Capítulo 21
1982palavras
2022-12-24 14:34
- Me desculpe... Se machuquei seu braço. – Ele me soltou. – Não foi minha intenção.
- Me desculpe por ter quase encrencado você com sua namorada.
Ele me olhou e por um momento eu fiquei sem saber exatamente como agir. Porque eu não queria ter me desculpado. Mas a forma como ele pediu desculpas foi tão diferente de como sempre me tratou que me pegou de surpresa.
- Venha, Bárbara. – Allan disse, já distante de mim.
- Vou ver o que seu pai quer... E prometo deixá-lo em paz. – Sorri.
Virei e segui Allan. Realmente eu não queria mais confusão com Heitor e mais ninguém da sua família. Eu devia ter ouvido Ben e não ter ido pessoalmente até ali entregar a carteira.
Enquanto andava atrás de Allan, pedi:
- Posso levar sua cadeira?
- Levar minha cadeira de rodas? – ele riu. – Me viro bem, obrigada.
- Agora que me dei em conta que ela anda sozinha. Eu nem sabia que existia isso. Tampouco...
Parei de falar quando percebi que tinha um elevador dentro da casa dos Casanova. Ele abriu a porta e entrei com ele.
- Você tem um elevador dentro da sua casa? – não contive a minha boca.
- Como eu subiria as escadas? – Questionou, rindo.
Eu sorri:
- Verdade. E... Ele sempre funciona?
- Ontem chegou a dar uns probleminhas. Foi a primeira vez. Mas já fizeram a manutenção, então está tudo certo. Tem medo de elevadores?
- Não... Pelo contrário. É que moro num prédio de quatro andares e o elevador nunca funcionou. – Comecei a rir. – Agora explicaram que é muito antigo e não tem peças para a manutenção.
- E não me diga que você mora no quarto andar? – ele perguntou.
- Sim... – gargalhei. – Claro que sim.
A porta se abriu e saímos num corredor amplo e claro. Tinha várias portas e uma pequena sala envidraçada, de onde se via o andar inferior, com as pessoas aproveitando a festa do CEO filho.
- Quantos anos o seu filho está fazendo? – perguntei, curiosa.
- Trinta.
- Achei que ele fosse mais novo... Pela... Imaturidade.
Ele riu:
- Bárbara, Bárbara! Parece que conhece meu filho a vida inteira.
- Não... – falei, confusa. – Mas digo isso pelas atitudes dele... Nas poucas vezes que nos falamos. É tanta imaturidade que não tem como fingir que não vi...
Ele abriu uma porta enorme e entramos numa espécie de biblioteca/ escritório. Ele apontou para um sofá enorme e eu sentei, não sabendo exatamente o que estávamos fazendo ali.
- Heitor é um bom homem. – Ele disse. – E antes que ache que não, ele tem coração. Mas não conhece o mundo real. Ele nasceu cercado de uma vida cheia de dinheiro e riqueza, a mãe o mimou muito...
- Eu percebi que ela é diferente do senhor com ele.
- Celine?
- Sim.
- Celine não é mãe de Heitor, embora tenha entrado nas nossas vidas há mais de vinte anos.
- Não é a mãe? Mas... Os dois se parecem tanto.
- Aquela é a mãe dele verdadeira. – Apontou para um quadro na parede.
Olhei o quadro enorme com a imagem da mulher jovem pintada em tinta óleo. Ela era linda e Heitor tinha os olhos idênticos aos dela.
- Ela é... Linda. – Fui sincera.
- Nos deixou quando Heitor tinha seis anos de idade. Foi difícil para nós dois.
- Eu imagino. Também sofri a perda... Da minha mãe.
- Heitor era tudo para ela. Mas a babá acabou por tomar o papel da mãe dele. Embora Heitor tenha um bom relacionamento com Celine, considera Nicolete como a mulher que exerceu o papel de mãe.
- Mas... O que exatamente estou fazendo aqui? – perguntei.
- Eu gostaria de saber o que a levou a riscar o carro de Heitor, que creio que seja uma das coisas que ele mais ama na vida... Além da boa vida. – Sorriu.
