Capítulo 34
2305palavras
2022-12-24 14:42
- Tem certeza? – perguntei, confuso.
- Sim, tenho certeza.
- Pobre Bárbara. – disse meu pai. – Ela me disse que sofria desta doença... Espero que logo ela fique bem.

- Estas doenças sexualmente transmissíveis às vezes não têm cura. – Celine continuou parecendo saber do assunto.
- E o que você pretende fazer, Heitor? Quanto à Bárbara e o outro rapaz? – Meu pai perguntou.
- Eu... Não sei.
- Bem, já que terminou seu café, vamos ao escritório.
Levantei, arrumando minha roupa que tinha amassado levemente.
- Quando descer, me procure, Heitor. Preciso falar com você. – Milena disse.

- Ok.
Segui meu pai até o elevador. Quando entramos e ele apertou o botão, senti um leve calor percorrendo meu corpo e tentei focar em qualquer coisa a não ser ela (a que pessoa que tentava povoar meus pensamentos em tempo integral) novamente.
Eu não tinha entrado ali depois do ocorrido. E parece que tudo conspirava para que ela estivesse sempre na minha vida, de uma forma ou de outra. Qual a probabilidade de você ficar trancado no elevador duas vezes com a mesma pessoa, sendo que vocês mal se conhecem? Quase nula. Mas aconteceu duas vezes comigo e Bárbara. Estranhas coincidências... Que me deixavam tão confuso quanto o que eu começava a sentir por ela.
Assim que chegamos no escritório, sentei na frente de meu pai. Tratar de negócios para ele era sempre uma coisa séria.

Olhei para a imagem da minha mãe no quadro e uma saudade imensa tomou conta de mim. Aquela imagem passava tanto amor... Tanta ternura. Por que ela estava ali, trancada no escritório e não na minha casa?
Eu não lembrava muito dela... Mas o pouco das lembranças eram boas. E ela me deixou Nicolete, sua melhor amiga e confidente da vida toda. E Nic cuidou de mim com tanto carinho que eu não conseguia ver nela nada além de amor materno.
Meu pai também sentiu a morte dela. Então se enfiou no trabalho. O único objetivo de vida dele era ficar mais rico a cada dia. E ele conseguiu. Eu, fiquei no meu mundo, por um bom tempo. Até que resolvi que não se precisava muito de pai quando você poderia ter Nicolete ao seu lado.
Ele me reprimia, ela me dava liberdade. Ele me cobrava, ela dizia que eu precisava de tempo.
Aceitei bem a chegada de Celine na nossa casa. Pensei no bem-estar do meu pai. Ela tentou de alguma forma ocupar o lugar da minha mãe, mas ele já pertencia a Nicolete. Por algum motivo, as duas nunca se deram bem. E por isso assim que pude, fui embora, levando comigo a mãe que Deus me mandou para suprir a falta da que ele levou.
Milena, filha de Celine, nos visitava com frequência. Ela morava com o pai. Nos dávamos bem os dois e conforme crescemos, começamos a nos relacionar, embora não fosse nada sério. Tirei a virgindade dela quando ela completou 17 anos. Ficava com ela, mas nunca deixei de me envolver com outras garotas. Para mim, era só sexo. E sempre acreditei que para ela também.
Quando fui para a faculdade, ela conheceu outro homem numa viagem e os dois começaram a namorar. E eu jurava que ela gostava dele. Acontece que numa das minhas bebedeiras frequentes, no vai e vem para casa, dormimos juntos. E Milena ficou grávida.
Celine e meu pai nos obrigaram a assumir um compromisso. E cheguei a pensar que o bebê poderia nem ser meu. Era muito azar ela engravidar de mim numa única vez, sendo que ficou um bom tempo com outro homem.
Vi minha vida desmoronar e quase não me formei na faculdade. Eu bebia tanto e andava com tantas mulheres que nem sabia mais quem eu era. Jamais passou pela minha cabeça ser pai... Principalmente jovem e tendo uma mulher como Milena, a qual eu não sentia absolutamente nada, como mãe da criança.
Por azar... Ou sorte, ela teve um aborto espontâneo. Então Celine jogou toda a culpa sobre mim e o sofrimento que a fiz passar, traindo-a e vivendo de forma completamente insana.
Milena passou por uma forte depressão e até hoje fazia tratamento. Eu, fui obrigado a lhe dar uma aliança e assumir um compromisso que jamais quis de verdade.
E assim, por muito e muitos anos, vivíamos este noivado ridículo, Milena e eu. Eu a respeitava enquanto filha de Celine... Mas não como mulher. Milena era tão fria quanto gelo e sequer nosso sexo era bom. Eu era um louco por sexo e mulheres. Tive muitas, de todos os tipos... Desde as que paguei até as que me juraram amor eterno. Exceto Cindy, nenhuma entrou na minha casa ou dormiu na minha cama.
