Capítulo 23
2311palavras
2022-12-24 14:35
Foi tudo muito rápido e quando percebi a porta se abriu.
Não tinha ninguém ali, mas a música podia ser ouvida. Estávamos na espécie de sala, por onde eu havia subido com Allan anteriormente.
A luz forte foi um toque de realidade. Saí do elevador, com meu corpo estremecido e tentando encontrar as palavras certas antes de ir embora.
- Finalmente. – Sorri, sem olhar nos olhos dele. – Eu... Preciso ir.
- Não pode sair com o vestido assim... Aparece todo seu corpo.
Parei, sem saber o que fazer. Ele retirou o casaco e colocou sobre meus ombros:
- Creio que isso resolva um pouco. Mas posso pegar um vestido de Milena se você quiser.
- Não... Não precisa. Obrigada pelo casaco... Eu... Mando devolver. – Fui saindo.
Ele foi atrás de mim, pegando meu braço. Quando me puxou, fui obrigada a encará-lo.
- Bárbara... Eu...
A porta se abriu e Celine, que agora eu sabia que não era a mãe verdadeira dele, apareceu. Os olhos dela foram diretamente à mão dele sobre meu braço e ela não disfarçou a insatisfação:
- Ainda por aqui, senhorita Novaes? Achei que tivesse ido embora há um bom tempo, afinal, não tem convite para esta festa. Heitor, querido, onde se meteu? Milena está com dor de cabeça e quer dormir logo.
- Ela dorme com os olhos dele? – perguntei, me desvencilhando da mão de Heitor.
Celine me encarou, pensando no que dizer.
- Eu já estou indo. Fiquei até agora com o senhor Allan... A pedido dele. Mas sei que não fui convidada para esta festa, tampouco para esta casa. Foi um prazer conhecê-la, senhora... Como é mesmo seu nome? – arqueei a sobrancelha.
- Celine...
- Celine... Por um momento achei que você fosse a mulher pintada no quadro... Mas não. Vocês são bem diferentes fisicamente.
- Vou lhe mostrar o caminho da rua. Venha, por favor. – Ela foi ríspida.
- Meu pai não gostaria que você a tratasse assim, Celine. – disse Heitor.
- Você a tratou pior algumas horas antes. – Ela deu de ombros.
Celine abriu a porta e Anon 1 estava parado:
- Senhor Casanova? Procurei-o por toda parte. A Senhorita Connor acaba de chegar na residência. Em breve estará na casa.
- Você teve a capacidade de convidar Cindy para a festa? Colocou sua noiva e amante no mesmo ambiente? – Celine olhou furiosa para ele.
O desclassificado colocou a noiva e a amante no mesmo ambiente e ainda tentou me foder no elevador. Ah... E que tentativa! Tentou? Bem, não foi na verdade uma tentativa de sexo... Foram alguns toques picantes... Só isso.
Aproveitei a deixa e fui saindo rapidamente, enquanto os dois discutiam.
Heitor Casanova estava ferrado com a madrasta pelo visto.
Abri a porta de vidro e adentrei no ambiente dos convidados novamente. Enquanto passava pelas pessoas o mais rápido que podia, com o casaco enorme de Heitor sobre meus ombros, ouvi a voz dele me chamando.
Não... Não podia ser real. O que ele queria de mim? Eu não podia me meter naquela encrenca. Eu tinha discernimento entre o certo e o errado. E não, eu não estava bêbada, por mais que tentasse fingir que sim.
Mas ele estava. E amanhã certamente não lembraria de nada do que aconteceu.
Uma vez eu vi Jardel e pensei que poderia ser feliz e me apaixonei perdidamente. Perdi oito preciosos anos da minha vida sofrendo por uma pessoa que não merecia. Doeu de todas as maneiras possíveis e levei dois anos para conseguir me recuperar.
Então encontro um homem lindo no Hazard e decido não me importar com o dia de amanhã. “Sexo é sexo”, como dizia Ben. O desgraçado me roubou, fazendo eu ter certeza de que contos de fada não existem e quando a esmola é demais, sempre se deve desconfiar.
Agora eu fico trancada com Heitor Casanova no elevador, o homem mais desclassificado e desprezível do mundo e a gente quase se beija. Eu sabia que tinha uma placa vermelha com uma sirene ligada entre mim e ele. Por qual motivo eu avançaria, sendo que havia ainda várias luzes coloridas nela, escrito “PERIGO: NÃO SE APROXIME.”
Quase corri, tentando encontrar a porta de saída, como se eu tivesse correndo risco de morte. Até que enfim, vi o lugar por onde eu havia entrado. A mulher que tentou me impedir de acessar a casa não estava mais ali com a lista de convidados.
