Capítulo 46
1922palavras
2023-01-13 07:22
Cheguei da Perrone e abri a porta do prédio, dando de cara com uma motocicleta velha num canto. Nem sabia se era permitido colocar aquilo ali dentro. Nem bicicletas era deixadas ali, próximo da porta, atrapalhando a passagem pela escadaria. Seria uma boa ideia colocar dentro do elevador. Pelo menos ele serviria para alguma coisa, já que agora estava estragado de vez.
Subi dois degraus de escada e voltei, olhando a motocicleta novamente. Apesar de maltratada pelo tempo, ela permanecia bonita. Lembro de ter visto aquele modelo em revistas há muitos anos atrás, quando eu mal havia entrado na adolescência. Eu tinha uma certa paixão por motos, mesmo tendo andado poucas vezes em uma.
Jardel comprou uma motocicleta uma vez. Andei na carona um tempo e ele me deixou dirigir alguns minutos. Lembro que foi uma das melhores sensações de liberdade que já tive. Pouco tempo depois ele trocou a motocicleta por cocaína.
Subi novamente, tentando afastar os pensamentos ruins. Como era complicado me livrar daquele passado que eu tentava enterrar e vez ou outra vinha me assombrar, em lembranças dolorosas e que castigavam e me faziam sofrer.
Assim que entrei no apartamento, vi Salma arrumada.
- Está na hora de você sair? – olhei no relógio. – Ainda é cedo?
- Não... Eu vou dar uma volta antes, com Daniel.
Arqueei a sobrancelha:
- Que bom! Depois vão direto para a Babilônia?
- Sim.
Ben entrou minutos depois de mim:
- Alguém deixou um ferro velho na passagem da escada. Eu quase caí. Vou reclamar para o síndico. Por muito menos já recebi multa do desgraçado. Não é justo.
- Ei, a motocicleta é minha. – Salma disse enquanto colocava batom se olhando num pequeno espelho que tirou da bolsa.
- Sua? – perguntei.
- Você comprou aquela porra?
- Claro que não. Adivinhem? “Papai” morreu. – Ela sorriu.
- “Papai” de verdade, ou papai de mentira? – perguntei, enrugando a testa.
- Papai de verdade. Por isso vou sair... Será que deveria abrir um espumante para comemorar, como você fez quando Jardel bateu as botas? – ela me olhou.
- Acho que podemos deixar o espumante para o papai de mentira. Merece até banho de espumante, na Babilônia. – sugeri.
- Boa ideia, Babi. Quando este se for eu vou até pagar o funeral dele. Para poder fazer uma falcatrua e mandar jogar o corpo numa vala comum.
Eu a abracei:
- Faça tudo isso... Se fizer bem à você, vai fundo amiga. Eu não me arrependo da comemoração pela morte do homem que roubou oito anos da minha vida.
- E o que você vai fazer com aquele ferro velho? – Ben perguntou.
- Velha, mas perfeita. – falei.
- Vou jogar fora. No lixo... Doar, não sei.
- Não... Não pode fazer isso! – eu disse. – É uma moto que foi das mais vendidas um tempo atrás.
- Recebi como herança por ser a única filha registrada dele. Além do mais, acho que ninguém tem certeza se os outros filhos que ele criou eram realmente dele. Então sobrou para mim o ferro velho. E nem pude dizer não. Jogaram aqui dentro e me deram a “boa notícia”. Presente de grego. Não vou ficar com aquela porcaria.
- Antes de se desfazer, deixa eu dar uma volta pelo menos. – pedi.
- Você sabe andar de moto?
- Sim.
- Tem habilitação? – Ben perguntou.
- Claro que não.
Salma pegou a chave de cima da mesa e me jogou. Aparei no ar.
- Não tem documento. Se tiver, não sei se estão em dia. E meu pai pode até ter roubado ela anos atrás, se duvidar.
- Meus sais! – Ben revirou os olhos. – Acho melhor a gente jogar isso no rio.
- E matar os peixes? Nem pensar. Vou doar. – Salma garantiu.
