Capítulo 26
1971palavras
2022-12-24 14:37
Eu e Ben chegamos ao Hazard em torno de dez horas da noite.
O Hazard era um bar simples, mas bem frequentado. Começava com Happy Hour e seguia até quase amanhecer o dia com bebidas, música no jukebox, mesa de sinuca e vez ou outra nos finais de semana Karaokê ou bandas cover.
Na maioria das vezes, era frequentado por pessoas com boas condições financeiras e sociais, exceto quando um amigo resolvia pagar alguém de fora para seduzir jovens inocentes e lhes oferecer prazer a perder de vista. Poderia ter este tipo de gente também, camuflado entre os de bom coração.
- Precisa de dinheiro, Babi? Eu tenho para nós dois. Não quero que gaste do seu. Eu convidei, eu pago.
- Nem pensar. Eu tenho.
- Sei que está dura, amiga.
- Não mais. Vendi um blazer no mercado negro. – Pisquei.
- Bárbara Novaes... Sua louca de pedra. E se o Casanova quiser o casaco?
- Ele nem vai lembrar... Aquele... Desclassificado dos infernos deve ter vários iguais.
- Dos infernos você quer dizer por causa do fogo, não é mesmo? Porque você bem que se aproveitou do diabo em pessoa... Diabo com cruza de vampiro. – Ele gargalhou, jogando a cabeça para trás, mostrando todos os dentes brancos, pequenos e bem alinhados.
Sentamos numa mesa próxima da Jukebox. Eu fui até lá e coloquei uma moeda e pedi “Always”. Quando sentei, Ben escorou a cabeça nas mãos, que se apoiavam com os cotovelos na ponta da mesa.
- Música deprimente... De fim de balada... Quando você não pegou ninguém e só lhe resta cortar os pulsos. – Ele revirou os olhos.
- Hoje é noite de foda, baby. – brinquei.
- Não é sexta-feira.
- Todo dia é dia de foda.
- Olha quem falando... A que não fode há mais de dois anos.
- Sexo oral não é foda?
- Não mesmo... É preliminar.
- E se a noite toda foi só sexo oral?
- Preliminar... Sem liminar. Será que isso está certo? – ele arqueou a sobrancelha e logo seus olhos se iluminaram.
- Ben?
- Me junta de colherinha. – Ele suspirou.
Virei para trás e vi Tony entrando. E atrás dele Sebastian Perrone... Mais lindo do que nunca.
Tony era alto, corpulento e musculoso. O rosto era fino e os cabelos morenos penteados para cima. Tinha uma barba espessa e os olhos escuros.
Observei o olhar dele para Ben e não via nada a não ser paixão e interesse, que mal conseguia esconder. Então por que a porra do homem não assumia de vez o meu amigo? Enfim, eu não conseguia antipatizar com ele. Ainda mais vendo o olhar de Ben, que só faltava sair coraçõezinhos.
- Oi, Ben... Que coincidência. – Ele disse, olhando fixamente para meu amigo. – Bárbara, tudo bem?
- Oi, Tony.
- Sebastian... Tudo bem com você? Quanto tempo, senhor Perrone. – Ben ironizou.
Os olhos de Sebastian Perrone encontraram os meus. Ele fez um aceno de cabeça, me cumprimentando. Acenei, fingindo desinteresse, sem mostrar os dentes.
- Sentam conosco, não é mesmo? Ou vieram tratar de negócios num bar com bebidas alcóolicas e música? – Ben perguntou.
- Sentamos com vocês. – Sebastian disse. – Já falamos de negócios. Agora viemos beber um pouco e nos distrair. Foi um dia cheio.
Fui para o canto, deixando um lugar para ele no banco almofadado e Ben fez o mesmo para Tony sentar ao seu lado.
- Como foi sua viagem? – perguntei. – Tudo certo?
- Dentro do possível.
Ben e Tony começaram a conversar entre eles e aproveitei o momento para seduzir Sebastian Perrone. Ele é bonito... Quer dizer, ele é lindo, porra. E eu acho que posso estar um pouco carente de sexo, ou não teria dedicado meu precioso tempo pensando em Heitor Casanova e seus amassos no elevador.
