Capítulo 25
2680palavras
2022-12-24 14:36
Na terça-feira, Salma chegou em casa com o envelope, no final da tarde. Já sabíamos que ali estava o resultado do sexo do bebê.
Sentamos todos em volta da mesa, nos olhando, ansiosos.
- E você foi ao médico? – perguntei.
- Sim... Minha barriga começa a crescer um pouco. E em breve vou ter que me afastar da Babilônia.
- E... Como vai ser? – perguntei, curiosa.
- Vou atestar e continuar recebendo. Além do mais... Tenho uma grana guardada. E... Dinheiro não vai mais ser meu problema depois que o bebê nascer.
- Babi... O pai é rico? Isso? – Ben perguntou.
Ela assentiu, enquanto abria o envelope:
- Mas foi produção independente. Embora... O ato tenha sido realizado. – Disse, nos deixando ainda mais confusos.
Era possível produção independente com ato sexual? Seria minha próxima pesquisa no Google.
Eu e Salma sempre fomos melhores amigas, desde pequenas. Nosso sonho de morar juntas aconteceu sob protesto de Jardel. E mesmo ela odiando-o, aceitou-o na nossa casa. Fiquei mais tempo do nosso relacionamento junto dele do que na concretização do sonho de amigas de infância: construir uma vida independente.
Na nossa cabeça, dividiríamos um apê na capital, seríamos ricas e dormiríamos com todos os homens que quiséssemos. No fim, a vida de adulta não era nada do que imaginamos. Vinha com responsabilidades, necessidade de dinheiro para contas básicas, homens ricos não apareceram nas nossas vidas e encontrar emprego na capital era tão ou mais difícil que na nossa cidadezinha de interior.
Eu passei muito tempo naquele relacionamento tóxico que fodeu comigo. E ela foi dançar numa caixa de vidro, que pagava bem pra caralho por algumas horas de serviço. Salma tinha sonhos, mas também não os concretizou. Optou pelo dinheiro em primeiro lugar. Embora ela negasse, eu tinha minhas dúvidas se minha amiga dormia com homens por interesse. Mas nunca a julguei... Simplesmente porque eu a amava de qualquer jeito. Ela também me aceitou como a babaca que me tornei ao lado de um desclassificado, por tantos anos.
Por algum motivo, ela não se abria comigo completamente. Nos amávamos, mas ela mantinha sua vida amorosa mais sigilosa do que eu e Ben, que compartilhávamos tudo, com detalhes. Sabíamos que ela era uma viciada em sexo e saía com vários homens diferentes. Então o fato de ela estar mais caseira, mesmo antes da gravidez, também me causou estranheza, como se ela estivesse se preparando para ser mãe.
- E então? – Ben perguntou, curioso.
Ela encheu os olhos de lágrimas:
- É uma menina.
- Eu... Eu não sei o que dizer. – Senti as lágrimas descendo pelo meu rosto e olhei para Ben, que também não aguentou a emoção.
Fui até ela ao mesmo tempo que Ben e a abraçamos, um de cada lado, enquanto ela permanecia sentada, olhando para o papel em suas mãos carinhosamente.
- Já temos um nome para nossa filha? – Ben fungou, limpando as lágrimas.
- Sim... Ela vai se chamar Maria Lua. – Ela botou a mão sobre o ventre.
Me abaixei na altura da barriga dela e coloquei minha mão sobre a sua:
- Bem-vinda, Maria Lua. Saiba que já te amamos. Você agora faz parte da nossa família... A mais louca, mas mais perfeita do mundo.
- Vamos comemorar no Hazard. Hoje você vai faltar o trabalho. A sua caixa de vidro ficará vazia. – Ben disse levantando, alegre, saltitando pela cozinha.
- Não posso... Se eu não entrar na minha caixa, alguém entrará por mim. E posso perder meu emprego, caso ela seja melhor, entendem?
- Mas Salma, em breve você terá que sair... Sua barriga já está crescendo.
- Sairei quando for necessário. Enquanto der, vou disfarçar. Eu preciso deste emprego. Não é o que eu sempre sonhei, mas é tudo o que eu preciso para viver uma vida digna... E dar o que minha filha precisa. Ela não se privará de nada, como um dia eu me privei na infância... E até hoje.
