no passado... E eu fui o pai do bebê que ela perdeu.
Salma e Ben me olharam.
- Babado forte. Você não pode perder isso. – Ben arqueou a sobrancelha.
- Caralho, eu vou dormir, porque certamente agora ele vai parar de gritar, porque você vai abrir a porta, não é mesmo? – Salma me indagou.
Levantei e abri a porta, olhando para o rosto dele vermelho e os olhos azuis faiscando de raiva.
Meus amigos foram saindo e Ben parou no corredor, dizendo:

- Estou de olho em você, Sebastian. Qualquer coisa, eu termino o serviço que comecei.
- Você me deu um tapa, porra! – ele gritou para Ben, que pouco se importou, saindo.
Apontei o dedo para que ele sentasse no sofá. Usei a poltrona, ficando de frente para ele.
- Comece, Sebastian... Iniciando pela parte do porque está atrás de mim se eu sou uma simples funcionária na sua empresa. E sou boa no que faço, não tenho dúvidas, mas você consegue alguém tão capaz do que eu para gerenciar sua parte de marketing na empresa, caso se esforce.

- Allan Casanova não é um senhor bonzinho, que ajuda todo mundo, ok? Ele é um cafajeste, assim como Heitor.
- Me conte, Sebastian. Me convença do que está falando. Eu ouvi a versão de Heitor e sinceramente, não me pareceu que eles são os vilões nesta história.
- Babi, Allan foi para o meu país com o intuito de derrubar a empresa do meu pai, que é a maior produtora de vinhos lá.
- Então já existia uma rixa entre as famílias antes disso?
- Não, não existia.
- Então são negócios, Sebastian... Assim como você criou uma empresa de bebidas e usou um prédio na frente da North B.
- Mas eu não comercializo o mesmo que eles. E agora Heitor quer seguir o que o pai começou, a anos atrás e iniciar a produção de vinhos, simplesmente porque é o que os Perrone produzem.
- Ainda vejo tudo como negócios. E sinceramente, você sabe que produzir vinhos como a Perrone é praticamente impossível. A North B. vai tentar, mas não vai tomar o lugar de vocês no mercado. O carro forte deles é refrigerantes e cervejas e você sabe disto. Aliás, eu sou só uma Publicitária... Preciso mesmo lhe falar sobre coisas tão lógicas? Ou sua visão de negócios é tão limitada?
- Está cega por Heitor. Ele seduziu você.
- Eu não sou assim, Sebastian e você já deveria ter entendido isso, pelo pouco tempo que nos conhecemos.
Ele suspirou:
- Bárbara, se você soubesse o quanto tudo isto está sendo difícil para mim. Juro que se pudesse, eu jogava de uma vez tudo sobre você... Mas não quero me precipitar.
- Estamos falando do que exatamente, Sebastian? - Fiquei confusa.
- Allan montou a empresa no meu país. Uma filial da North B, com intuito de produzir vinhos melhores. – Ele seguiu, trocando de assunto, aturdido. – A empresa dele não era tudo que é hoje. Naquela época a North B. já tinha grande potencial, mas nem perto do império atual. Allan acabou comprando uma propriedade para produzir uvas, próximo das nossas terras. Meu pai sabia que o local era impróprio para a produção de uvas e passou por cima da sua ira, avisando o dono da North B.
- E...
- Allan mandou avaliar a propriedade e descobriu que realmente estava sendo enganado. Neste ponto da história ele ainda tinha um pingo de decência.
- Onde entra Milena nesta história?
- Eu já conhecia Milena. Ela fez uma viagem ao meu país e nos apaixonamos à primeira vista. E até então eu não sabia que era possível você olhar nos olhos de uma pessoa a primeira vez e descobrir que ela era tudo que você precisava para ser feliz.
- E o que deu errado?
- Morávamos longe um do outro... Países distantes. Ainda assim dávamos um jeito de nos vermos sempre. Até que eu soube que a mãe dela era casada com Allan Casanova. A questão é que neste tempo, depois de meu pai tê-lo ajudado a não entrar no negócio ruim da compra das terras, os dois acabaram por ficar... Eu não posso dizer amigos, mas criaram certa simpatia.
- Então... Deixaram de ser inimigos?
- Até então, não eram. Meu pai propôs que Allan então entrasse como sócio na Perrone. E isso nunca passou pela cabeça de Francesco Perrone até então: botar alguém no seu negócio que dava certo desde sempre.
- Allan aceitou.
- Sim, Allan aceitou. Ficaram não mais que um ano tocando o negócio em sociedade, entre o vai e vem de Casanova ao meu país. Então meu pai pegou o desgraçado comendo a minha mãe no escritório da empresa.
