Capítulo 29
2061palavras
2022-12-24 14:39
Tentei abrir meus olhos, mas senti o cheiro bom que me envolvia por todos os lados. Era ele... Eu não tinha dúvidas. Sabia que estávamos num carro... Mas ele não estava dirigindo, porque... Me segurava nos braços... Metade do meu corpo estava sobre ele e o restante no banco.
Que porra! Onde ele estava me levando? Casa?
- Acha que pegou pesado com ela, senhor? – ouvi a voz no banco da frente.

- A senhora Bongiove é forte. Não se preocupe, Anon.
Ok, Anon me defendendo. Eu gostei mesmo dele desde o início. Eu devia abrir os olhos e dizer que me deixassem onde eu estava, que me virava sozinha. Eu só precisava de Ben ou Salma. Eu ligaria e tudo ficaria bem.
Um nova e forte fisgada me fez gemer e me contorcer levemente. Senti os braços fortes me envolverem ternamente. E meu coração acelerou. Heitor Casanova tinha gentileza dentro de si? E um pouco de compaixão? Misturados com... Ah, porra, não importa. Eu não podia baixar a guarda. Eu era só a candidata que passou mal por culpa dele, por isso estava me levando em casa.
- Se sente melhor, Bárbara? – ele perguntou, enquanto tocava levemente meu rosto.
Fingi continuar desmaiada. Eu não ia falar com ele. Onde me deixasse, eu seguiria fingindo estar inconsciente.
- Acho que ela pode estar morta, Anon. – Ele disse. – Afinal, ninguém fica desmaiada por tanto tempo. – Riu, debochadamente. – Talvez seja melhor levá-la direto ao necrotério.

Abri os olhos imediatamente:
- Ouse... Mato você.
Ele gargalhou:
- Bem-vinda, senhora Bongiove.

Tentei levantar e ele me impediu, fazendo nossos corpos ficarem completamente juntos:
- Não vai sair daqui... A não ser quando chegar no hospital.
- Eu não preciso de um hospital. Quero ir para casa. – Tentei sair, em vão, enquanto ele me apertou com mais força.
Nossos olhos se encontraram e senti meu corpo se arrepiar.
- Eu poderia lhe oferecer meu casaco, Bárbara. – Observou minha pele eriçada. – Mas se continuar assim, em breve vou ficar sem, não é mesmo?
- Não sei do que está falando. E me solte, senão vou denunciar você por assédio.
Ele me soltou imediatamente, os olhos voltaram a ficar frios e toda aquela doçura se desfez.
- Eu não esperaria outra coisa de você. – Foi debochado, como sempre.
Sentei ao lado dele, tentando reorganizar os pensamentos e o meu físico.
Observei o interior total black do carro e perguntei:
- Onde está o Maserati?
- Anon, nossa convidada quer andar no Maserati! – falou, sarcástico.
Anon riu:
- O Maserati somente o senhor Casanova dirige, senhora Bongiove.
- Talvez ela tenha fingido um desmaio para dar uma volta no Maserati. É possível isso, Anon?
- Acho que podemos esperar qualquer coisa da senhora Bongiove, senhor.
- Eu quero descer, seus desclassificados. – falei firmemente.
- Só descerá no hospital. Se eu largar você aqui, vai me denunciar por omissão de socorro.
- Eu não faria isso.
- Não? Mas me processaria por assédio porque eu tentei socorrê-la?
- Eu sei lidar bem com esta dor... Estou acostumada. O senhor me deixa aqui, chamo meu amigo e vai ficar tudo bem. Em dois dias estarei nova em folha.
- Como alguém consegue dizer que sabe lidar com a dor? Cheguei na sala e vi que você não estava bem. E mal a conheço. Sua expressão era de dor.
- São só cólicas.
- Cólicas? Menstruais?
- Não... Ou sim. – Fiquei na dúvida. – Porque não... Ora, esqueça. É muito complicado de explicar. Mas estou bem, não vou morrer disto e é o que importa.
Antes que eu conseguisse fazê-lo mudar de ideia, chegamos ao hospital. E para minha surpresa, não descemos na porta da emergência. Anon encaminhou o carro diretamente para um estacionamento, onde três, eu disse “TRÊS” pessoas me aguardavam, com uma cadeira de rodas.
