Capítulo 45
2388palavras
2023-01-13 07:22
Salma sentou na cama:
- Me desculpe por ter falado sobre você e Heitor para Daniel.
- Tudo bem. Eu só... Não quero que ninguém saiba, além de vocês dois.

- Eu vou respeitar seu desejo, assim como você respeitou o meu de não vê-lo na nossa casa aquela noite. – ela tocou meu rosto, carinhosamente.
- Onde está Daniel? – Ben perguntou.
- Eu o dispensei.
- Dispensou? – perguntei.
- Mandei ele embora. Porque eu sabia que tinha acontecido alguma coisa com Ben. Ele nunca chega em casa deste jeito... Quieto.
Ben sorriu:

- Isso é que é estranho, meus amores. Eu era para estar gritando agora. E simplesmente não consigo. Estou completamente travado. Meu coração está estranho, meu corpo não me obedece. Eu posso ter vindo sorrindo desde o Motel até aqui, entendem?
- Sim. – nós duas dissemos, começando a rir.
- Ok, eu também quero falar uma coisa. – Salma disse.
- Que bom, dona Salma. Faz um tempinho que você não se abre com a gente. – falei.

- Ah... Eu não consigo ser um livro tão aberto quanto vocês. Mas só para que saibam, eu tenho um diário. E lá eu escrevo tudo que gostaria de falar, mas às vezes não consigo. Acho perfeito a forma como vocês dois conseguem contar suas experiências amorosas e sexuais. Mas... Eu não fico muito à vontade com isso. No entanto... Sim, eu posso contar que... “Talvez” eu esteja gostando de Daniel.
Deus... Não acredito! Mas ok, não vou dar uma de metida ou estraga prazeres. Se ela está gostando dele, vou deixar tudo acontecer. Se Daniel for um mau caráter, como eu imaginei que pudesse ser, mais cedo ou mais tarde a minha amiga vai descobrir. O que eu não posso é jogar um balde de água fria no que ela está sentindo. Porque raramente ela se abre conosco. Então temos que acolhê-la e dizer que vai ser legal. Porque é isso que amigos fazem: ouvem. Se conselhos fossem bons, eu teria ouvido o deles e não teria perdido oito anos da vida passando o que passei ao lado de Jardel.
- Eu... Fico feliz por você, Salma. – a abracei e depois toquei sua barriga. – Ei, Maria Lua, acho que temos uma mamãezinha apaixonada.
- Eu contei a ele sobre minha gravidez.
- Contou? E o que ele achou? – Ben perguntou, curioso.
- Ele não me julgou. Eu... Disse que fiz inseminação artificial. – ela abaixou os olhos.
- E... Não foi isso que você fez? – perguntei, ainda confusa com toda a história sobre a paternidade de Maria Lua, que cada hora ela dizia uma coisa diferente.
- Esta parte... Eu deixo no diário. – ela sorriu. – Se um dia eu tiver coragem, deixo vocês lerem. Mas contar... Eu... Não consigo. Me perdoem. Ainda mais agora que...
- Que? – Ben olhou para ela.
- Meus amigos, eu amo tanto vocês. E não quero magoá-los por nada. Principalmente você, Babi. A gente se conhece desde sempre. – ela tocou meu rosto. – Você é o que eu tenho de mais importante na vida... Minha referência de amor... E sabe disto.
- Ei, vou ficar com ciúmes. – Ben reclamou.
- Eu também amo você, Ben. Mas eu e Babi nos conhecemos desde sempre. Ela sabe a porra de vida que tive junto da minha família. Hoje eu olho para trás e vejo que eu venci. – ela deixou as lágrimas caírem grossas por seu rosto. – Eu venci...
- Nós vencemos. – Apertei Salma contra meu peito, num abraço. – Eles jamais mereceram você, Salma.
- Viva sua vida como quiser, Salma. – Ben nos abraçou. – Se você se sentiu bem com Daniel, se joga, meu amor.
- Eu... Nunca gostei de me envolver sentimentalmente com ninguém e vocês sabem disto. Mas... É como se eu o conhecesse a minha vida inteira. E ele apareceu justo agora, quando minha barriga já começa a aparecer. Mas ele aceitou, entendem?
- E não tinha motivos para não aceitar, Salma. Você contou a verdade e é isso que importa. Jogou limpo. – falei.
- Ok, já que estamos contando nossas verdades: minha vez. Vocês entenderam que eu e Tony transamos, não é mesmo?
- Claro que sim. – Salma começou a rir enquanto ainda limpava as lágrimas.
- E foi a primeira vez de Tony.
- E... Ele gostou? Você gostou? – perguntei.
- Meninas, foi amor... Não foi sexo, entendem?
- Falou a pessoa que diz que “sexo é sexo”. – Comecei a rir.
- E... Não é para você? – Salma me encarou.