- Aquela porcaria não deve funcionar, Babi. – Ben me olhou.
- Ah, Ben, deixa de ser medroso e vamos dar uma volta comigo.
- E botar minha linda vida em risco? Acha que sou louco? Justo agora que tenho um boy magia perfeito e vou ser mãe? Nem pensar.
- Babi e seu nível de loucura hard! – Salma botou o batom na bolsa. Abriu a porta e me falou: - Depois que andar nela, deixe em algum lugar com a chave.
- Vão roubar! – enruguei a testa, preocupada.
- É isso que eu quero. E pode andar, mas não vai ficar com ela. Não quero nada que me lembre ele. E você sabe exatamente sobre o que estou falando.
- Eu sei... É uma pena. Mas obrigada por me deixar dar uma volta antes. – pisquei.
Ela fechou a porta e saiu.
Fui para o banheiro e Ben correu na minha frente, quase me derrubando e entrou antes de mim, fechando a porta.
- Eu vou matar você! – gritei, batendo na porta. – E depois vou jogar o corpo no rio. E vou beber espumante para comemorar.
- Ah, Babi, se eu morrer e você não tomar espumante enquanto chora a dor de me perdeu eu vou matá-la, linda. – ele gritou do outro lado.
- Que porra! Você viu que eu estava vindo primeiro.
- Vai andar de moto, linda.
Dei uns socos na porta e ele pouco se importou. Ouvi até a água do chuveiro já ligado.
Escolhi uma roupa estilo “motoqueira fantasma”, já que seria meu único passeio e depois teria que me desfazer da bichinha.
Tomei um banho depois de Ben e vesti a roupa em couro, preta. Peguei a chave e abri a porta do quarto de Ben:
- Agora! Vem comigo. Você vai na carona.
- Nem pensar. Não sou louco... Sou uma pessoa normal, absolutamente normal e não vou deixar sua insanidade me contagiar.
- Não demora, Ben. Se eu morrer, não quero fazer a passagem sozinha. Preciso de companhia. E quero você.
- Doida, doida, mil vezes doida. – ele levantou. – Sim, eu vou para o céu, não tenho duvidas disso, afinal, eu convivo com você diariamente. Então a passagem para o paraíso é garantida, desde sempre.
Comecei a rir enquanto ele descia comigo, praguejando sem parar.
Retirei a moto para fora do prédio.
Sentei nela e girei a chave e logo ouvimos o motor. Sim, estava funcionando, como eu imaginava.
- Vem, Ben. – Chamei enquanto a colocava na estrada.
- Onde estão os capacetes?
- Não precisa, Ben. Só vamos dar uma volta na quadra.
- Olhe a minha cabecinha linda. Sabe quanto custou para eu ter este rostinho e estes cabelos? Acha mesmo que vou deixar você esfolar minha pele de seda no asfalto?
- Deixa de ser molenga, Ben. E reclamão. Vamos lá.
- Bárbara Novaes, eu estou com medo, linda. E temo pela minha vida.
Enquanto eu tentava convencer Ben a andar comigo, um Maserati prata estacionou ao nosso lado. O vidro se abriu e Heitor, retirando os óculos de sol, daquela forma tipo filme, disse:
- Quer dar uma volta de Maserati, desclassificada?
Sim, eu quero. Oi, estou morrendo de saudades. Onde esteve a minha vida inteira, Heitor Casanova? Eu, no Maserati? Podemos fazer sexo no banco de trás? Oi, gostosão... Já disse que estou apaixonada por você?
Incrivelmente nada saiu... E o ar começou a faltar nos meus pulmões.
- Embora ela não tenha dito, eu posso apostar que ela quer sim, Thorzinho. – Ben respondeu no meu lugar.
- E então, desclassificada? – ele piscou, sorrindo.
- Eu... Vou. Mas primeiro você anda comigo na moto.
- Eu? Na moto? – ele olhou seriamente. – Eu nunca andei numa moto.
- Como assim? Veja que coincidência... E eu nunca andei num Maserati. Que tal provarmos os dois, hoje?