Anon desceu e abriu a porta e Heitor ajudou-me a descer. Eu ainda sentia dor, mas já não era tão intensa. Os dois analgésicos que havia tomado certamente já estavam fazendo efeito.
- Eu... Consigo andar. Está tudo bem. Não sou uma inválida. – Tentei contestar enquanto ninguém me ouvia.
As mulheres me colocaram na cadeira de rodas e uma a guiava enquanto outra media meu pulso e a terceira anotava o que Casanova dizia. E eu não conseguia prestar atenção em nada... A não ser na voz dele, que eu mal conseguia identificar cada palavra que saia. Aquilo era meio surreal.
Assim que entrei pela porta, pensei direito: “puta que pariu, estou ferrada”. Nem em mil anos eu poderia pagar a conta do hospital mais caro do país.
Minha alternativa:
- Eu estou bem... – levantei da cadeira.
Ninguém me deu atenção novamente. A moça me fez sentar e quanto percebi já estava numa maca, sendo atendia por dois, eu disse DOIS médicos ao mesmo tempo.
- Pode contar o que sente, senhora? – um deles perguntou enquanto o outro seguia na mesa, anotando.
- Eu tenho endometriose. – expliquei. – Sempre senti estas dores fortíssimas, especialmente no período menstrual. Não aconteceu nada de diferente esta vez.
- Há quanto tempo recebeu a confirmação da doença?
- Poucos meses atrás...
- E está fazendo acompanhamento?
- Sim. – Menti. Eu até tinha procurado o ginecologista, mas mal tinha feito os primeiros exames que ele pediu. Ainda tinha várias requisições que sequer tinham saído da gaveta, como se sentir as dores já fizesse parte da minha vida. – Não, não tenho sido muito assídua nas visitas ao ginecologista. – Admiti.
- Vamos refazer os exames, então.
- Você é ginecologista? – perguntei.
- Não. Só atendendo emergências. Mas o meu colega já está solicitando um especialista no seu caso.
- Bem, é que... Eu quero ir embora. – falei, um pouco sem jeito.
- Não pode fazer isso, senhora.
- Eu já me sinto bem... E...
A porta se abriu e uma enfermeira entrou:
- O senhor Casanova quer saber se está tudo bem e se pode entrar. – perguntou ao médico.
- Não! – eu disse, confusa.
- Eu vou primeiro encaminhá-la para um quarto. Ela ficará lá até o Ginecologista chegar e atendê-la. Creio que quando souber que é o senhor Casanova que requisita virá em poucos minutos. Pode providenciar tudo com rapidez, não é mesmo? – perguntou ao outro médico.
- Já o avisei no telefone de emergência, por mensagem. – O outro respondeu.
- Eu estou morrendo? – perguntei, sentindo um nó na garganta ao ouvir a conversa deles.
- Não. – Ele foi sério. – Mas ele fará todos os exames necessários e só será liberada quando ele achar que está tudo bem de verdade com a senhora.
- Eu não posso ficar aqui... Eu...
“Eu não tenho dinheiro para pagar, galera”. Mas como dizer-lhes isso?
A enfermeira trouxe a cadeira de rodas até mim.
- Sente-se, senhora, por favor. – Tentou me ajudar.
Retirei as mãos dela. Eu estava bem. Não precisava de ajuda. Era só uma cólica, daquelas que só passava com muitos analgésicos, bolsas de água quente e Ben e Salma. Onde estavam meus amigos? Eu imaginei que estava morrendo, ou não chamariam um Ginecologista de emergência. E se não morresse de doença, morreria quando recebesse a conta do hospital. Certamente desta vez eu perderia meu rim, que tirariam ali mesmo para quitar as despesas. Ou se eu quisesse me manter com dois rins, teria que recorrer à minha avó, que talvez tivesse que vender um de seus estimados bois para pagar a conta.
Não adiantava contestar. Ninguém me dava ouvidos. Daquele consultório fui parar num quarto maior que o do meu apartamento, com TV, frigobar, sacada... Nem sei mais se estava no hospital ou num hotel.
A cadeira foi colocada diretamente ao lado da cama, onde desci e fiquei parada, tentando entender o que fazer.
- Pode deitar, senhora. Em breve o médico virá atendê-la.
- A questão é que eu já passei pelo médico. Se eu não vou morrer, por que não me deixam ir embora?