- Eu acho que não... Para mim sexo não é só sexo. Com Jardel foi sexo, mas sim, houve sentimento um dia. E quando o sentimento acabou, virou algo forçado, que eu não queria, que eu fazia por fazer... Ou por ser obrigada.
- Ele... “Obrigava” você? – Salma me olhou apavorada.
- Algumas vezes... Sim. – confessei.
- Obrigava como?
- Ele... Tirava minha parte de baixo da roupa e se enfiava em mim. Sem... Estímulo, sem esperar eu umedecer... Até se satisfazer. Então ele saía... E... – eu não consegui segurar as lágrimas. Era a primeira vez que eu falava sobre aquilo com alguém.
Os dois ficaram me olhando, sem dizer nada.
- Você pode falar sobre isso... E tudo bem, Babi. Talvez seja hora de botar para fora. – Ben me olhou.
- Não quero monopolizar esta conversa, gente.
- Não é sobre monopolizar. É sobre verdades. – Salma limpou minhas lágrimas. – Quem sabe falar fará bem para você.
- Às vezes eu me pego lembrando. E comparando todos os homens com ele. Então... Eu tenho medo. Quando ele me tocava eu fechava os olhos. E só rezava para passar logo. Eu não sei dizer se eu tinha dor por causa da endometriose. Porque toda relação sexual com ele era dolorida. Só não foi no início, bem no início.
- Isso é estupro. – Ben me encarou.
- Acha que eu não sei, Ben? Eu era estuprada pelo meu próprio namorado.
- Cafajeste... Nojento. – Salma falou, em tom de voz alterado. – Monstro.
- Eu... Não pensei que chegasse a tanto. Achei que o pior que poderia ter acontecido era você ter entrado em áreas de traficantes, buscando-o e arriscando a ser morta. Mas o estupro é pior que tudo, Babi. – Ben apertou a minha mão.
- Como você conseguiu resistir e suportar tantos anos? Eu não entendo...
- Acha que eu entendo? – as lágrimas insistiam quando a imagem dele vinha na minha cabeça. – Eu fiquei completamente fora de mim... Ou, como acho às vezes, esta sou eu de verdade e aquela Bárbara não existia...
- Mas não foram oito dias... Nem oito meses. Foram oito anos. Quase uma década. – Ben disse.
- Ele não me estuprou por oito anos. – tentei justificar.
- E faz diferença se foi uma vez ou trinta? – ele me encarou.
Abaixei a cabeça.
- Agora eu entendo seu medo de fazer sexo por fazer. Mas pense, se você não se apaixonar, não fará sexo? Se não fosse nossa insistência e o pagamento do garoto de programa, você sequer saberia o que é sexo oral. – Salma disse.
- A questão é: eu não sei se sou o tipo de pessoa que faria sexo por fazer. Talvez o que houve no passado com Jardel tenha me trazido consequências e medo... Mas hoje eu sei que é possível ter um tipo de prazer inimaginável durante o ato e a finalização do sexo. Com Heitor eu senti algo que jamais imaginei e...
- Ei, você transou com Heitor? – Salma me olhou, aturdida.
Olhei para ela, sem dizer nada.
- Meu Deus... – ela levantou. – Por que você não me contou? Qual o problema em eu saber? – olhou para Ben. – Você sabia?
Ele assentiu, com a cabeça.
- Por que escondeu de mim, Babi?
- Eu não sei. Você não quis vê-lo naquela noite. Pensei que... Eu não sei dizer porque não contei. – abaixei a cabeça.
Eu também poderia ter meus segredos, assim como ela tinha os dela. Não sei o motivo, essa era a verdade. Mas eu tinha mais intimidade para contar minhas coisas para Ben do que para ela.
- Ok, ok. – ela levantou as mãos. – Isso quer dizer que você e Heitor Casanova... Estão se vendo ainda?
- Ele me ligou hoje.
- Ligou? – Ben me olhou.
- Está viajando e disse que quando voltar, amanhã ou depois, quer me ver... Para conversarmos sobre “nós”.
- “Nós”? – Salma perguntou. – Ele já chama o que vocês tem de “nós”? Babi, você está gostando de Heitor Casanova? – olhou nos meus olhos.
- Eu posso estar gostando um pouquinho, bem pouquinho dele. – Menti, sabendo que meu coração estava completamente entregue ao dono da Babilônia, chefe dela.
- Eu gosto dele. Thorzinho é um romântico. Por detrás daquela imagem de homem poderoso e que tem todos aos seus pés, existe alguém implorando por amor e atenção... De alguém que não quer só dinheiro ou sexo de boa qualidade. – Ben disse.
- Ele tem uma noiva e uma amante. – Salma falou. – Não que isso importe, mas são problemas para carregar na bagagem.
- Por isso ele disse que temos que conversar.
