Capítulo 14
2334palavras
2022-12-24 14:29
Retirei de dentro do envelope o ingresso para o show do Bon Jovi e gritei desesperadamente. Os dois me abraçaram com força e não consegui resistir às lágrimas.
- Vocês são os melhores amigos que alguém pode ter na vida. E agora sei que Deus tirou a minha mãe, mas deixou anjos no lugar dela.
- Ah, Babi, de anjo eu não tenho nada. – Salma se soltou de nós.
- Eu sou um anjinho... Lindo e maravilhoso. – Ben piscou os olhos repetidas vezes.
- Gente... Eu vou no show do Bon Jovi. – gritei e pulei até cansar, com os dois me olhando como se eu não fosse uma pessoa normal.
O telefone de Ben tocou e eu fiquei ali, beijando o ingresso repetidas vezes.
- Se babar o papel, vai ficar sem ir ao show. – Salma sentou no sofá.
- Seguinte, amigas: o Síndico pediu para parar os gritos, ou vamos levar uma multa. – Ben disse ao desligar o telefone.
- E eu vou multar o síndico por não fazer a porra do elevador funcionar. – falei. – Não lembro a última vez que fui tão feliz na vida. – Olhei para os dois.
- Quando o elevador funcionou? – Salma começou a rir.
- Você merece, linda. – Ben me abraçou. – Só não merece um VIP, claro... Porque eu teria que vender o meu pobre rim no mercado negro e sinceramente, não estou preparado para isso.
- Não é VIP, mas também não é do lugar onde Bon Jovi fica menor que uma formiga. Eu não vendi meu rim para pagar a minha parte, mas tive que tirar do cofrinho de novo. – Salma disse.
- Seu cofrinho não tem fim, Salma?
- Bem, eu só tirei para pagar o garoto de programa filho da puta que Ben achou e para ajudar no ingresso do seu show. Então, teoricamente, só você acaba com meu cofrinho, senhorita Novaes.
- Salma, você está bem? Ainda parece tão pálida.
- Sim, um pouco melhor. Mas viroses custam a passar. Eu... Vou me arrumar. Logo tenho que trabalhar. – Ela levantou.
- Ei, não rola um ingresso pela porta dos fundos? – Ben perguntou.
- Nem pensar. Da última vez que fiz isso por você, Babi quase me deixou sem emprego. E de mais a mais, quem é viciado em porta dos fundos é você, Ben. Chega de porta dos fundos da Babilônia.
- Sou viciado numa porta dos fundos, Salma dançarina de caixa de vidro. – Ben revidou.
Já era tarde. Salma logo saiu para o trabalho e Ben foi deitar. Não tenho ideia de quanto tempo fiquei na cama, contemplando o ingresso entre as minhas mãos:
- Caralho... Eu vou conhecer você, Bon Jovi. Uma pena que não vou ficar na sua frente... Mas sei que seus olhos encontrarão os meus, lá no meio da multidão. E você vai me chamar... E me dar um beijo no palco, na frente do mundo inteiro. Então eu vou agarrá-lo e você vai se apaixonar por mim... Deixar mulher, filhos e ser feliz para sempre ao meu lado.
Fechei meus olhos e cheguei a imaginar nós dois juntos, no palco e todo o mundo nos olhando, invejando nosso amor.
- Eu sou a pessoa mais idiota do mundo. – falei para mim mesma. – Jardel me fez cuidar dele por oito anos que quase não pude ser adolescente. Agora quero recuperar o tempo perdido. Que pena que você envelheceu, John. A gente poderia ter dado certo... Se você tivesse me encontrado há anos atrás.
A semana transcorreu sem muita novidade. O fato de eu ter um telefone novo não me deu a chance de recuperar meu número antigo. Então eu não tinha mais o número de Daniel e se Sebastian ligasse para mim, Ben atenderia. A questão é que ele não ligou.
Na sexta-feira, final de tarde, eu estava faxinando, já que meus amigos trabalhavam. O mínimo que eu poderia fazer era oferecer meus préstimos domésticos. Eu não era boa de cozinha... Só de garfo. Mas ninguém limpava melhor do que eu.
Ben entrou pela porta e disse:
- Por Deus, você borrifou água sanitária no ar? – fez careta.
- Claro que não...
- Por meus sais, estou passando mal... – Tossiu. – Vou até ver se Salma está viva. – Passou pisando por onde eu tinha lavado.
- Só pode estar brincando. Eu acabei de passar o pano e você vai pisar?
- Querida, eu estou suado e preocupado com minha amiga, que deve estar mortinha na cama dela com este cheiro forte.