Respirei fundo o ar da rua. Desci os lances de escada e fiquei de frente para o círculo de flores, que em nada parecia um jardim. Aquele lugar era simplesmente gigantesco. E estranho.
Fui andando até chegar ao início da estrada estreita e asfaltada. Parecia ser um longo trajeto para chegar na guarita e encontrar o caminho que me tiraria daquele lugar.
Um automóvel parou ao meu lado. Era preto, de uma marca importada que eu nunca tinha visto circulando pela cidade. A porta se abriu e então a loira “do pau do meio do pole dance” desceu, me olhando dos pés à cabeça:
- Eu conheço você. – Disse.
- Eu... Acho que não. – Enruguei a testa, fingindo que ela estava errada.
- Reconheço uma vagabunda oferecida de longe. – Ela foi cruel.
- Imagino que sim... E sei o motivo: vagabundas se reconhecem entre si, não é mesmo? Neste caso, reitero: “não a conheço”. Deve estar me confundindo com outra pessoa... No caso, uma vagabunda.
- O que você faz aqui? Está atrás do meu homem?
Olhei para cima e fitei os olhos claros dela, os cabelos quase brancos, iluminados pela luz da lua. Ela usava um vestido vermelho tão brilhoso que eu tenho certeza que poderia ser visto do espaço por um satélite. Era tão justo que se ela espirasse poderia se abrir como o meu zíper. O salto era plataforma, vermelho e uma echarpe de pelos, também vermelha, “avermelhando” ainda mais o look dela, completo por um batom vermelho também, na boca tão grande que duvido que fosse realmente dela. E por coincidência, eu também usava vermelho, que... Quantas vezes eu disse “vermelho”? Acho que minha mente estava confusa e talvez eu estivesse um pouquinho bêbada.
- Seu homem? Está se referindo ao senhor Allan Casanova? Porque vim aqui por causa dele. Não sabia que você pegava Casanova pai e Casanova filho.
- Acha mesmo que eu sou boba? – ela riu. – Nada nem ninguém tirará Heitor de mim, entendeu?
- Tem tanto medo assim de mim? – olhei para cima, encarando-a ironicamente. – Pela sua segurança “no pau” enquanto dançava, achei que fosse mais dona de si e confiasse no seu taco. Ou será que acha que porque Heitor trai Milena com você, poderia trair você comigo?
- Eu não danço num “pau”, sua desinformada. E escute o que eu disse: esqueça o meu homem. – Ela colocou o dedo indicador quase na minha cara, me fazendo dar um passo para trás, amedrontada.
- Eu não estou atrás de Heitor.
- Senhor Casanova. – Ela me corrigiu.
- Ele me pediu para chamá-lo de Heitor, há poucos minutos atrás. – Confessei, de forma sarcástica. – Assim fico confusa, se faço o que ele mandou ou o que você pediu.
- Não brinque com fogo... Vai se queimar. – Avisou, em tom ameaçador.
- Não tenho medo de você. Mas se isso a deixa mais tranquila, eu não tenho nenhum interesse nele.
- Vai dizer que é coincidência encontrá-lo no corredor da Babilônia, na área restrita dele? Ou mesmo que foi até a North B. simplesmente fazer uma entrevista? Agora aparece aqui?
- Ele não mencionou o banheiro feminino do Restaurante?
Ela arqueou a sobrancelha.
- Ops, acho que ele não fala exatamente “tudo” para você. – Sorri, virando e seguindo pelo caminho que eu estava tentando fazer na hora que ela me parou.
Eu tentei aparentar tranquilidade, mas meu corpo tremia e o coração estava disparado. Nunca alguém me deixou tão amedrontada com ameaças do que aquela mulher.
Depois de um tempo, andando a passos largos, virei para trás e vi que ela já tinha ido embora.
Como Heitor Casanova tinha a coragem de colocar a noiva e a amante no mesmo lugar? Será que Milena sabia da traição? Será que... Eu ia conseguir esquecer a porra da boca dele na minha tatuagem do Bon Jovi? Ah Bon Jovi, me perdoe... Mas que boca aquele homem tem... E... Certamente ele me deixou marcada no pescoço e no ombro, para eu ficar com a lembrança dele me perturbando por uns bons dias.
Retirei os saltos dos pés e corri por um tempo, tentando apressar minha chegada ao portão da rua. Ainda assim só via árvores por todos os lados e postes baixos iluminando o caminho.
Mas por que Cindy chegou só naquela hora? Afinal, Milena estava cansada e pelo que Celine falou, queria dormir com o noivo... Que neste caso, dormia com qualquer mulher que aparecesse no caminho dele.
Será que ele dormiria com Milena, que literalmente “dormiria” depois do sexo e então em seguida ele sairia com Cindy? Ou dormiria com Cindy num quarto da mansão mesmo? Será que ele a noiva dormiam no quarto dele? Ou Cindy?
