Capítulo 28
2058palavras
2022-12-24 14:39
- Eu penso que vinho todo mundo vende. E a Perrone aqui na frente produz os melhores, porque são feitos por eles mesmos... A família Perrone tem amor ao que faz.
- Então nos recusamos a trabalhar no projeto porque você prefere o vinho da Perrone? – ele riu. – É só uma estória fake, hipotética. Já ouviu falar disso, não é mesmo? Ou é sua primeira seleção?
- Já fiz mais seleções e entrevistas do que você imagina, acredite! E você não me deixou terminar.

- Ok, termine.
- Temos que ter um diferencial. Certamente não teremos o melhor vinho, mas podemos apostar numa garrafa diferenciada. Eu focaria no vinho pra presentear, ou para ser consumido em eventos. Para isso, o rótulo seria personalizado. Vendido sob encomenda, para qualquer ocasião: casamento, aniversário. Já imaginou ganhar um vinho com o seu nome no rótulo?
- Não...
- Talvez você o guardasse para sempre e nem consumisse, de tanto que ia gostar. Ou, caso consumisse, guardaria a embalagem... E lá, além do seu nome, estaria a da North B. junto....
- Vinho é vinho... Acha mesmo que alguém se preocuparia com o rótulo?
- A North B. quer um diferencial. Por mais que consiga se igualar na qualidade da Perrone, demoraria a conquistar o público. Poderia focar na venda não em grande quantidade inicialmente, mas apostando na individualidade da embalagem, aos poucos conseguiria ir entrando no mercado novo, até então desconhecido para eles. Eu gostaria de comemorar meus trinta anos com um vinho feito especialmente para mim. E ainda guardaria a embalagem.

- Qualquer pessoa pode comprar um vinho vagabundo e mandar fazer um rótulo.
- O nosso vai ter North B. direto na garrafa. Para não haver dúvida de que é desta empresa. – Toquei meu ventre, sentindo a dor aumentando.
- Tudo bem? – ele perguntou.
- Um pouco de cólica... Mas vamos seguir. Eu... Sou acostumada. Mas qual sua ideia?

- A North B. fabrica o chope com sabor que é vendido na Babilônia. Você só o encontra se for lá, e para isso precisa pagar a entrada.
- Sim.
- Minha ideia é embalar o chope e vender no mercado... Fora da Babilônia.
- O chope com sabor é algo incrível. Mas a questão é que eles vão vender vinho. Esta é a nossa tarefa. Se fosse pra vender o chope embalado em litro eles já teriam feito há muito tempo. Esta bebida só tem lá... E por isso as pessoas pagam um rim pelo ingresso... E mais: a bebida é paga à parte. E é isso que diferencia a Babilônia de todas as outras casas noturnas. Não podemos trocar o produto. É uma história fake de um produto que eles pretendem lançar, como você mesmo disso... Então precisamos seguir o roteiro apresentado, do que nos pediram.
- Ok, então vamos trabalhar nas duas ideias. Depois vemos se será em dupla ou individual.
- Eu sinto muito, mas ou você aceita a minha ideia ou trabalho individual. – Apertei minha barriga, tentando me conter para não gritar conforme as fisgadas iam aumentando. – Não posso vender um produto que a empresa não vai produzir... Sei que estamos trabalhando com hipóteses... Mas eu vou seguir a que foi solicitada. E não se trata de não saber trabalhar em dupla ou equipe... Mas de ir de acordo com o que foi mandado. Lembre-se que podemos ser demitidos... – sorri. – Também uma hipótese.
- Ok, cada um trabalha na sua ideia. E se for dupla, aceito a sua. Pode ser?
- Combinado. Agora... Eu vou encontrar o que preciso aqui na internet... Para elaborar melhor meu rótulo.
Fiquei feliz que ele foi para outra mesa e ligou um dos computadores. Minha dor estava aumentando e eu não conseguia ficar falando muito enquanto isso. O próximo passo seria as náuseas causadas pela intensidade e eu teria que torcer para apresentar antes do vômito.
Tomei dois analgésicos e rezei para passar logo. Mas não foi o que aconteceu. Chegou as treze horas e nada do CEO aparecer para as apresentações. Meu sapato já começou a tilintar no chão. E desta vez acho que ninguém se importou, pois também estavam ansiosos e cansados.