- Cindy é uma pessoa difícil. Ela se comporta como uma estrela de cinema, quando na verdade é só uma boa dançarina de pole dance. – Salma disse.
- Talvez ela seja um problema bem maior que a noiva.
- Certamente será. Mas você sabe muito bem como resolver problemas, amiga. – Salma me abraçou. – Cindy só perderá tempo ao tentar importuná-la.
- Eis a questão: estou preparada para tudo que vem junto de Heitor Casanova? Pai, madrasta, noiva, amante?
- Mídia, paparazzi, dinheiro, uma vida que jamais sonhamos viver. – Ben completou. – Sabemos que Sebastian, por mais dinheiro que tenha, é um homem simples e preza família e valores. Não que Heitor não seja assim, mas ele é uma caixinha de surpresas a ser aberta.
- Sebastian está fora da minha vida amorosa.
- Aquele lindo? – Salma suspirou. – Deus, aquele homem foi esculpido numa nuvem, quando Deus estava de muito bom humor. Não que Heitor não seja bonito, mas Sebastian é doce, gentil, atencioso...
- Eu acho que ele ainda é ligado a um amor do passado... E minha cabeça diz que eu já sei exatamente o nome da pessoa.
- Um homem fiel à um grande amor do passado? – Salma enrugou a testa. – Isso o torna ainda mais perfeito. – riu.
- Então... Sebastian, Heitor, Tony... E quem entrou na sua vida foi Daniel. – Ben riu. – O gostoso com cara de anjinho, que serve bebidas com sabor e trabalha 24 horas por dia.
Começamos a rir:
- Agora, Ben, já monopolizei um tempo. Precisamos saber de Tony.
Ele suspirou:
- Tudo demorou a acontecer por causa da noiva. E... Aconteceu com ele ainda noivo.
- Ele não disse que iria primeiro resolver isso? – perguntei, confusa.
- Sim... Mas acho que não suportou a espera. E o que eu acho disto? Sim, no início achei perfeito: um homem fiel, que se preocupa com os outros e não quer magoar ninguém. Mas agora, sinceramente, pouco me importo. Eu gosto dele e sei que Tony também sente o mesmo por mim. Espero que ele termine com a mulher. Se não terminar, não vou deixá-lo por isso. Aconteceu uma conexão muito forte, como há muito não acontecia comigo.
- Espero que você não sofra. – Salma disse.
- O amor é uma caixinha de surpresas, assim como Heitor Casanova, amigas. Não tem como a gente prever. Temos como exemplo Jardel, que se vendeu como um bom moço e no fim, com aquela carinha linda de inocência, fez tudo que fez com nossa amiga. Pelo menos Tony foi honesto. Se eu algum dia pensei em ser a outra? Não, claro que não... Quem quer isso para a vida, não é mesmo? Mas o sentimento que me liga a Tony faz com que eu talvez aceite o que sobra para mim. Melhor um pouco dele do que nada.
- Pense pelo lado positivo, Ben: você é só o amante. Eu sou... A amante da amante. – arqueei a sobrancelha, confusa. – A questão é que... Eu não vou aceitar isso, embora respeite sua decisão em aceitar. E quer saber? Eu gosto de Tony. E admiro a coragem dele de se ver atraído por um homem e admitir isso, mesmo depois de ser assumidamente hetero por uma vida inteira. E foi você que despertou isso nele, amigo.
- Ele estava tão inseguro, coitadinho. Mas houve carinho... Como se o sexo não fosse o mais importante quando estávamos nós dois, entre quatro paredes. E isso nunca aconteceu comigo antes. Até então era sexo e sexo. E para mim estava bom. E eu achava que gostava de como era... Até Tony me mostrar que pode ser muito mais do que isso. A forma como ele me olhava, me tocava... Era de admiração, tesão, carinho... Tinha tanto sentimento que até me assustou. Ele é lindo, amigas. Não só por fora, mas também por dentro.
- Fico feliz por você. – abracei Ben, colocando minhas pernas em torno dele, sobre a cama.
Deitei a cabeça sobre seu ombro, sentindo seu coração bater forte. Salma nos abraçou, ainda de pé:
- Ben, você merece todo este sentimento que Tony está demonstrando. E eu posso apostar que ele vai deixar qualquer pessoa por você. – Salma garantiu.
- Eu estou começando a achar que nossa vida sexual está abrindo espaço para a amorosa. – Ben começou a rir. – Em breve talvez deixemos de ser três pessoas para sermos três casais. Sem contar que temos esta pessoinha aqui. – alisou a barriga de Salma. – Que vai iluminar as nossas vidas mais do que ela já está sendo.
Família... Era isso que os dois eram para mim. O sentimento que me unia aos meus dois amigos era intenso, forte e eterno. Tínhamos nossas desavenças, brigas, pensamento diferentes, mas nos respeitávamos e nos apoiávamos sempre. Para mim, isso era exemplo de amor verdadeiro.