Ele entrou no quarto de Salma e fechou a porta. Eu não senti o cheiro forte de água sanitária, a não ser um pouco nas minhas mãos, que por sinal estavam péssimas. Eu precisava urgentemente fazer as unhas e tomar um banho... No caso, não nesta sequência. Afinal, era sexta-feira. Dia de foda, segundo Ben.
Me encaminhava para o meu quarto quando ouvi as vozes de Ben e Salma no quarto dela. Abri a porta. Ela estava deitada ainda:
- Salma... O que você tem? Não levantou da cama hoje. Como vai trabalhar agora? Esta virose já não devia ter passado? Você está pálida há dias.
- Babi falou tudo que eu penso. – Ben me olhou.
Ela sentou na cama, recostando-se na cabeceira. Sentei do lado oposto de Ben.
- Você está fedendo a água sanitária. – Ela me olhou e fez careta.
- Eu queria tirar os micróbios do meu corpo. – brinquei. – Junto com a má sorte.
- Eu preciso contar uma coisa para vocês. – Ela disse seriamente.
- Conte logo, amiga. Sabe que detesto rodeios. – Ben foi rápido.
- Eu estou grávida.
Fiquei olhando para ela e não tendo certeza se ouvi certo. Olhei para Ben, que continuou encarando-a como se não tivesse entendido nada também.
Depois de um longo silêncio, ela disse:
- Gente, estou grávida.
- Parabéns? – perguntei, incerta se era boa ou ruim a notícia para ela.
- Quem é o pai? – Ben foi direto.
- A questão é: não vou contar quem é o pai para vocês. Só quando o bebê nascer.
- Quando você soube? – perguntei.
- Quando disse que era virose... Não era. – Ela abaixou os olhos.
- Por que não contar, Salma? A vida é sua... Ninguém tem nada a ver com isso. Acidentes acontecem...
- Não foi acidente. – Ela esclareceu rapidamente, me olhando séria. – Eu planejei esta gravidez... Por muitos meses.
- E... Você tem um namorado e não nos contou? – Ben seguiu seu interrogatório sobre o pai.
- Não tenho um namorado.
- Produção independente? Você nunca disse que queria muito ter filhos... – Falei.
- Mais ou menos independente. Enfim... O que importa é que o bebê está aqui e foi planejado. Claro que mais cedo ou mais tarde, vou contar a verdade para vocês e então entenderão tudo. Mas por enquanto eu não quero.
Peguei a mão dela e apertei:
- Se precisar de qualquer coisa, avise. Eu estou do seu lado. E quando quiser contar a verdade, vou estar aqui para saber. E... – Alisei a barriga dela, confusa, sentindo tantas emoções dentro de mim que quase não conseguia acreditar. – Eu já amo este bebê. – Senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
Ben a abraçou:
- Estamos com você, amiga. E... Se eu não for padrinho, vou ficar muito chateado.
Começamos a rir:
- Claro que serão padrinhos... E um pouco mamães também. – Ela sorriu. – Sei que posso contar com vocês para me ajudarem com a educação desta criaturinha que está se formando aqui dentro.
- Não há colherinha suficiente para me juntar, meninas. – Ben sorriu, apertando Salma com força entre seus braços. – Vou me derreter por este bebê. Eu nem acredito que vou se mamãe. Se não fosse você ter esta criança, isso jamais aconteceria na minha vida.
- Sim... Um bebê com três mamãe. – Salma sorriu.
Nos abraçamos carinhosamente, os três. Poder contar com Salma e Ben na minha vida era uma dádiva, algo que eu jamais teria como agradecer à vida.
- Você pode dançar grávida na Babilônia? – perguntei, curiosa.
- Claro que não. – Ela riu. – Conforme a barriga for crescendo, vou atestar.
- Seria bizarro uma dançarina grávida na caixa de vidro. Mas ao mesmo tempo... Diferente. – Ben sorriu.
- Nem pense, Ben. – Salma foi direta.
- Mande Babi no seu lugar. – Ele deu a ideia.
- Claro, ninguém notaria a diferença entre uma ruiva de olhos verdes alta e uma loira de olhos azuis de 1,60 centímetros. – Comecei a rir.
Ela levantou:
- A conversa está boa... Mas preciso trabalhar.
- E os enjoos? – perguntei.
- O médico me deu remédio para quando ficar forte.
- E pode se remexer pra lá e pra cá no alto, dentro de uma caixa de vidro? – Ben ficou curioso.
- Ele disse que posso sim. – Ela sorriu. – E eu contei a verdade sobre o meu trabalho para ele.
Dei um beijo nela e saí do quarto diretamente para o banho. Talvez eu realmente tivesse cheirando a água sanitária.
Coloquei o pijama e fui deitar na minha cama. Salma saiu e Ben abriu a porta com uma pizza, enquanto eu procurava emprego na internet.