- Ok... Você está certa. Então... Eu vou comemorar com você, Ben. Nossa bebê está a caminho. E ela já tem nome. – Pulei alegre, sentindo meu coração cheio de amor, antes mesmo de ver aquele serzinho que estava dentro do útero da minha amiga.
Me apeguei tanto à barriga de Salma e sentia como se o bebê dela realmente fosse “nosso”. Talvez pelo fato de haver uma grande possibilidade de eu não poder engravidar.
- Você querendo ir comigo ao Hazard? Só se for agora. – Ele me deu um beijo.
- Então aproveitem e comemorem por mim e por nossa bebê. Vou tomar um banho porque logo tenho que partir para arrasar na minha caixa de vidro. – Salma piscou.
Coloquei um vestido curto preto, simples e meu sapato rosa pink de Barbie. Uma base reforçada e duas camadas de pó cor da pele e as marcas no meu pescoço e ombros estavam escondidas.
Fiquei parada me olhando no espelho. Virei meu pescoço e realmente não havia vestígios depois da maquiagem. Fechei meus olhos e veio à minha mente a imagem daquele desclassificado me tocando... E meu corpo completamente entregue, sem obedecer a meus comandos, como se ele fosse o meu dono.
Jamais imaginei sentir aquilo na vida... Ou que meu corpo fosse capaz de produzir tantas sensações com um simples toque... Como se eu precisasse dele dentro de mim, além daquelas carícias que me faziam arder em fogo.
O prostituto ladrão me fez gozar repetidas vezes. Transei muito com Jardel, por vontade própria, sem vontade e também à força. Na primeira vez que ele me obrigou a fazer sexo, mesmo eu não querendo, fiquei completamente sem chão. E jurei que nunca mais ia acontecer. Mas aconteceu... Tantas outras vezes que nem pude contar. Então eu me fechei completamente ao prazer. Quando ele me tocava, todo meu corpo ficava como uma pedra de gelo e eu só queria que o tempo corresse rápido para aquilo acabar.
Sempre achei que as dores que eu sentia no ato do sexo eram porque eu não sentia prazer... Nem antes, nem depois. Muitas vezes era penetrada sem sequer estar úmida, o que fazia com que tudo fosse ainda pior. Hoje eu sabia que grande parte da dor poderia ser por causa da endometriose.
Foram tempo horríveis, em que deixei se ser “eu”, para viver em função de outra pessoa. E quando deixei de gostar dele, seguia pela família... Que acabei me apegando como se fosse minha. Ana e as crianças eram tudo para mim. Ela me acolheu como filha. Eu não sei se algum dia tive esperanças de que Jardel pudesse mudar... E tudo voltar a ser como era antes.
A questão é que hoje eu tinha certeza que o “antes” também não era tão bom... E ainda tentava entender exatamente o sentimento que me prendeu a ele... E o que me fez tolerar tantas coisas com meu corpo... Com minha mente... As mentiras, a violência, a dor, a tristeza, as lágrimas.
Eu podia dizer “não”... Ben e Salma me incentivavam a dizer. E eu dizia. Mas isso nunca resolveu. Porque era necessário um “basta”... “Não” já não era suficiente. Jardel me tinha nas mãos... E o medo me fazia sempre voltar atrás, as ameaças contra mim, minha avó, meus amigos e a possibilidade de ele fazer da vida das pessoas que eu amava um inferno. Eu vivi oito anos da minha vida ao lado do diabo em pessoa. E sobrevivi. Ilesa? Não. Viva? Sim.
Por isso hoje, quando eu olhava a minha imagem, eu sabia que era uma vencedora. E entendia a violência que tantas mulheres sofriam. E eu as reconhecia pelo olhar... Triste, amedrontado e sem esperança. Porque um dia eu tive aqueles mesmos olhos.
Houve um tempo que eu achei que poderia também usar do mesmo veneno dele, já que a minha vida não tinha mais sentido algum. Eu vivia por ele... Por que não entrar no mundo de Jardel?