Enfim cheguei ao portão. Liguei para Daniel e perguntei se ele poderia me buscar e levar-me para casa.
Esperei um tempo na guarita, do lado de fora, até ele chegar. Assim que o carro estacionou, entrei.
- Você me ligando? Devo me sentir lisonjeado?
- Só chamei um motorista de aplicativo e apareceu você. – brinquei.
Ele me deu um beijo no rosto e partimos.
- Não sei se fico mais curioso por você sair desta mansão no bairro mais rico do país, ou pelo fato de estar usando um blazer masculino que deve valer o preço do meu carro.
- Não é legal ser curioso, Daniel.
- Mas eu sou... Muito. Principalmente quando se trata de pessoas com as quais tenho uma forte ligação.
- Não temos uma forte ligação. – Eu ri.
- Não você comigo, mas eu com você, neste caso.
- Você não existe, Daniel. Mas para matar sua curiosidade, encontrei uma carteira e vim devolver ao dono. Tive um acidente com meu vestido e ele me emprestou o casaco.
- Emprestou o casaco caro?
- Como sabe que é caro?
- Tem a marca no punho. – Ele levantou o tecido, me mostrando.
- Bem, a letra inicial diz tudo. – Toquei no tecido.
- Certamente ele vai buscar de volta. Ou... Recompensou você por ter devolvido a carteira.
- Acha que eu devo vender o casaco dele? – Questionei.
- Não... Se você devolveu a carteira do ricaço, não penhoraria o casaco.
- Folga de segunda? – perguntei, trocando de assunto.
- Sim... Além da folga de segunda, aniversário do dono da porra torra.
- Hum... Será que ele fez festa?
- Certamente. Neste caso, particular, com Cindy.
Senti uma certa raiva tomar conta de mim. Respirei fundo e disse:
- Estou cansada. E louca para chegar em casa.
- E como está Ben?
- Ele está legal. Saiu com um “peguete”, que parece estar enrolando-o.
- Coitado.
- O problema é que Ben se apaixona muito fácil. E isso o faz sofrer repetidas vezes.
- E você, Babi?
- Eu não me apaixono, Daniel. Não quero. Não estou aberta a sentimentos, como já lhe disse. Sinceramente, acho você gente boa. Por isso não vou enganá-lo. Então, se acha que pode me conquistar ou me fazer mudar de ideia por sua insistência, perde seu tempo.
- Babi, sua sinceridade ao mesmo tempo que destrói meu coração, faz ele bater ainda mais forte por você. Mas prometo não mais tocar neste assunto. Porque eu sei que um dia você vai esquecer este idiota do seu ex... E vai seguir com a sua vida. Afinal, ninguém é feliz sozinho. Todo mundo procura um amor.
- Eu não procuro um amor... Eu fujo dele. O amor me fez sofrer muito e levei tempo demais para me curar.
- Tem medo.
- Não sei o que tenho... Mas fugirei dele... O tempo que conseguir. E sim, eu sou feliz sozinha. Mas não fui feliz quando estava acompanhada.
Começamos a falar sobre outros assuntos, não focamos em mim, meu passado, presente e futuro. Então a conversa fluiu e pude ser menos séria com ele.
Assim que chegamos em frente ao apartamento, ele olhou a pichação na fachada e perguntou:
- Isso... É para você?
- O que acha?
- Que sim... – ele riu. – O senhor Casanova se prestou a mandar alguém vir até aqui fazer isso?
- Sim... Isso depois do cretino ficar com as joias da minha mãe.
- Ele deve ter ficado puto.
- Sim, ficou. Você... Quer entrar?
- Sim. – Ele me olhou.
- Eu perguntei por educação.
- E eu respondo com toda minha dedicação. – Ele riu. – Quero conhecer sua casa.
- Ok, vamos entrar. Assim você mata sua curiosidade e me deixa de vez.
Abri a porta principal e ele se dirigiu ao elevador. Comecei a rir:
- Isso aí não funciona, Daniel.
- Está estragado?
- Sim... A vida inteira. – Expliquei. – Escadas, bebê! Como acha que mantenho a boa forma?
Ele riu e balançou a cabeça, me seguindo pela escadaria.
- Não me diga que é no último andar.
- É no último andar. – Confirmei.
- Que porra de azar.
- Sim... Mas sou eu, então relaxa. Lembra daquela nuvem que te falei?
- Como esquecer? – ele riu.
Chegamos em frente ao meu apartamento e abri a porta. Não esperava encontrar Salma no sofá, assistindo televisão àquela hora da noite.
- Entre, Daniel.
Ele entrou e olhou para Salma.
- Vocês se conhecem, não é mesmo?
- A dançarina ruiva da caixa de vidro? – ele olhou-a, surpreso.