- Encontrei-o na North B., para uma entrevista com o CEO...
- Hum, você queria um emprego na North B.?
- Eu estava pela vaga no Marketing... Que era para trabalhar diretamente com seu filho. No fim, quando o vi, percebi que não queria a vaga... De jeito nenhum. Me desculpe a sinceridade, mas não gosto de Heitor.
- Desculpo... Sua sinceridade é tudo para mim, acredite. Percebo nos seus olhos que você não mente.
- Obrigada, senhor... “Allan”. – Me corrigi a tempo.
- Eu quero lhe oferecer uma recompensa por ter encontrado minha carteira.
- Eu não vim por recompensa.
- Faço questão.
- Eu me sentiria ofendida se o senhor me desse dinheiro em troca de eu devolver algo que é seu. Não preciso ser recompensada por fazer o certo. – levantei. – Por que vocês, ricos, acham que tudo gira em torno de dinheiro? Me agradeça... Um simples “obrigado” é suficiente. Não fiz porque era o senhor. Eu faria por qualquer outra pessoa. Eu não sou uma pobre coitada. Sim, sou desempregada. E vivo uma vida com certas privações. Mas porque eu quero. Minha avó tem boas condições financeiras. Mas não acho justo usar o dinheiro dela.
- Quando sua mãe morreu?
- Quando eu era adolescente. Era uma pessoa muito especial. Depois disso fui morar com minha vó. Conheci alguém e tive uns anos conturbados ao lado dele. Mas consegui me formar na faculdade... Só tenho tido uma maré de azar nos últimos tempos.
- Bárbara, sente-se, por favor. – Ele pediu.
Sentei novamente.
- E seu pai?
- Desaparecido, sumido, morto... Não tenho ideia. Sequer me registrou. E antes que pergunte: não quero conhecê-lo, tampouco saber quem é.
- Acho que no seu lugar eu faria o mesmo. Não tem irmãos?
- Não... Ao menos não que eu saiba. Talvez, por parte de pai. Mas nunca me perguntei sobre esta possibilidade.
Quando percebi estávamos falando sobre a minha vida, sobre como ele iniciou a North B. do nada. Ou seja, Allan Casanova não foi rico a vida inteira. Ele já foi um jovem batalhador no passado, que teve sorte e persistência pra chegar onde chegou.
Heitor, embora não tenhamos falado muito sobre ele, era só um bon vivant.
Quando me dei em conta, já tinha se passado quase três horas e eu ainda estava ali.
- Allan, eu preciso ir. – levantei. – Já é tarde. Foi um prazer conhecê-lo... E confesso que gostei de você antes mesmo de saber quem realmente era. O tempo passou e nem percebi... Ouvindo suas histórias.
- Também gostei de você, Bárbara. Fazia um bom tempo que eu não encontrava alguém real... E honesta.
- Desculpe meus maus modos lá embaixo com seu filho. Mas às vezes não me controlo. Sofri tanto no passado que hoje não aceito ser tratada de forma ofensiva. Não pretendo voltar aqui, mas se um dia quiser bater um papo, pode me ligar... E quem sabe ir até a minha casa.
Ele riu:
- Vou indicar você para a vaga na North B.
Fiquei olhando para ele, tentando manter minha cabeça em ordem e não falar besteira.
- Eu... Agradeço. Mas não posso aceitar.
- A vaga é para uma pessoa exatamente como você, Bárbara. Que saiba exatamente o que as pessoas pensam, que tenha um sexto sentido...
- Eu não trabalharia com seu filho...
- Posso deixá-la longe dele, se quiser.
- Allan, seria como você me pagar por eu devolver a carteira. Sinto muito, mas não vou aceitar.
Ele colocou a mão sobre a cabeça e depois na testa, fechando os olhos.
- Allan, tudo bem?
- Sim... Só estou um pouco cansado.
- Posso fazer algo por você? Quer que eu chame alguém?