Eu traía Milena com o corpo... E ela me traía com a alma, porque o coração dela era de outra pessoa. E eu nunca me preocupei em saber quem era o outro, pois não me parecia que ela faria qualquer coisa para desatar os nós que nos prendia um ao outro.
Não tinha certeza se ela estava comigo porque queria, porque não tinha coragem de viver a sua vida sem um esteio no qual se apoiar, ou se Celine a obrigava, como forma de manter a “honra” da filha, que ela tanto se preocupava. O fato de eu ter tirado a virgindade dela e anos depois a ter engravidado foi extremamente ofensivo para minha madrasta.
Eu nunca pedi uma prova de que o filho era meu, para não expor Milena.
Cindy apareceu na minha vida como dançarina de pole dance: linda, perfeita, a melhor de todas. A roubei de uma casa noturna em outro país. Ela recebia bem pra caralho, mas desde que a vi dançando, fiquei completamente louco, querendo aquela mulher para mim.
A primeira noite que dormi com ela paguei um valor extremamente alto. Mas que valeu cada centavo. Nunca fui tão bem tratado sexualmente na vida. Cindy era mais fogosa do que qualquer mulher que passou pela minha vida. E confesso que eu, um adorador do sexo, cheguei a negar fogo para ela algumas vezes, porque nada saciava aquele fenômeno de mulher.
Ofereci o dobro para ela vir para Babilônia. E hoje, quase cinquenta por cento do público da casa noturna estava ali por ela.
Cindy era envolvente, inteligente e sedutora. Quando percebi, estava na minha casa, na minha cama e tentando me ter em suas mãos.
Eu estava atado à Milena e sabia que não tinha como me desvencilhar daquilo. Apresentei Cindy a minha família como minha funcionária e amiga. Ela e Milena até se davam bem. Se Milena sabia dela? Talvez, mas nunca me falou nada. Cindy, por sua vez, só queria boa vida e sexo.
Comprei um apartamento para Cindy no mesmo prédio que eu morava. Embora não tínhamos um relacionamento sério, ficávamos boa parte do tempo juntos. Mas nunca saímos do nosso mundo particular: Babilônia, minha casa, casa dela. Então era sexo, sexo e sexo. Ela era um pouco ciumenta e sabia exatamente como me agradar para ter tudo que queria.
Embora eu gostasse dela, não era fiel. Transei com quase todas as minhas funcionárias dançarinas. Finais de semana eu bebia tanto que nem lembrava da pessoa que acordou ao meu lado. Então as dispensava, sempre da mesma forma: “me desculpe, bebi demais e tenho uma noiva.”
E eu gostava da minha vida exatamente do jeito que era... Exceto o meu compromisso com Milena Bayard.
- O que deseja, pai?
- Heitor... Eu não tenho mais muito tempo.
- Como assim?
- Descobri que o câncer voltou... E o estágio está avançado.
Fiquei olhando para ele, sem saber o que dizer. Não tínhamos um relacionamento perfeito e regado de amor. Mas nos dávamos bem, quando ele não era extremamente exigente e me obrigava a fazer o que “ele” queria, sem se importar com minha opinião e meus desejos.
- Celine já sabe?
- Não... E não quero que ela e Milena saibam. Aliás, ninguém pode saber. Só estou contando para você.
- Pai... Eu sinto muito.
- Eu que sinto, Heitor. Percebi que trabalhei demais... E esqueci de viver. E tenho uma certa dívida com você.
- Comigo?
- Sei que não fui o pai que você esperava. Quando sua mãe morreu eu deveria ter ficado ao seu lado. Ambos sofremos, mas eu me afastei em vez de ficar com você, que era só uma criança.
- Você vai morrer na semana que vem? – perguntei, pois parecia que ele já estava se despedindo e se arrependendo dos seus pecados.
- Não sei quando vai ser. Mas como eu disse, o estágio está avançado.
- Não há nada que possa ser feito?
- Não quero que seja feito mais nada. Estou cansado... O outro tratamento praticamente acabou comigo.
- Mas... Você ficou bem depois.
- Fiquei? O câncer voltou, rapaz! – ele me olhou nos olhos.
Fiquei sem dizer nada, de alguma forma conseguindo entender o que se passava na cabeça dele.
- O que quer de mim, pai?
- Quero que assuma a North B. Preciso tirar meu nome de lá, Heitor. Você é o meu herdeiro. E seu filho será o dono de todo este império um dia.
