Capítulo 37
2397palavras
2022-12-24 14:44
Quando entrei na sala onde seria feita a ecografia, pude ficar ao lado de Salma. O lugar era agradável e tinha uma luz fraca. Ao lado dela, uma tela, onde certamente apareceria o bebê. E debaixo alguns equipamentos, com uma cadeira onde creio que era o lugar do médico.
Assim que o médico entrou, nos cumprimentando, Salma segurou minha mão e senti um leve tremor e suor nela. Devia estar nervosa. Porque eu estava muito nervosa.
O médico foi explicando para ela algumas coisas que eu não consegui prestar atenção. Mas ouvi quando ela explicou que já sabia o sexo.
Assim que ele ligou a tela e passou o aparelho sobre o gel espalhado na barriga de Salma, conseguimos ver a imagem na tela.
Aquele serzinho dentro dela já tinha forma. O corpinho repousava como que deitado no útero na mamãezinha. Tinha bracinhos e perninhas e a cabeça era um pouco desproporcional ao corpo. Logo se mexeu e dei um salto, assustada, sentindo meu coração batendo forte, como se precisasse mostrar para o bebê que eu também estava ali.
Salma apertou minha mão com força e eu retribuí, sentindo as lágrimas escorrendo pelo meu rosto... Era possível amar aquele projeto de pessoa dentro do útero da mamãe, como se já estivesse conosco?
- Está com doze semanas, Salma. – O médico explicou. – A ecografia nos mostra que está tudo perfeito com sua menina.
- Tem como sabermos o peso e medida dela? – perguntei, ansiosa.
- Claro... Entre 54 e 66 mm da cabeça às nadegas. Está pesando em torno de 60 gramas.
- 60 gramas? Meus Deus! É... Tão pequena... – fiquei maravilhada. – Estou vendo os dedinhos dela... Todos.
- Sim. – O médico sorriu. – Ela deve estar descansando um pouco. Logo começa a se mexer de novo.
- Podemos ficar aqui mais tempo? – perguntei.
- Infelizmente não. Outras mamães também querem ver seus bebês.
- Claro... Sim. Eu simplesmente estou apaixonada, doutor.
- Certamente um momento importante na vida da mamãe: o primeiro encontro com seu bebê, ainda dentro do útero.
Aquilo foi como uma facada no meu coração. Nunca pensei em ser mãe. E agora a possibilidade de jamais ter um bebezinho dentro de mim pareceu pesar muito... Como nunca imaginei sentir.
Fui acometida por uma tristeza que chegou a doer. E rezei para que eu ficasse curada da endometriose e não precisasse tirar meu útero. Sim, eu queria ser mãe. Naquele exato momento que vi Maria Lua se mexendo, tão perfeita, dentro de Salma, meu instinto materno aflorou dentro de mim.
Deus, você existe! Porque se não existisse, este momento não estaria acontecendo.
Quando percebi Salma estava limpando a barriga, já sentada, com os olhos vermelhos. Peguei um pouco de papel e ajudei-a.
Ainda estava aturdida e um pouco tonta, depois da sala escura e de tudo que passou na minha cabeça naquele momento.
Quando saímos na rua, olhei para minha amiga e disse:
- Eu já amo Maria Lua... Como se fosse minha.
Salma me abraçou com força. Parecíamos duas loucas, agarradas na porta da clínica, chorando.
- Ela é nossa, Babi. Sempre vai ser.
- Pela primeira vez a endometriose falou alto dentro de mim... E percebi o quanto ela poder ser ruim... E cruel. As dores fortes são dos males o menor. E seu eu nunca puder ter filhos?
- Babi, Deus sabe o que faz. E ele não vai deixar você sem seu bebezinho, se você quer tanto.
- Não quero retirar meu útero.
- Não vai ser preciso, amiga. E se isso acontecer, Maria Lua é nossa... Sempre vai ser, entendeu? E nada... Eu repito: “nada” vai separar eu, você, Ben e Maria Lua, entendeu?
Assenti com a cabeça enquanto ela limpava minhas lágrimas.
Salma sorriu:
- A parte boa disso tudo: Babi tem um coração. Achei que ele tinha ido embora com Jardel.
- Sua boba... Eu sempre tive um coração.
- Eu cheguei a achar que ele não estava mais aí...
- Eu sempre... Mostrei meu coração para você e Ben... Vocês estão dentro dele...
- Somos seus amigos e sempre teremos seu coração. Mas você precisa abrir espaço aqui dentro... E sabe disto. Conheço você praticamente a vida inteira, Bárbara Novaes. E sei que se decidir ter um bebê, não vai se tão avoada como eu: escolher a dedo o pai e decidir por ele também... E ser um filho gerado de uma noite e nada mais... Que talvez ele nem saiba que aconteceu.
- Foi... Assim?
Ela assentiu com a cabeça e depois pegou minhas mãos:
- Mas eu não estou arrependida. Eu planejei isso.