Por sorte algo em mim foi mais forte e me mostrou que o caminho pelo qual eu estava indo não era certo.
Quantas vezes Ben e Salma tentaram me salvar. Mas eu não tinha forças para ouvi-los. Então houve um tempo que eles desistiram de mim... E Jardel se foi. Uma overdose fatal, numa rave embalada a orgias, todos os tipos de drogas... Onde o principal objetivo de todos era usar tudo que conseguisse por 24 horas sem parar.
As traições neste tempo foram dos males o menor. Eu tinha esperanças que ele pudesse se apaixonar por qualquer vagabunda que ele comia nos becos escuros, sujos e fedorentos que ele frequentava. Mas isso nunca aconteceu. Ele sempre voltava pra mim... E nunca deixou de dizer que me amava.
Senti lágrimas escorrendo pelo meu rosto, grossas, quentes, doloridas. Eu jamais chorei a morte dele... Nem a tristeza de tudo que vivi naqueles anos.
Sempre mantive na cabeça a ideia de que eu fiz a escolha e deveria sofrer as consequências.
Tenho certeza de que viveria até meu último suspiro sem entender o motivo de tudo... E por que deixei de ser eu mesma por tanto tempo. Ou talvez aquela era eu mesma e hoje, na verdade, eu era outra pessoa.
A vida antes disso não foi às mil maravilhas. Minha mãe sempre de um duro danado para me sustentar. E nunca pediu ajuda para ninguém.
A triste vida que eu vivi ao lado de Jardel, talvez ela tenha vivido com o homem que a engravidou. Eu nunca soube nada sobre ele.
Mas jamais me faltou carinho, amor e atenção ao lado dela, que sempre fez tudo por mim. E hoje eu sabia que ela tinha uma família com posses. Mandy não era rica, mas tinha uma vida financeira estável. E pelo que eu soube, na época que meu avô era vivo, os tempos eram ainda melhores. Eu não o conheci também. Quando fui parar no sítio, somente Mandy morava lá.
Eu não sabia o que houve no passado, tão horrível, a ponto de mamãe abandonar tudo e viver só por mim. E não tinha interesse em saber. Já sofri muito para tentar resgatar mais tristezas na minha vida.
Olhando Mandy e sabendo hoje como ela era, ficava a me perguntar se aquela mulher era capaz de fazer mal a alguém. Ela tinha um coração tão grande, era compreensiva e amorosa. E sempre que falava de minha mãe, eu sabia que existia sim amor dentro dela. E arrependimento, embora poucas vezes ela admitiu isso.
Então, meu pai poderia estar vivo, preso, morto, ser casado, ter outros filhos... E isso nunca me interessou. Tirei ele da minha vida como ele me tirou da dele.
Eu poderia, depois de tudo que vivi, ser amarga e querer que o mundo se fodesse. Mas não... Eu só culpei Deus, que virou as costas pra mim. E quando saí do funeral de Jardel, jurei para mim mesma que eu seria outra pessoa... E jamais alguém me faria sofrer novamente, me ter da forma como ele teve: sem reservas.
Por dois anos tentei reorganizar minha vida. E foi muito difícil. Eu precisava de um tempo para mim mesma... E então me reencontrei. E descobri que eu não precisava de ninguém para ser feliz. Eu só precisava de mim. Ninguém seria capaz de me amar se eu não me amasse em primeiro lugar.
Foi assim que decidi não deixar mais palavras sem dizer, entaladas dentro de mim, fazendo com que eu adoecesse... Por medo... Opressão.
Tirando as questões sexuais, que ainda me deixavam confusa e insegura, as demais eu consegui resolver. Bárbara Novaes tinha sua personalidade formada, seus sonhos, seus desejos, suas ambições e suas lutas internas só ela sabia como resolver. Um pouco de imaturidade certamente vinha junto da perda mãe cedo e do relacionamento ainda na adolescência. Fui mulher antes do tempo... Fui adulta quando assumi uma pessoa que me dava mais trabalho do que se eu tivesse filhos.