- Eu... Tenho tentado tomar conta de tudo.
- Não é o suficiente, Heitor. Eu preciso que assuma e não continue mais “tentando”.
- Não tenho condições de assumir a Babilônia e a North B. juntas. Que tempo eu teria para viver?
- Pelo que sei, você “vive” na Babilônia.
- Sim, você sabe que a Babilônia é tudo para mim.
- Não estou pedindo que deixe a casa noturna. Estou pedindo que assuma o que é seu. Eu não tenho outra pessoa para tomar meu lugar. Se tivesse, certamente deixaria você continuar com sua vida... Onde finge trabalhar.
- Pai...
- Você pode ser realmente o CEO da North B. durante a semana. E nos finais de semana continue a viver sua vida na Babilônia, cercado de mulheres, bebidas e sexo. E de segunda a sexta, trabalha como uma pessoa normal. O que acha?
- A Babilônia é um trabalho para mim. – Fiquei puto. – Me esforcei muito para transformar aquele lugar na melhor casa noturna do país. Vem gente de todo o mundo conhecer minha criação. Não tem orgulho disto?
- Não... Não tenho. É só o lugar onde você come mulheres e vive sua vidinha sem vergonha.
- É isso que pensa de mim?
- É ofensivo ser sincero com você? Por isso não gosta de Bárbara? Porque em pouco tempo ela viu exatamente o tipo de homem que você é?
Olhei para ele, sem dizer nada. Uma, porque não precisava. Ele não falou nada diferente do que já me dizia a uns bons anos. Outra, ele não sabia nada sobre Bárbara. Por que metê-la naquela conversa?
- Eu vou assumir a North B., pai.
Ele me olhou surpreso, certamente não esperando aquela resposta:
- Está falando sério?
- Quero que esta semana me passe tudo que ainda falta. Já estou me inteirando da maior parte das coisas da empresa. Participei do processo da expansão para a área dos vinhos e confesso que tem atraído minha atenção esta parte em especial.
- Heitor, fico feliz em ouvir isso.
- Sabe que vou entrar numa batalha direta com Sebastian, não é mesmo?
- Claro que sei. Inimigos, inimigos, negócios à parte. – Ele gargalhou.
- A ideia que gerou confusão entre Bárbara e outro rapaz foi sobre iniciar a venda do vinho apostando no rótulo personalizado... Tanto para festas, eventos ou mesmo individualizados.
- Uma ideia diferente. Não havia pensado nisso. A concorrência com Sebastian é forte. E os rótulos e embalagens dele não são nada atrativas. Eles tem vinhos de excelente qualidade, mas são pobres na parte estética e de divulgação dos seus produtos.
- Exato. Por isso achei a ideia boa.
- E acha que quem teve foi Bárbara? E que ela possa ter sido roubada?
- Eu... Não sei. Sei que Bárbara é muito... Criativa. – Ri. – Mas não quero ser injusto e beneficiá-la só porque é mulher, bonita, inteligente... – parei de falar quando me dei em conta de que estava encontrando muitos elogios para ela. – Impulsiva, sem noção... Intensa.
- Acho ela honesta e sincera.
- Eu também. Por isso vou seguir com o processo, para ter certeza de qual dos dois está mentindo. Mas sinceramente, acho que ela foi roubada.
- Amanhã estarei na North B. Vou transformá-lo no único CEO da empresa. Passarei todas as minhas ações para você. Ninguém mais poderá contestar suas decisões. E Celine acha que Milena deve ajudá-lo. Ela não tem estado muito animada nas últimas semanas.
- Qual vai ser a função dela?
- Vice-presidente.
- Vice-presidente? – levantei. – Ela não sabe nada. Nunca entrou na empresa e você vai dar a ela o cargo de vice-presidente?
- Sim. Isso não está em discussão.
Balancei a cabeça e saí, batendo a porta, furioso. Conversa encerrada!
Como era difícil manter uma conversa com meu pai. Sempre acabava da mesma forma: um de nós dois saindo puto.
Ele acabara de me acusar de não querer compromisso com a North B. e agora queria que eu fosse auxiliado por uma pessoa que jamais botou os pés na empresa? Sim, eu gostava de Milena... Como amiga, como a irmã que eu nunca tive. Mas ela era uma pessoa triste, sem iniciativa e ambição. Para ela tudo estava bom. Ela não me ajudaria... Me atrapalharia.
Desci as escadas rapidamente e dei de cara com ela me esperando no primeiro andar.
- Precisamos conversar. – Ela insistiu no que já havia dito anteriormente.
- Eu sei. O que você quer?
- Quero marcar a data do casamento. E você não vai fugir desta vez.
- O quê?