Quarenta minutos depois do horário previsto, chegou o CEO da North B., Heitor Casanova. Assim que ele entrou, pôs os olhos diretamente sobre mim, que não consegui sustentá-los, abaixando a cabeça.
Eu ainda estava usando maquiagem por conta da boca dele no meu pescoço e ombros.
- Senhor Casanova, bem-vindo! – a mulher derreteu-se na frente dele, sendo que não havia colherinha ali, em lugar algum.
Revirei meus olhos. Quarenta minutos atrasado e ainda queria dar o show dele, mostrando-se gentil e cheio de sorrisos para todos os lados. E eu ali, morrendo de fome, com a bexiga cheia e uma cólica que quase me fazia gritar de dor.
- Por favor, sentem-se mais para frente. – A mulher pediu.
Tentei andar normal, mas era impossível não me contrair. Sentei-me bem na frente. Queria que aquilo acabasse logo para eu poder ir para casa, me encher de bolsas de água quente e deitar, no escuro, até passar.
Outra mulher que estava na sala, mas não havia conversado conosco ainda, trouxe uma cadeira estofada para o CEO.
- Obrigado, mas não precisa. Vou sentar aqui... Junto dos candidatos. – Ele disse, sentando ao meu lado.
Senti meu coração acelerar e apertei a caneta com força entre meus dedos. Minha esperança era que ele não lembrasse de nada do que houve na noite de segunda.
- Como prefere que sejam as apresentações, senhor Casanova? – a mulher perguntou.
- Individuais.
Não resisti e fiz uma breve comemoração sem emitir som, a qual ele sorriu e balançou a cabeça.
Ei, seu desclassificado... O que houve com você? Foi chupado intensamente nos últimos dias para seu humor mudar? Sou eu, a senhora Bongiove, o terror da sua vida.
- Tudo bem com você? – ele perguntou, não me olhando, enquanto colocava uma perna cruzada descansando sobre a outra, com o joelho quase por cima de mim.
- Por que não estaria?
- Você está pálida... E muito quieta.
- Você não me conhece.
- Não? Então, por que faz dias que só sonho com uma tatuagem do Bon Jovi? – me encarou.
- Sonho... Só sonho... – virei para o outro lado e percebi que chamávamos a atenção dos demais candidatos.
- Cada um tem dez minutos para mostrar seu trabalho. Senhor Casanova, quer escolher a ordem dos candidatos?
- Claro... – ele pegou a lista com os nomes e foi dizendo aleatoriamente. O meu ficou por último.
Embora estivéssemos lado a lado, eu não me atrevi a olhar para ele. Também não tinha certeza se ficar por último era bom ou ruim... Mas tinha confiança no meu projeto para apresentar.
Dez minutos para cada um consistiria em quase uma hora esperando.
A primeira começou a apresentação. Minha dor estava mais intensa e eu precisava tomar outro comprimido. Sair dali era a última opção.
Sabia que não poderia interromper, mas não tinha o que fazer. Levantei a mão e todos me olharam:
- Eu... Sinto muito interromper, mas vou pegar um copo de água. Não quis levantar sem avisar... Para que não pensassem que estou fazendo pouco caso com a apresentação da colega.
- Não pode esperar para saciar sua sede, senhorita Novaes? – a mulher já sabia até o meu nome. Isso não era bom.
- Não estou com sede... Preciso tomar um analgésico. – expliquei.
- Traga água para a candidata, senhorita Macedo. – Heitor Casanova pediu secamente.
Em pouco tempo foi trazia um copo de água numa bandeja, especialmente para mim. Abri a bolsa e retirei mais dois comprimidos. Olhei no relógio e não havia dado o intervalo de tempo que precisaria entre as doses, mas era impossível suportar mais.
Tomei os dois comprimidos de uma vez e alguns goles da água para descer pela garganta.
A mulher voltou a apresentar.
- Então não está tudo bem... Ou não tomaria remédios. – Heitor falou baixo, virando na minha direção, sem me olhar novamente.
- Por que se preocupa?
- Por que não deveria?
- Porque você não se preocupa com nada. Quer... Me desestabilizar antes da apresentação?
