Capítulo 16
2057palavras
2022-12-24 14:30
Fiquei parada, sem saber o que dizer ou fazer, enquanto a secretária fechava a porta atrás de mim. Olhei para trás, amedrontada de ficar ali sozinha com ele.
Mas lá estava novamente eu e Heitor Casanova, frente a frente.
- Sente-se, por favor. – Curvou a boca num meio sorrido, de forma debochada, como de todas as vezes que o encontrei.
Demorei um pouco para fazer o que ele pediu. Percebi que ele olhava meu currículo atentamente no computador, sem dizer nada, me deixando ainda mais nervosa.
Heitor Casanova em nada me agradava enquanto pessoa e na mesma hora eu já soube que estava fora da vaga. Mas não podia negar o quanto ele era bonito e atraente. Sentia o cheiro de perfume caro de onde eu estava.
Ele vestia terno e gravata e os cabelos estavam bem arrumados. Exalava masculinidade pelos poros. E meu coração começou a bater mais forte. Eu o temia e não sabia nem o motivo. As pernas, eu já nem sentia mais. Pareciam gelatina de tão moles. E se não bastasse, meu pé começou a bater no chão nervosamente, mesmo eu tentando parar os movimentos.
Ele me encarou e não tenho certeza de quanto tempo ficou ali, sem dizer uma palavra sequer. Sustentei o olhar firmemente, até que ele disse:
- Bárbara Novaes... A senhor Bongiove finalmente tem nome.
- E o CEO da North B... É o mesmo dono das boates mais famosas do país?
- Sim... Heitor Casanova. – Ele sorriu enigmaticamente, recostando-se para trás na cadeira, que obedeceu imediatamente ao movimento do corpo dele, inclinando-se.
Ele pegou uma caneta e girava ela nas mãos, enquanto me olhava:
- Por que pouco tempo em cada empresa?
Suspirei. Era a pergunta que todos faziam.
- Eu poderia dizer falta de sorte. Mas certamente o senhor acharia que isso seria minha explicação para incompetência. Então, antes de inventar mil mentiras, prefiro dizer a verdade: tive um ex namorado que me trazia problemas nos locais onde eu trabalhava.
- Hum... – ele voltou os olhos para o computador e perguntou, sem me olhar:
- Ele poderia trazer problemas aqui também?
- Não.
- Por quê? – me olhou novamente.
- Está morto.
Ele riu:
- Seria invadir sua privacidade se eu perguntar como ele morreu?
- Seria. – Me limitei a responder.
Novamente um silêncio pairou entre nós.
- Eu... Sou boa no que faço. Sempre me dediquei muito. E posso mostrar isso... Na prática. – Tentei.
Porra, por que eu estava tentando convencê-lo a me contratar? Sabia que era para trabalhar diretamente com ele, o que não daria certo. E também tinha certeza de que já estava fora da seleção, porque a antipatia dele por mim era clara.
- Você não é o que eu procuro, senhorita Novaes. – Ele não me olhou.
- O que exatamente você procura? Mulheres quase sem roupa?
- Hum... Do que está falando, exatamente? – ele me encarou.
- Do tipo de mulheres que se ofereceram para a vaga. Outra coisa, por que tinha que ser do sexo feminino? Me perguntei isso... Até ver que era você.
- Acho que mulheres podem ser mais... Como posso dizer... Criativas. E confesso que me dou melhor com elas do que com homens. – Foi sarcástico.
- Sim, que são mais criativas, concordo. Mas isso é trabalho... E eu realmente acreditei que minha competência viria acima da minha aparência.
- Neste caso, não há nem competência, nem aparência. – Sorriu.
- Como você consegue ser tão...
- Desclassificado? – ele terminou minha frase.
- Não... Eu diria infantil, imaturo... Quantos anos você tem?
- Me diga como matou seu namorado e eu digo minha idade.
Levantei da cadeira, incrédula:
- Acha que eu o matei? Seu idiota...
- É mais provável que ele tenha se suicidado... Por ter uma namorada como você. – Sorriu com o canto dos lábios, provocante.
- Tarado, pervertido.
- Bêbada, atrevida e louca.
- Bêbada? Você me viu uma vez bêbada... E acha que sou uma viciada?