- Pizza? – dei um largo sorriso, sentindo minha barriga roncar.
- Depois de uma casa perfeitamente limpa, você merece, minha linda.
Ele abriu a caixa com a pizza quentinha sobre a cama e começamos a comer.
- Sabe que dia é hoje? – ele perguntou.
- Dia de foda? – comecei a rir.
- Exatamente. Depois da pizza, você vai tirar este pijama horrível e vamos sair para transar.
- Nem pensar. Tenho medo de ser roubada.
- Juro que não paguei ninguém para comer você. Então não será roubada.
- Eu poderia dizer que não... Mas vou dizer sim para o seu convite. Quero ir ao Hazard. Ouvir Bon Jovi e...
- Hoje é dia de Karaokê. – Ele vibrou.
- Jura? Meu dia preferido. Tanto tempo que a gente não canta.
- No seu caso, quanto tempo não deixa todo mundo louco com sua voz grave. – Ele começou a rir.
- Mentiroso... Todo mundo ama quando eu canto.
- Só nos duetos, Babi. Se você tivesse que sobreviver de música estava fodida.
- Tanto quanto se tivesse sobreviver na área de Marketing. – Ri da minha própria desgraça.
- Ben... Sebastian não ligou?
- Não. Tony disse que ele perdeu um familiar próximo.
- Coitadinho. Será que ele volta para Noriah Norte?
- Sim... E certamente estará precisando de consolo... E colo. – Ele piscou.
- Eu não me aproveitaria da dor dele.
- Se aproveite do corpo então, Babi.
- Ben, você é terrível. E insensível. Aliás, já transou com Tony?
- Não... – ele deitou na cama, atravessado, olhando para o teto. – E o pior é que acho que estou me apaixonando.
- E por que... Não rolou ainda?
- Eu não sei. Já saímos, bebemos... Ele parece interessado. Mas simplesmente não avança.
- Então por que você não avança?
- Porque... Ele é diferente. Eu tenho... Medo de ele me rejeitar.
- Mas será que ele pensa que você não é gay?
- Babi, tem escrito “gay” na minha testa. E mesmo que não tivesse, eu não esconderia isso dele e de nenhuma outra pessoa.
- Acha que ele... Tem alguém?
- Não sei. O que importa é que estamos saindo juntos... Mas não rolou nada. O que me faz criar ainda mais expectativas com relação a ele.
- Já que estão tão íntimos, ele não falou se Sebastian tem alguém?
- Acha mesmo que vamos falar de Sebastian e suas aventuras amorosas?
Eu ri:
- Tudo bem... Verdade.
- Babi, o que você achou de Salma estar grávida?
- Eu... Fiquei surpresa.
- Acha que está tudo certo com ela?
- Ela garantiu que foi planejado.
- Então por que não podemos saber sobre o pai?
- Eu não sei, Ben. Mas nunca na vida ouvi Salma dizer que queria um filho.
- Sim... Isso que é estranho.
- Mas eu também nunca tinha pensado sobre ter um bebê... Até chegar no consultório naquele dia e o médico dizer que talvez eu não pudesse engravidar por causa da endometriose.
- Minha mãe tem endometriose. E tem eu. – Ele falou, confuso.
- Talvez ela tenha adquirido depois que você já tinha nascido. Pelo que li, é uma doença nova. Os diagnósticos são recentes.
- Vou perguntar mais para minha mãe sobre isso. Depois passo os detalhes para você.
- Obrigada, Ben.
- Mas... Você acha que queria ter um filho? – ele me olhou.
- Eu... Não sei. Mas o fato de saber que talvez eu não possa ter me perturba um pouco.
- Eu também não vou poder ter filhos... Porque nem útero tenho. Então, vamos nos contentar com este bebê que vem aí... Porque sabe que será tanto nosso quanto de Salma, não é mesmo?
- Sei. – Sorri, já imaginando nós três cuidando de um bebê.
- Vamos ao Karaokê, depois voltamos e assistimos “Três solteirões e um bebê”. Com bebida alcoólica e outra pizza.
- Vinho. – Sugeri.
- Vinho. – Ele concordou.
A tal “noite da foda” foi mesmo sem foda. Cantamos no Karaokê por mais de duas horas, até quase ficarmos sem voz. Só nós dois, porque quando pegávamos o microfone, não deixávamos mais ninguém cantar.
Não sei ele me levou ou eu o levei para casa, de tão bêbados que estávamos. O certo é que chegamos ao nosso apartamento. Como eu não sei.
Meu telefone tocou. Era duas da madrugada. Eu e Ben estávamos tentando encontrar o filme para olhar, mesmo que nossos olhos nos enganassem e nossas mentes estivessem completamente lentas e incapazes.
- Salma? – perguntei preocupada. – Aconteceu algo?