- É isso que pensa de mim? – agora ele me olhou diretamente.
- Sim. – Fui sincera, voltando a olhar para a moça que tentava chamar a atenção, mas não conseguia.
A mulher que estava orientando o processo não desviava os olhos de mim e eu imaginei que só não estava expulsa dali porque era Heitor que conversava comigo.
As demais apresentações seguiram e minha dor se estabeleceu num nível forte, mas suportável. Os comprimidos fizeram não chegar no nível “hard”.
O quarto candidato era o que quase foi a minha dupla. Enfim, em dez minutos eu estaria apresentando o meu projeto. Tudo que eu queria era ir embora logo.
Assim que começou a falar, minha atenção voltou-se rapidamente para ele. O desgraçado simplesmente estava falando a minha ideia, que compartilhei com ele.
Enruguei a testa e fiquei encarando-o enquanto colocava o dedo no ouvido, só para ter a absoluta certeza de que ele estava me plagiando.
Levantei e apontei o dedo para ele:
- Você é muito cara de pau. Vou matá-lo, seu desgraçado.
Avancei na direção dele, preste a acabar com sua raça quando Heitor Casanova segurou-me, impedindo que eu acabasse com o delinquente roubador de ideias.
- Calma, Bárbara. – Ele disse no meu ouvido, enquanto me segurava junto de seu corpo com força.
- Esta ideia era minha. – gritei, tentando me soltar, em vão.
- Como assim a ideia era sua? – o rapaz falou, preocupado, fingindo que eu era uma louca. – Tenho tudo anotado aqui, senhorita Novaes. Consegue provar que a ideia é sua? É possível que tenhamos a mesma ideia? – questionou.
Olhei para meu papel, somente com riscos e rabiscos, porque era assim que eu conseguia colocar as ideias em ordem. Sem contar que aquilo de alguma forma fazia com que eu suportasse a dor, como se as linhas em horizontal, vertical e diagonal fossem um remédio que me acalmava. Tinha algumas fotos de rótulos retiradas da internet, como base, enquanto o desclassificado montou todo meu projeto escrito e gráfico.
- Senhor Casanova, esta mulher tem criado problemas desde que entrou aqui. – falou a orientadora do processo de seleção.
Heitor me soltou. Virei-me para ele, que disse:
- Por que não me surpreendo com isso, Bárbara?
- Você precisa acreditar em mim... Embora eu não tenha anotado aqui, esta ideia foi minha. Eu juro. Ele queria embalar o chope com sabor da Babilônia e vender em garrafas no mercado popular.
Heitor riu e balançou a cabeça:
- Ideia ridícula.
- Foi exatamente o que eu disse para ele. – Alterei a voz. – Por isso desisti de fazermos juntos, porque não concordei com nossa segunda opção de projeto, que era o dele. Precisam acreditar em mim. – Tentei, observando os olhares acusadores.
- Deve haver câmeras que provem quem de nós está mentindo. – falou o roubador de ideias.
- Eu não tenho dúvidas de que a senhorita Novaes possa estar enganada. – Uma das candidatas falou. – Sei que não pediram minha opinião, mas desde que ela chegou pareceu estar tentando acabar com o processo seletivo.
- Ou mesmo nos desestabilizar emocionalmente. – Outra concordou.
- Que porra é essa? Complô contra mim? Foi você que organizou este circo? – olhei para Heitor. – A vingança contra o Maserati... – Balancei a cabeça, rindo ironicamente.
- Acha mesmo que o mundo gira em torno de você? – ele foi debochado. – Não soube sequer aproveitar a oportunidade que meu pai lhe deu, pondo tudo a perder com uma mentira.
- Você acha que eu não teria capacidade de montar um bom projeto? – sorri, com escárnio.
- Não acho nada, afinal, “não conheço você”.
- Desclassificado.
- Louca.
- Senhor Casanova, quer que eu chame os seguranças?
Eu ouvi a voz dela longe. Senti uma cólica tão intensa que a náusea veio junto e tudo girou. Eu sabia que iria cair... Ou desmaiar... Tentei focar em Heitor Casanova, para não me machucar com a possível queda no chão. Mas não sei se acertei a mira, porque apaguei por completo.