- Ok, desgraçado filho da puta... Desclassificado nato. – Me ouvi dizendo. – Mas sua mãe era inocente? Digo... Não sabia que estava fazendo errado deixando outro homem comê-la do local de trabalho do seu pai, que no caso, era o marido dela?
- Inocente até certo ponto. Passou a vida inteira junto do meu pai, num casamento fracassado, onde não havia amor, mas respeito. Ele a traía e ela fingia que não via.
- Hum, respeitoso seu pai. – Não me contive.
- Será que não consegue ver nada sem seu tom de ironia?
- Sebastian, vou tentar não ver com os olhos de quem está de fora. Porque você vê com olhos de filho, então é diferente. Sabe que sua mãe não é santa, não é mesmo? E não estou justificando o ato de Casanova, juro... Um filho da puta por fazer isso.
- Caralho, ele a seduziu.
Balancei a cabeça, sem dizer meus reais pensamentos. Não havia isso de seduzir. A mãe dele foi porque quis, porra! Tiveram um caso e os dois eram casados e pronto. Ambos 50% culpados. Mas Sebastian não estava preparado para entender isso. Se não compreendeu a verdade por anos, não seria eu a convencê-lo em minutos. Ele que estava cego... Porque queria.
- Siga, Sebastian. – Pedi.
- Então os dois começaram a criar uma guerra pessoal. Minha mãe pediu perdão, jurou que havia sido um erro e que jamais faria novamente, pois amava meu pai.
- E ele a amava, já que a traia com outras mulheres?
- Eu não sei, Babi... Tenho minhas dúvidas sobre o real sentimento que os unia. O que sei é que era um bom pai... Um ótimo pai para mim.
- Você tem irmãos?
Ele me olhou por um tempo e demorou a responder:
- Não.
- Então o que restou da sua família no seu país, depois que seu pai se foi?
- Minha mãe, minha avó, que no caso é mãe do meu pai.
- Ela ainda está viva?
- Sim... E lúcida. Sofreu muito a morte dele.
- Eu sinto muito. Imagino que deva ter sido difícil para vocês. Perdi minha mãe e sei a dor que isso causa. Uma ferida que jamais cicatriza.
- Então os dois desfizeram a sociedade e meu pai pagou muito mais do que Casanova havia investido na empresa, simplesmente para se livrar dele.
- E a parte que seu pai mandou matar Casanova pai?
Mais uma vez Sebastian ficou calado um bom tempo antes de responder:
- Isso foi depois.
- E Milena?
- Nossa relação começou a estremecer. Ela gostava muito de Allan e a mãe havia casado com ele há poucos anos. Celine perdoou, mas logo deu um jeito de perseguir a filha e tirar tudo que lembrasse a minha família do caminho, por medo de Allan se envolver novamente com a minha mãe.
- E isso aconteceu?
- Sim... Quase dois anos depois minha mãe ficou grávida. E era de Allan. Ou seja, o caso deles seguiu, mesmo ambos jurando que aquilo havia acabado.
- E sobre a criança?
- Minha mãe entrou em desespero. E meu pai mudou de quarto na nossa casa. Ou seja, ficariam sob o mesmo teto, mas o casamento estava definitivamente acabado. Ela procurou Allan, que disse que não assumiria o filho.
- Ele fez isso? – perguntei, tentando imaginar Allan tendo aquela atitude. Ele parecia tão ético, bondoso.
- Sim. E Celine viajou para o meu país, a fim de destruir a minha mãe. Elas não se conheciam pessoalmente. Então a víbora entrou na minha casa, falou coisas horríveis para minha mãe, a agrediu... E minha mãe teve um aborto espontâneo no dia seguinte.
- Porra!
- Então minha relação com Milena acabou. Não tinha mais como levarmos aquilo adiante. Eu fiquei do lado da minha mãe e ela ficou do lado de Celine. Minha mãe entrou em depressão profunda e meu pai mandou matar Allan.
- Como assim? Pagou alguém e disse “vai lá e mata aquele desgraçado que engravidou a minha mulher?”
- Mais ou menos isso. Não pagou diretamente, visto que a pessoa era nosso funcionário e já recebia um salário mensal.
- Se fosse tão fácil assim... – Eu ri, sarcasticamente. – Me empresta seu funcionário, já que ele recebe mensalmente, e pede para ele matar o desgraçado que engravidou a minha mãe e a deixou sozinha também... E detalhe, ele fez como o idiota do Allan Casanova e não quis assumir, mesmo sabendo da minha existência. Ele não merece um tiro no meio da cara?
- Eu sinto muito, Babi. – Sebastian pegou minha mão.
- Não sinta... Eu não sinto.
- Nunca teve vontade de conhecê-lo?