- Ele... Não sabe da existência de Maria Lua? Mas... Como?
- Ele não sabe sequer da minha existência. – Ela riu, dando de ombros. – E eu acho até melhor assim. Porque desta forma não preciso dividir com ele o que é só nosso...
- E quando ele vai saber? Ou melhor, ele vai saber?
- Sim... Quando ela precisar de dinheiro... Muito dinheiro. Estaremos estáveis financeiramente para o resto da vida.
Fiquei olhando nos olhos da minha melhor amiga, que sorria como se aquilo fosse tão simples como ir a padaria comprar pão. Ela olhou um homem, certamente verificou sua conta bancária ou bens e decidiu que teria um filho com ele para resolver todos os perrengues da sua vida.
Será que ela se importou com o que ele realmente queria? Usaram preservativo? Certamente não... Ou ela não estaria grávida. Era justo privar o pai da criança daquela forma? E se ele tivesse outros filhos? E se fosse casado? E se...
- Está tudo bem, Babi... Ao menos por enquanto.
- Por quê “por enquanto”?
- Porque... Pode não estar depois. Mas no fim, eu garanto que vai dar tudo certo... E talvez estejamos todos juntos um dia... Felizes... E ele terá me perdoado.
- Você... Precisará de perdão?
- Sim... Eu vou precisar. Mas hoje vejo possibilidade de isso acontecer. Mas passou pela minha cabeça um dia que ele pudesse rejeitar... A criança e a mim.
- Será?
- Hoje eu sei que ele rejeitará a mim... Mas não rejeitará Maria Lua.
- Ninguém conseguiria rejeitar este serzinho inocente. E talvez vocês dois também se entendam... Afinal, vão ter um compromisso juntos para a vida inteira.
- Não, não vamos nos acertar.
- Ah, Salma...
- “Você” precisa se acertar. Abrir seu coração... Pra poder ter seu bebê, se assim o quer.
- Isso não é para agora. – Sorri.
- Sim, não é. Mas a sorte não bate a sua porta várias vezes... Um dia ela desiste.
- Do que exatamente estamos falando?
- De Heitor Casanova.
- Salma...
- Babi, não se feche para os sentimentos. Nem todos são como Jardel.
- Salma, é Heitor Casanova. Ele mandou me prender, pichou nossa fachada, mandou o segurança me tirar forçada de dentro da Babilônia... E acaba de não acreditar em mim, com relação ao que aconteceu na seleção. E... Deus, eu o odiei tanto... E nunca quis um homem como ele.
- Você bebeu, entrou onde não podia, invadiu a privacidade dele, que é algo que ele sempre se preocupou. Estragou o carro novo dele. E sabe que vendeu o casaco só para incomodá-lo. Só que ele não se incomodou. Pelo contrário, foi lá e pegou o casaco de volta, mesmo não precisando. Você foi até a casa dele... Para provocar. Sabia que era a mansão dos Casanova. E acha que “ele” fez coisas detestáveis?
Abaixei a cabeça e depois de um tempo, disse:
- Eu não acredito em contos de fada, Salma.
- Não é um conto de fadas... Afinal de contas, o príncipe não mandaria prender a princesa... Tampouco pichar a fachada dela. Ele é um homem normal.
- Normal? Ele tem duas mulheres.
Ela riu:
- Seja a terceira.
- Não... Eu não faria isso.
- Temos visões diferentes e sempre foi assim. Mas Ben também acha que você deve dar uma chance a Heitor. Não porque ele é rico e o sonho de qualquer mulher normal. Mas porquê... Ele está realmente interessado em você.
- Eu... Não quero falar de Heitor. Quero falar... De Maria Lua. Me empresta dinheiro para eu comprar roupinhas para ela? Amanhã eu começo a trabalhar e teoricamente eu recebo em trinta dias. – Pisquei os olhos e juntei minhas mãos, quase implorando.
- Caralho, você vai quebrar meu cofrinho de novo? – ela olhou para a barriga. – Saiba que esta pessoa aqui, sua mamãe Babi, é uma extorquista cara de pau.
Não dormi bem naquela noite. O fato de não ir na nova seleção que Heitor faria me incomodava de alguma forma. Eu não estava fazendo nada errado em ir trabalhar com Sebastian. Eu podia escolher o que fosse melhor para mim. Mas o fato de eles não se darem bem me deixava receosa e insegura.
Heitor queria que eu participasse da nova seleção. Isso dava a entender que sim, ele me queria lá, trabalhando na empresa dele. Mas quando fiz a entrevista diretamente com ele, debochou de mim... Tentou me humilhar e disse claramente que eu não tinha capacidade para a vaga oferecida.
Eu só participei novamente da seleção por causa do pai dele, Allan, que, mesmo sob meu protesto, me colocou de novo no páreo. Sem ter trabalho ainda, claro que acabei aceitando. Além do que, o sonho de qualquer pessoa era poder estar dentro da North B.