- Acha que sou tarado porque recebia um boquete na hora que você apareceu?
- Eu sei que você anda com todas as mulheres e que a loira do pau do meio do pole dance é sua preferida e que trai sua noiva. – falei, me sentindo superior.
- Bom saber que passa seu precioso tempo cuidando da minha vida. – Ele riu, vencedor. – E não julgue Cindy. Você não a conhece.
- Você que não me conhece, seu desclassificado.
- Ainda quer o emprego? – ele arqueou a sobrancelha, botando a caneta na boca.
- Prefiro morrer de fome.
- E eu prefiro chamar alguém sem formação do que contratar você.
- Lamento... Ninguém trabalharia melhor que eu. Mas suportar sua companhia deve ser horrível. Alguém que se acha superior a todos.
- Você já disse isso...
- Não disse... – tentei lembrar de tudo que eu havia falado.
- Da outra vez... – ele riu novamente, girando o dedo.
Peguei minha bolsa e virei as costas, espraguejando:
- Perda de tempo... Que ódio.
- Senhorita Novaes? – ele me chamou.
Virei e ele completou, debochadamente:
- Tenha um péssimo final de semana.
Eu sorri e minha mente borbulhou. Cheguei a ver o diabinho sentado no meu ombro, cochichando ao meu ouvido o que eu deveria fazer.
- Certamente vou ter... Mas o do senhor será ainda pior.
Bati a porta com toda minha força, ouvindo o estrondo. A secretária levantou, preocupada. E a outra garota que esperava sentada arregalou os olhos para mim.
- Ele é tarado. – falei bem alto para que fosse escutada por ele do outro lado da parede. – Então, se você não estiver quase sem roupa como a secretária, não vai ser contratada. A escolha não é por capacidade... E pelo quanto você está disposta a dar para este “desclassificado”.
Por sorte um dos elevadores estava naquele andar e entrei rapidamente, com medo de ele mandar alguém atrás de mim.
Eu estava furiosa. Meu corpo chegava a tremer de raiva. Que idade aquele idiota tinha? Agia como se tivesse vinte, embora parecia ter uns trinta. O que a vida fácil fazia com as pessoas?
Assim que saí do prédio, olhei para cima. Bem que ele poderia se desequilibrar, a cadeira ir muito para trás e ele cair do 21º andar... Sobre o Maserati dele.
Maserati... Ah, Maserati!
Fui andando devagar até o estacionamento do Deus da porra toda, tarado, patife, desclassificado.
- Oi... – falei para o segurança que estava próximo dali atento a tudo.
- Pois não. Posso ajudá-la?
- Pode sim. Tem um tal de... Acho que é Anon o nome dele. Conhece alguém com este nome?
- Sim. – Ele me olhou atentamente, ficando ereto quando mencionei o nome do segurança de Casanova.
- Ele pediu para avisar que precisa que você suba imediatamente até o 21º andar. Parece que algumas garotas nuas invadiram a sala do senhor Casanova.
- Meu Deus! – ele saiu correndo.
- Oi, Maserati. Agora somos eu e você. E sei que seu dono pode pouco se importar com qualquer coisa... Menos com você. Deve ser o nenenzinho dele... Assim como seria o meu, caso eu fosse sua dona. Então, me perdoe pelo que vou fazer. Não é nada pessoal, juro.
Peguei a chave do apartamento e comecei na porta traseira, riscando com força, tirando a tinta, até chegar no final da porta dianteira. Quando acabei, admirei meu trabalho. Até que minha letra não era ruim escrita na lataria de um Maserati.
Virei as costas e saí dali, tranquilamente, feliz com o resultado do meu trabalho. Heitor Casanova, saiba que sou muito criativa. E verá isso na prática.
Andei duas quadras quando um carro parou ao meu lado. O vidro desceu e vi Daniel:
- Babi?
- Daniel? Quanto tempo!
- E você está viva?
- Bem viva. – sorri.
Ele desligou o carro e desceu, vindo até mim e me dando um forte abraço:
- Tentei ligar... Seu número dava inexistente.
- Uma longa história. Fui roubada.
- Como?
- Por um prostituto pilantra e desclassificado.
Ele riu:
- Adoro seus adjetivos para os homens que encontra no caminho.