- Claro que não. Por que eu quereria conhecer alguém que me ignorou por 27 anos? Esta pessoa sequer merece que eu pense nela. Claro que na infância tive certas neuras por ser uma das poucas crianças que não tinha pai. Uma coisa é você ter pais separados. Outra é viver a vida sem saber quem é o homem que literalmente “fodeu” com a vida da sua mãe e sumiu sem deixar vestígios. Eu sequer sei se um dia houve sentimento entre eles... Ou se fui fruto de uma noite e nada mais. Ela nunca foi capaz de falar comigo sobre isso. Então eu imagino que tenha sido ruim para ela, ou não seria tão difícil tocar no assunto.
- Um canalha...
- Um Allan Casanova... – me ouvi falando.
Ele ficou em silêncio novamente, parecendo longe dali.
- E o que houve, então? – perguntei, tentando entender o restante.
- O tiro acertou nas costas de Allan. E ele ficou... Do jeito que você sabe. – abaixou os olhos.
- Puta que pariu... Eu... Não sei o que dizer. – falei, aturdida.
- Me afastei de Milena, mesmo amando-a da forma como a amava. Acabei cruzando com Heitor na mesma faculdade que eu, logo depois de tudo que aconteceu. Nosso ódio já existia: eu pelo pai dele ter feito o que fez com minha mãe. Ele por meu pai ter mandado matar o dele. Acontece que tempos depois eu e Milena voltamos a nos envolver, escondidos de todos.
- Meu Deus! Fizeram isso! Vocês não tinham culpa das famílias de vocês... Não estavam fazendo nada errado.
- A mãe dela soube. E tentou o suicídio. Celine fez todo o possível para que minha mãe e Casanova nunca mais se vissem novamente. Milena sentiu-se culpada, tanto quanto Allan. Só que ela estava grávida. O filho era meu. E claro que eu queria assumir, não importando o que estava acontecendo com nossas famílias, que já era mais passado do que presente. Ela falou que Heitor estava a visitando em seu quarto e que estava apaixonada por ele. Claro que foi para me afastar, por causa da mãe. Eu ousei cogitar a paternidade da criança, com raiva. Ela anunciou que Heitor era o pai do filho, para mim e para família. Fui um covarde. Não tive coragem de apoiá-la, de ter certeza de que era meu... Ela teve um aborto, oficializou a relação com Heitor. Ficou doente e nunca mais nos vimos.
- Mas como você sabe que o filho era seu?
- Na época fiquei cego de ciúme e cheguei a questioná-la. Hoje sei que fui um idiota. O filho era meu. O nosso amor era real. Ela me amava, sempre me amou. E eu nunca mais me relacionei com outras mulheres.
- Nunca mais fez sexo depois dela? – arregalei os olhos.
Ele riu:
- Fiz, mas só com prostitutas. Não quis mulheres com as quais eu pudesse conversar, saber sobre a vida e me envolver.
- Por isso... Disse-me que não se envolvia com mulheres entre 25 e 30 anos?
- Mais ou menos isso. – Ele sorriu. – Gostei de você desde a primeira vez que a vi. Mas não como gosto de Milena.
- É difícil entender você, Sebastian. Mas quero saber por que a Perrone veio para cá, afinal?
- Meu pai simplesmente decidiu vir para Noriah Norte e montar uma filial da Perrone na capital. Ele tinha seus motivos pessoais, que vão além de Casanova.
- E quais são?
- Bem, isso é uma outra história, que vou lhe contar num outro dia.
- Por quê?
- Porque faltam certezas... E tato para lidar com a situação.
Olhei-o e fiquei curiosa. Mas não perguntei. Tinha sido muitas informações por um dia. A questão é que ele não falou muito diferente de Heitor. Ambas as histórias eram parecidas. E não havia inocentes... Nem culpados. A mãe de Sebastian não era uma virgem seduzida. Casanova não merecia um tiro. E o pior de tudo: Sebastian, Heitor e Milena não tinham nada a ver com toda aquela história. Agora, na minha opinião, a cobra nisto tudo foi Celine Casanova. Eu precisava abrir os olhos com aquela mulher. Era ambiciosa, manipuladora e falsa.
- Agora me diga: o que eu tenho a ver com sua relação com Heitor?
- Nada... Me desculpe. Eu vou fingir que minha funcionária não se relaciona com meu maior inimigo.
- Seu inimigo é Allan Casanova e não o filho dele.
- Heitor tem uma vasta lista de mulheres, Babi. Eu gosto de você. Não quero que sofra. Você só vai ser mais uma na vida dele.
- Eu tenho 27 anos, Sebastian. Sei exatamente o que eu faço. Não preciso de conselhos. Acha que não sei o risco que corro? Sim, eu sei. Mas estou disposta a pagar o preço.
- Volte para a Perrone. Por favor.
- Por quê?
- Porque é um direito seu estar lá.