- Ordens do senhor Casanova. Só sairá daqui depois de todos os exames realizados e diagnóstico de um profissional.
Revirei meus olhos e sentei na cama. Como explicar para aquele homem que eu não podia ficar ali? Eu não tinha tempo nem dinheiro para aquela brincadeira de ficar doente?
Ela saiu e fiquei ali, sentada com os pés para fora da cama, tentando imaginar uma maneira de fugir... Que não fosse pela janela, pois tinha um muro gigantesco do lado de fora.
A porta se abriu e Heitor Casanova entrou. Ele parou na minha frente e ficamos nos olhando, sem dizermos nada. Abaixei os olhos e segui balançando os pés, procurando as palavras certas.
Ele foi até o frigobar e pegou uma água gelada, bebendo no gargalo até não sobrar uma gota.
- Tudo bem? – perguntou.
- Já estava tudo bem... Antes.
- Não... Não estava bem.
Claro que não. Eu não tinha comido ainda.
- Que horas são? – perguntei.
- Quase cinco da tarde.
Senti meu estômago roncar.
- Eu preciso ir embora. – Fui direta.
- Precisa ou “quer” ir embora?
- As duas coisas.
- Só depois de fazer todos os exames.
- Eu já sei o que tenho.
- O que você tem?
- Fome.
Ele arqueou a sobrancelha, divertidamente:
- Por que não disse antes, senhora Bongiove?
Pegou o celular e ligou para alguém e em seguida perguntou:
- O que quer comer?
- Comida. – falei, sentindo meu corpo fraco.
- Ok.
Depois que desligou o telefone, ele continuou parado na minha frente, sem dizer nada.
- Eu não tenho dinheiro para pagar a conta. – falei, sem olhar na cara dele.
- Eu vou pagar a conta. Você passou mal na minha empresa.
- Não precisava ter se preocupado comigo.
- Eu faria isso por qualquer pessoa.
- Mas não precisava fazer comigo. – Insisti.
- Não sou o monstro que você pensa.
- Não mesmo? – olhei nos olhos dele e ri, ironicamente. – Se não tivesse pego as joias da minha mãe, eu pagaria por esta palhaçada e não ficaria a dever um favor para o senhor.
Ele balançou a cabeça e veio até mim, retirando meus sapatos e colocando minhas pernas sobre a cama. Depois sentou-se no sofá e recostou a cabeça na parede, fechando os olhos:
- Deite e descanse, Bárbara. Eu vou pagar a conta e não me deverá um favor. Eu não peguei as joias da sua mãe, foi um pagamento por uma travessura que você fez. Pode ter sobrado troco... Vou verificar uma hora que tiver tempo... Mas você não me deixa mais ter tempo, não é mesmo?
Deitei, colocando as mãos sob a cabeça:
- Prefiro morrer a dever um favor para você.
Fui sincera... Ou provocante, porque eu começava a achar que gostava de deixá-lo puto comigo.
- Se não se comportar, não vou devolver suas joias.
Sentei imediatamente. Ele abriu os olhos e me encarou, ainda demonstrando cansaço e ao mesmo tempo tranquilidade.
- Você não jogou fora? – perguntei, esperançosa.
- Acha que eu jogaria joias fora? Eu não sou louco ou insano, como você. Posso ser um desclassificado, mas não atiro dinheiro no lixo.
- Elas valiam uma boa quantia... Talvez não para você, mas para mim sim. A questão é que são as únicas lembranças da minha mãe. Então o valor é muito mais sentimental do que qualquer outra coisa. Eu jamais as venderia... Mas ficar presa não seria bom para o meu currículo.
- Só se preocupou em ficar presa por causa de constar na sua ficha ao procurar emprego?
- Eu acho que sim...
- Você é esquisita, Bárbara.
Por que a forma como ele chamava meu nome parecia me desestabilizar completamente? Ele pronunciava “Bárbara” tão vagorosamente e parecendo provar cada letra... Como eu sentia... Meu corpo se derreter do B até o A.
- Vai devolver minhas joias? – perguntei, sabendo que não tinha colherinha por ali, então não poderia me dar ao luxo de derreter porque não havia quem me juntasse, a não ser o próprio motivo da minha umidade na calcinha.
- Se você se comportar, posso pensar sobre isso.
Deitei de novo e virei a cabeça em direção a ele:
- Eu não sei me comportar, senhor Casanova.