Heitor me rejeitou na North B. Mas Sebastian também me rejeitou na Perrone e só voltou atrás porque a outra pessoa que ele contratou não deu certo. Eu era uma boa profissional, embora me ferrasse nas entrevistas. Sim, talvez eu falava demais. Sebastian pediu sinceridade e eu vomitei sinceridades na cara dele... E acho que no fim, ele não gostou. Nem sempre ser sincera é dizer o que as pessoas querem ouvir.
Poucos me deram uma chance de mostrar realmente o meu trabalho. E os que me deram, foram cravejados por uma mulher cheia de problemas pessoais, que mal dormia e não rendia durante o dia. Fora um namorado louco, que por vezes invadia os locais, fazendo com que eu desejasse ser tele transportada para outro planeta, tamanha vergonha que sentia.
Ironicamente as duas empresas ficavam uma de frente para outra. A única diferença é que a Perrone era menor e a produção era feita ali mesmo, embora a sede ficasse em outro país. Enquanto a North B., bem maior em questão de tamanho, só ficava com a parte comercial, sendo a produção em outra cidade.
Parei em frente a Perrone e olhei para o último andar da North B. Vi no relógio e faltava dez minutos para oito horas da manhã. Certamente Heitor já estava lá. E eu não tinha dúvidas de que ele participaria novamente da seleção dos candidatos.
Será que ele daria minha falta?
Deus, por que eu me preocupava se ele se importaria por eu não estar lá?
Por mais que eu tentasse não admitir para mim mesma, meu corpo e minha mente iriam para a Perrone. Mas meu coração estava na North B... Exatamente no último andar, junto de um CEO intragável, debochado e que tinha a boca mais perfeita do mundo inteiro.
Assim que cheguei na sala de Sebastian, ele já me esperava. Conversamos sobre como seria o meu trabalho e ele estava um pouco preocupado porque soube que a North B. iniciaria a fabricação de vinhos, entrando diretamente em concorrência com a Perrone. Eu estava certa: a “suposição” do produto para a seleção dos candidatos não era só uma suposição ao final. Era real e verdadeira.
Foda-se. Heitor não quis acreditar em mim.
Falei com Sebastian sobre os rótulos personalizados e juntos, chegamos a ideia de fazer cestas com vinhos de rótulos personalizados, acompanhados de outros produtos que eram servidos para que o vinho tivesse ainda mais sabor.
Se não bastasse, ele explicou que na Matriz também era produzido e vendido sucos de uva naturais, sem conservantes. Achei que vender o produto em Noriah Norte seria bom. E era algo que a North B. não tinha. Afinal, os sucos dele eram todos industrializados.
- Pelo visto não contratei só uma profissional de Marketing e Propaganda. Mas posso estar vendo uma futura CEO ao meu lado.
- Eu tinha dito para você me dar a oportunidade... E você não me escutou. Eu tenho muitas ideias... Só que as vezes falo tanto antes que quando vou chegar nesta parte, já desistiram de mim.
Ele riu e deixou o corpo cair para trás na cadeira, me encarando:
- Quero você numa sala... Neste andar, próximo de mim.
Arregalei os olhos:
- Como assim?
- Isso mesmo que você ouviu.
- Por... Qual motivo?
- Vamos nos dar bem, Babi.
- Sim... Mas ainda assim ninguém subiu tão rápido ao andar do CEO, com uma manhã trocando ideias.
- A empresa é minha. Faço o que eu quiser e deixo subir quem eu achar que merece.
- E o que vou ter que dar em troca? Porque você já disse que não me quer. E não que eu queira... Quer dizer... Eu não acredito em bondades do nada, sem um preço. Semanas atrás você me negou um trabalho. Agora me coloca a par de tudo da sua empresa e diz que eu vou ter uma sala no seu andar? Eu já fiz meu trabalho... Falei sobre os rótulos, pensamos juntos nas cestas... Prefiro ficar na área do Marketing, planejando o próximo produto, quando ele estiver por vir.
- Babi, Babi... – ele girou a cadeira de um lado para o outro, me observando atentamente. - Você é uma mulher difícil... Muito difícil.
- Aqui não sou uma mulher... Sou só sua funcionária. E assim vamos seguir, senhor Perrone.
Ele levantou as mãos:
- Sem objeções, senhorita Novaes. Em que mais posso ajudá-la, além de lhe oferecer um almoço comigo?
- Nada. E não vou almoçar com você porque vão achar que consegui o emprego porque dormi com o CEO. Almoços só depois que todos me conhecerem e souberem que sou uma mulher decente. E que fui contratada por minha capacidade e profissionalismo e não porque “dei” para o meu chefe.
- Algo mais que eu precise saber sobre a minha nova funcionária?
- Sim... Eu detesto mentiras. E se você estiver escondendo algo de mim, eu vou descobrir.