- Problemas? – perguntei, enquanto bebia a cerveja gelada.
O barman veio atendê-los e os dois pediram uísque.
- Por que CEO’s só bebem uísque? – perguntei.
Ele riu:
- Não sabia que CEO’s só bebiam uísque. Mas particularmente, bebo porque é forte e depois de um longo dia de trabalho, reuniões de negócios, é a única bebida que me traz uma certa sensação de alívio.
- Acho o gosto ruim.
- Não deve ter provado um bom uísque. Este aqui, por exemplo, não é dos melhores. Mas o que eu tenho em casa é simplesmente a melhor bebida do mundo... Depois do vinho, é claro.
Virei-me em direção a ele, recostando as costas na parede e o encarei:
- Acho que vou ter que provar o uísque que você tem em casa, senhor Perrone.
Ele riu e balançou a cabeça, bebendo todo o líquido de uma vez, fingindo-se de desentendido.
- O que tem de errado com você, Sebastian? Por acaso você é gay?
Talvez eu tenha perguntado alto demais. Vi Tony e Ben nos olhando, confusos.
- Tony... Que acha de... Escolhermos uma música... E... Gosta de sinuca? – propôs, certamente para me deixar a sós com o CEO da Perrone.
- Claro. – Tony levantou imediatamente.
A área da mesa de sinuca era o lugar de “pegação” e todo mundo sabia disso. Mas como Tony e Sebastian não eram frequentadores tão assíduos, talvez o homem que acompanhava Ben realmente estivesse disposto a tentar colocar as bolas nos buracos.
- Eu não sou gay, Bárbara. – Sebastian me encarou.
“Bárbara” vindo dele não me deixou arrepiada. E nem tinha tanta força e virilidade quanto vindo de Heitor Casanova.
- Me chame de Babi, por favor. Estamos num bar, então vou fingir que nunca fiz uma entrevista para trabalhar na sua empresa. E aceito que está me rejeitando deliberadamente.
- Eu... Gosto de mulheres.
- E eu não faço seu tipo, isso? Meu Deus, desculpe. Estou sendo ridícula, não é mesmo? Confesso que estou... Carente... Sei lá. - Comecei a rir, para não ficar ainda pior minha situação tentando seduzir o homem.
Ele pegou minha mão:
- Está tudo bem, Babi. A questão é simples: não me envolvo com mulheres entre 25 e 30 anos.
Eu gargalhei:
- E que sejam loiras, que tenham olhos azuis, cabelos compridos, que tenham um amigo gay... E se chamem Bárbara? – retirei a mão debaixo da dele.
- É complicado, Babi.
- Eu... Não tenho nada a ver com a sua vida, Sebastian.
Ele me abraçou, repentinamente:
- Eu gosto de você... E nem sei ao certo porque... Afinal, você é uma mulher completamente maluca e diferente de todas que já conheci.
Me senti acolhida. E gostei do abraço dele. Ficou nítido a falta de interesse sexual dele em mim. Talvez pudesse surgir uma amizade... Daquelas que você só é amigo quando vê a pessoa no mesmo lugar, quando se encontram coincidentemente... Passando disto, nunca se conheceram na vida.
Me afastei:
- E então... Viu sua família?
- Sim. Mas isso não chega a ser uma coisa boa. – Sorriu, parecendo distante.
- Você... Tem algum problema de relacionamento mau resolvido? – perguntei.
- Tipo o seu com o ex que morreu?
- Sim... Mas só para constar: eu não matei ele.
Ele enrugou a testa:
- Eu não cogitei isso.
- É que o desclassificado do Heitor Casanova disse com todas as letras que achava que eu matei o meu ex.
Sim, aquele que me agarrou no elevador dias atrás e eu gostei. Aliás, eu odeio ele, mas a pegada não tem igual. Acho que posso gozar com um beijo dele. Caralho, eu estava mesmo pensando nele de novo?
- Heitor Casanova... – ele balançou a cabeça. – É um babaca sem noção. Playboy, mimado, irresponsável...
- Tarado, metido, safado, asqueroso, desprezível... – ele colocou os dedos nos meus lábios e me encarou:
- Já entendi.