Eu tinha 27 anos... Dormi com um homem na vida e foi o meu primeiro namorado, Jardel, o que tirou-me a virgindade. Não tenho certeza se gozei alguma vez com ele... Ou talvez isso aconteceu tão no início do nosso relacionamento que eu nem lembrava mais como era. Mas teve o prostituto que me roubou. E sim, ele me fez gozar repetidas vezes, sem sequer me penetrar, sem eu nem tocar no pênis dele. Então, me roubar foi o de menos. O que era uma bolsa com dinheiro, cartão e celular para quem gozou mais de duas vezes na mesma noite?
E vem Heitor Casanova, atrevido, tarado, tão imaturo ou mais do que eu, “comedor de mulheres”, acostumado a ser satisfeito de prazer, pois ele mesmo disse que “todas” queriam chupá-lo... Certamente havia transado com mais mulheres do que o número de vezes que eu fiz sexo na vida. E do nada, ele me faz redescobrir o prazer, o desejo... De tocar e ser tocada... A pele queimar, arrepiar... O frio na espinha, passando para o estômago, que só senti há muitos anos atrás, que nem mais lembrava como era. E eu detestava ele. No entanto a forma como ele me tocou foi... Diferente. E tudo isso em minutos... Como se tivessem sido horas.
Porra, eu queria tocá-lo... Por que não o fiz? E o beijo que ficou por ser dado? Sim, teríamos nos beijado se não fosse a porra do elevador voltar a funcionar. Meu Deus, quem era eu, pensando como se o fato de não ter sentido o gosto dele fosse ruim...
- Babi, foi bom você não ter beijado ele... Nem o tocar. Heitor Casanova pode ser pior que Jardel. E você mesma sabe que isso é impossível...
Ben abriu a porta e me olhou pelo espelho. Eu ainda estava com a mão no pescoço, sobre a marca que havia escondido.
- Não me diga... Que está pensando nele.
- Claro que não. – Virei-me, tentando disfarçar todos os meus sentimentos naquela hora. – Só estava verificando se ficou bom... E escondi tudo.
Ele levantou meus cabelos e disse:
- Ninguém perceberá que Heitor vampiro esteve aqui. A não ser que você durma com alguém... Então não tome banho. Ou o faça chupar nos mesmos lugares, para que pense que foi obra dele e não de outro.
- O ombro foi uma mordida... Não foi um chupão.
- Meu Deus, Babi, transar com este homem deve ser a melhor coisa do mundo. Ele a deixaria dias sem caminhar, de tantas vezes que foderia você... Sem contar as marcas de amor e tesão. Eu curto isso... Você não?
- Eu... Não sei.
- Como assim não sabe? Você consentiu que ele fizesse isso, não é mesmo?
- Sim... Na hora eu quis... Muito. Mas agora... Me sinto uma idiota por ter deixado ele me tocar. Ele estava bêbado, Ben.
- Por que ele quis marcá-la desta forma... Se vocês nem transaram?
- “Quando o efeito do álcool passar, terá uma marca para lembrar que isso realmente aconteceu, Bárbara...” – estas foram exatamente as palavras dele.
- E você decorou? Não, Deus... – ele olhou pra cima, juntando as mãos. – Não faça minha amiga sofrer... Ela não merece. Poe este carma na minha vida... Tire da dela.
- Está tudo bem... Eu não me apaixonaria por aquele desclassificado. Nunca... Só lembrei porquê... Eu sou boa de memória.
- É? – ele estreitou os olhos. – Que roupa eu estava usando ontem?
- Bobo.
- Só digo uma coisa: um homem como Heitor Casanova não chupa mulheres em elevadores... Ele é chupado. Ele transa amiga. Ele é o tipo que enfia o enorme pau em você para se satisfazer e gozar... E não se importa se você gozou ou não. Bêbado ou não, ele quis prová-la, Bárbara... Intensamente. Ou teria levado sua boca ao pau dele e pronto. Não foi uma rapidinha no elevador... Foi muito mais que isso. Porque não teve sexo, amiga. Lembrando que ele “não gosta de você”... Porque se gostasse faria o que? Mandaria jogarem flores de um helicóptero e a levaria pra jantar numa ilha deserta?