- Não... Não... Eu... Façamos o seguinte: você entra de novo na seleção da North B. Neste caso, eu só passo em cima de Heitor e exigirei que ele a coloque de volta. Mas você precisa mostrar se realmente é apta para assumir este posto. Não tenho como dar o emprego sem você fazer parte do processo seletivo. Ao final, será por sua conta a aprovação ou não.
- Não. – segui firme.
- Por favor, Bárbara. Não é por você ter me entregue a carteira. É pela garota que achou que eu iria ao Ginecologista. – Ele riu. – E por ouvir minhas histórias do passado. Ninguém mais dá importância para este velho aqui.
- Ah, senhor Casanova... Quer dizer, Allan, você está bem enxuto. De velho não tem nada.
Ele gargalhou:
- Por favor... Me deixe ajudá-la, como alguém me ajudou um dia, lá no passado. Só estou te dando a oportunidade de entrar na seleção.
- Eu... Vou pensar. – falei, certa de que não aceitaria.
- Nossa, três horas ao seu lado parece três minutos. – Ele sorriu gentilmente.
- Jura? Eu sempre acho que falo demais.
Fui até a porta e a abri, dando de cara com Heitor. Ele segurava uma garrafa na mão.
Entrou, passando por mim:
- Pai, você nem desceu. É o meu aniversário, porra.
- Estou cansado, Heitor.
- Mas não estava cansado para ficar conversando com... A senhorita... – me olhou, e eu não tive certeza se ele não lembrava meu sobrenome ou se recusava a me chamar por ele.
- Novaes. – Refresquei a memória dele.
- Heitor, eu vou dormir. Realmente estou cansado. Providencie para que algum dos motoristas leve Bárbara para sua casa.
- Nem pensar. Eu vou... De carro. – Menti.
- Onde deixou seu carro? – ele perguntou.
- Na rua. – Menti de novo.
Ele me olhou, parecendo saber que não era verdade.
- Ok, eu não tenho carro. Mas não quero carona. Eu já combinei com um amigo que ligaria para ele me buscar quando eu fosse embora. Aliás, ele deve achar que morri ou fui raptada aqui dentro. – Olhei no relógio, percebendo o tempo que demorei ali dentro.
- Não quero que espere... Por alguém. Pode deixar que um motorista a leva, por favor.
- Não... O senhor Casanova. – Olhei para Heitor. – Me guia até fora da casa e o resto eu me viro.
- Eu a levo até a saída pai, não se preocupe. Se ela não quer, não insista.
- Foi um prazer conhecê-la, Bárbara. E obrigada pela carteira... E pelo tempo dispensado a mim. Uma garota tão linda como você não precisava ter passado três horas na companhia de um velho.
- O prazer foi meu, Allan. E como eu disse, você não está velho.
Ele pegou minha mão e deu um beijo no dorso dela.
E assim Allan saiu pelo corredor, em sua cadeira de rodas, desaparecendo dos nossos olhos.
Fiquei ali com Heitor, naquele escritório imenso e que parecia ter um metro, tamanho incômodo que era a presença dele.
Ele bebeu o espumante no gargalo e disse:
- Me siga.
Não falei nada e o segui. Maus modos para um CEO arrogante. Onde estava sua taça de cristal importado? Sempre imaginei que seria assim que os ricos bebiam.
Ele apertou o botão e a porta do elevador se abriu. A mão dele se estendeu, para que eu entrasse na frente. Assim o fiz, indo bem para o fundo. Ele tocou novamente o botão, que fez a porta se fechar.
Então um som fino bipou por certa de meio minuto e um solavanco fez o elevador parar.
Senti meu coração bater descompassadamente e a luz interna ligou e desligou várias vezes, permanecendo por fim acesa.
- O que houve?
- Esta porra está estragada. – Ele disse, tentando abrir a porta com uma das mãos, não conseguindo.
Meu Deus, ficar presa com Heitor Casanova no elevador era simplesmente a pior coisa que poderia acontecer na minha vida. O idiota continuava a tentar abrir a porta com uma mão, como se largar a garrafa fosse algo impossível.