- Isso é seguro? – ele perguntou.
- Tanto quanto andar de Bungee jumping. – Ben respondeu. – E com Babi na direção... Bem, você deve ter um bom seguro de vida, não é mesmo? Então não tem problema, creio eu. Aliás, quer colocar o seguro no meu nome antes de subir na carona?
Heitor me analisou minuciosamente, com o carro ainda ligado.
- Confesso que sentar atrás de você me deixa muito, mas muito excitado. Então vou aceitar... Mas somente por este motivo. – riu, saindo para estacionar o carro.
- Então, Babi, conseguiu alguém que quer imensamente sentar atrás de você. Posso apostar que vai ser uma experiência inesquecível. Começam na moto, terminam naquela máquina que é o carro dele.
Heitor parou ao meu lado:
- Você sabe dirigir isso?
- Eu já dirigi umas vezes. – menti.
- Deus... Me proteja. Onde estão os capacetes?
- Capacetes? Para que? Existe emoção melhor que cair de moto e quebrar a cara? – Ben ironizou.
Heitor tirou do bolso um molho de chaves:
- Já guiou um Maserati, Ben?
- Eu? – ele botou a mão no coração. – Só uma bicicleta. Mas... Eu tenho habilitação. Posso lhe mostrar.
- Não precisa. – ele jogou a chave para Ben. – Todo seu.
- Eu vou andar num Maserati? – Ben começou a pular. – Melhor, eu vou dirigir um Maserati?
- Eu quero dirigir depois. – Encarei Heitor.
- Claro, Bárbara. Se me trouxer vivo, exatamente neste lugar, eu não só lhe deixo dirigir, mas a presenteio com um Maserati.
- Isso é sério?
- É sério. Me traga vivo e ganha um Maserati.
- Com interior branco e vermelho?
- Como você quiser. A cor que escolher.
- Isso é uma aposta? – perguntei.
- Uma aposta. – confirmou.
- E se eu não trouxer você vivo... O que acontece?
- Bem, teoricamente estarei morto. – Ele arqueou a sobrancelha.
- Ah, mas se der qualquer coisa errada, ela tem que fazer algo que você queira, Thorzinho. – Ben cruzou os braços. – Mas sinceramente, esta parte eu não preciso escutar. Vou dirigir meu Maserati que eu ganho mais. – Ele saiu, olhando para o molho de chaves, incrédulo.
- Se você não me deixar aqui, exatamente neste lugar, vai comigo.
- Onde? – Perguntei.
- Num Motel... Pela noite inteira, até amanhecer.
Eu ri:
- Ok. Eu vou ganhar um Maserati. – falei, sentindo meu coração bater forte.
- Não, eu vou ganhar você... Por uma noite inteira. – Ele falou no meu ouvido e chupou o meu pescoço com força, certamente deixando uma marca já em seus primeiros minutos de chegada.
Fechei os olhos e estremeci completamente. O dia começava a dar lugar para a noite. Talvez eu quisesse perder a aposta. Porque Deus... Eu poderia querer mais Heitor Casanova do que um Maserati?
- Me aperta, Heitor... Quer dizer, segura firme que vamos partir.
- Claro que vou apertar você, Bárbara... Com toda a minha força... Mais do que esta calça que se ajusta ao seu corpo. E caso eu a retire durante o trajeto, não se preocupe... É meu desejo falando mais alto, incontrolavelmente.
- Se atreva, seu tarado desclassificado.
Ele riu e me apertou, entre os seios e o abdômen. Ok, aquilo era uma puta sacanagem. Eu estava até sem forças depois daquilo.
- Vai andar de moto de terno? – perguntei.
- Estou sem gravata... Já é um avanço.
- Tira o casaco. – Ordenei.
- Pra quê? Pretende vender ou trocar por alguma coisa?
- Quero que sinta toda a experiência do momento.
- Você é doida, Bárbara. – Ele tirou o casaco e jogou na calçada.
- Preparado? – perguntei.
- Para você? Nunca. – ele riu, me apertando contra seu corpo novamente.