- Não são adjetivos.
Ele riu, parecendo não acreditar em mim.
- Está trabalhando de motorista?
- Sim.
- Me diga: você nunca descansa?
- Raramente. – Sorriu.
Daniel era um homem batalhador. Trabalhava dia e noite. Este sim merecia meu respeito. Percebi os cabelos molhados e aspirei o cheiro de shampoo.
- Recém-saído do banho. – Observei. – Do bar para o carro.
- Exatamente. Quer me cheirar? – ele perguntou.
- Claro que não. – falei envergonhada.
Ele riu:
- Eu soube que o emprego não deu certo no restaurante.
- Não deu mesmo.
- E você já encontrou algo?
- Não... Aliás, acabei de sair de uma entrevista. E você não vai acreditar com quem.
- Quem?
- O desclassificado mor.
- E quem seria? – ele arqueou a sobrancelha.
- Heitor Casagrande. Você sabia que ele é o CEO da North B.?
- Eu... Já tinha ouvido falar.
- E como não me falou?
- Por que... Só nos vimos duas vezes na vida? – ele enrugou a testa. – Qual sua relação com o senhor Casagrande, afinal?
- A pior possível. Eu juro que o esganaria com minhas próprias mãos... Até ouvi-lo implorar por ar, que eu não daria.
Ele me olhou confuso:
- Geralmente as mulheres não o odeiam... Pelo contrário.
- Não sou como as outras. Posso ter um parafuso a menos, mas sou honesta e sincera.
- Disso não tenho dúvidas. Agora, por favor, me dê o número do seu telefone novo.
Ele pegou o seu próprio aparelho e anotou o meu número.
- Diga que não vai fugir mais. – Me olhou.
- Eu não estava fugida...
- Sumiu do mapa.
- Depois do roubo do meu celular, fiquei um tempo sem. Então usei o de Ben e Salma. Até que minha avó me deu um novo... Porque eu ainda estou sem grana.
- Que tal um chope de menta?
- Daniel, você não desiste?
- Não.
- E como vai ter tempo para me levar para beber chope com você, se está sempre trabalhando?
- Para você eu arrumo tempo.
- Daniel, eu vou ser sincera. Sou uma mulher problemática, ansiosa e impulsiva. E pobre, completamente pobre. E azarada... Para ficar comigo, você precisa estar disposto a andar debaixo de uma nuvem cinza com raios, trovões e chuva o tempo todo...
- Eu não me importo em dividir a nuvem com você. – Ele tocou meu rosto, me encarando.
Me afastei um pouco e perguntei:
- Onde encontramos chope de menta sem ser na Babilônia?
- Não encontraremos. É exclusivo de lá.
- Por que Casagrande não bota chope com sabor para vender na North B.?
- Como eu vou saber, Babi? Você faz perguntas... Complicadas.
- Um CEO sem capacidade para gerenciar o próprio negócio?
- O negócio é de família. Ele só herdou. Não precisa ter capacidade. E acho que ele poderia viver a vida inteira sem fazer nada de tanta grana que a família tem.
- Por isso é um playboy ridículo.
- Eu achei que era o pai dele que ainda gerenciava a North B. Ouvi falar que ele ganhou as boates só para fingir que fazia alguma coisa da vida. Então decidiu criar o mundinho dele, cercado de mulheres, bebidas... E o resto que você sabe.
Ouvi a sirene de um carro de polícia. Só me dei conta do que eu havia feito quando estacionou atrás do carro de Daniel e desceram dois policiais e o segurança do estacionamento.
- Foi esta mulher. – O homem apontou pra mim.
Levantei as mãos, em sinal de paz:
- Eu não fiz nada.
- Você precisa vir conosco até a delegacia, senhorita. – disse um dos policiais.
- Qual acusação? – fingi surpresa.
- Dano em propriedade alheia. Pode ser presa, além de ter que pagar o prejuízo ao senhor Heitor Casanova.
- Eu vou matar Casanova. – gritei, enfurecida.
- Daí será presa por homicídio também. – disse o outro policial.
- Daniel, você precisa chamar Ben... Urgentemente. – Pedi, enquanto entrava no carro, sendo colocada no banco de trás. – Diga a ele que fui presa.