Fiquei calada, até envergonhada por ter alterado a voz enquanto disseminava o que eu achava do CEO da North B.
- Por que você não gosta dele? Negócios? Afinal... Vocês trabalham de frente um para o outro. Mas a North B não produz vinhos. Então... Vocês são rivais?
- Exatamente como você disse, ele não produz vinhos então não somos rivais nos negócios. Mas estudamos juntos... Praticamente todo o tempo da faculdade. E além de não nos simpatizarmos desde o primeiro encontro, tivemos um desentendimento por causa de uma garota.
Arregalei os olhos:
- Jura? Então... Vocês gostaram da mesma mulher? Heitor Casanova gostou de alguém um dia?
Ele riu:
- Claro que não. Heitor não sabe gostar de outra pessoa a não ser dele mesmo.
- Mas você gostou... E ele tomou-a de você?
- Não... Ele não tomou ela de mim. Mas eu não quero conversar sobre isso. Ainda machuca muito.
- Assunto encerrado, senhor CEO. – brinquei.
- E então... Conseguiu o emprego para o qual a encaminhei?
- Você não soube o que aconteceu?
Ele arqueou a sobrancelha:
- Não.
- Bem, eu pedi para sua secretária dar o recado... Para você me ligar. Deixei o número com ela, inclusive.
- Ela não me deu o recado. Mas pode deixar, que conversarei seriamente com ela amanhã. Ela não pode decidir os recados que julga importantes ou não. Quem faz isso sou eu.
- Eu achei mesmo que ela não daria o recado. Mas Tony não contou? Que eu procurei por você?
- Não. – Ele olhou para o fundo do bar, vendo Tony e Ben sentados lado a lado sobre a mesa de sinuca. – Desde que ele conheceu seu amigo ele tem estado bem estranho.
- Estranho de que jeito?
- Distante... E querendo estar o tempo todo onde Ben está. A questão é: eu sei que Ben curte homens. Mas Tony gosta de mulheres. Ao menos, sempre foi assim.
- E se agora ele descobriu que gosta de homens? Ou melhor, talvez ele esteja gostando de um homem em especial... Que na verdade, é mulher. Ben nunca foi homem. Foi um erro ao nascer... Botaram um pênis no lugar de uma vagina. E meu amigo é a pessoa mais incrível e especial que alguém pode conhecer: fiel, divertido, parceiro, honesto...
- Não me importo com a opção sexual dos dois. A questão é que tem uma pessoa no meio: a noiva de Tony. E existe sentimentos por parte dela.
- Você a conhece?
- Sim. Como eu disse, sou amigo de Tony.
- Acha que ele pode enganar meu amigo, se aproveitar dele e no fim não deixar a noiva?
- Creio que seja a primeira experiência dele com alguém do mesmo sexo. E se ele não gostar?
- Isso ocorre o tempo todo, Sebastian. E não precisa ser com pessoas do mesmo sexo. Eu posso ficar com você e não gostar... Ou não gostar de você, especialmente e... Gostar de ficar de você... Do seu toque... Da sua... – balancei a cabeça. – Esquece. Não acho que deva se meter na relação dos dois. São adultos.
- Eu sei... Mas ainda assim me preocupo com quem pode sofrer neste meio.
- Pode ser Tony, pode ser a noiva e pode ser o meu Ben. Não há o que fazer.
- Mas me conte... Afinal, por que você não foi atrás do emprego? Achei que encontraria você trabalhando quando retornasse.
- Eu fui roubada naquela noite. Pelo homem que estava aqui... – apontei para o lugar onde vi Tales pela primeira vez.
- O que saiu com você do Hazard naquela noite?
- Ele mesmo. Era um prostituto.
- Um prostituto? – ele me olhou, confuso.
- Uma longa história... Mas ok, vamos lá, vou contar tudo. E talvez assim, você me dê de volta o cartão.
Ele olhou no relógio:
- Quase meia noite... Tenho tempo. Amanhã é só quarta-feira. – Riu.
- E eu só uma desempregada... Que tem dinheiro porque vendeu um casaco caríssimo.