Capítulo 13
2220palavras
2022-12-24 14:28
- Não é um sonho... Bon Jovi vai tocar em Noriah Norte. – comecei a pular no sofá enlouquecidamente.
Os dois olharam para a televisão.
Anunciava um show do Bon Jovi em Noriah Norte que aconteceria dentro de sete meses. Dizia que as pessoas deveriam se apressar, pois os ingressos poderiam esgotar logo.
Os dois me abraçaram, retirando-me do sofá:
- Bon Jovi vem e a gente fica sem sofá? Nem pensar. – Salma reclamou, enquanto arrumava o tecido que ficou enrugado.
- Ben, me dá seu telefone, agora.
Sim, eu decorei o número. Liguei imediatamente e perguntei os preços. Desliguei o aparelho, decepcionada, sentando-me novamente no sofá.
- O que houve? Não era verdade? Tivemos uma visão, todos ao mesmo tempo? Bon Jovi morreu de velho? – Ben me provocou.
- Não... Não foi sonho coletivo. Mas igual, não vou nem me empolgar.
- O que houve, caralho? – Salma perguntou.
- O ingresso lá no fundão, de onde só se consegue ver mesmo do telão, porque ele vai estar tão longe que até uma formiga seria maior, é mais caro do que a minha parte do aluguel. – Lamentei.
- Que homem asqueroso. É tão rico... Para que cobrar tanto assim? – Ben disse, bravo.
- Talvez porque ele vive disso? – Salma riu. – Vende um rim... Você sempre diz que o seu é saudável.
- Um rim valeria um ingresso Vip... Na frente do palco. Para que eu precisaria de dois rins? Já ouvi dizer que muita gente vive só com um. Vou pesquisar no Google quem compra rim... – peguei o celular, que Ben retirou da minha mão:
- Não vou deixar você vender seu rim no mercado negro.
- Posso fazer um leilão.
- Faz programa. Além de ter um emprego, junta dinheiro para o show. – Salma sugeriu. – Faz duas coisas de uma só vez...
- Não tem vaga de dançarina na Babilônia, Salma? Eu posso trabalhar com você.
- Você dançando pelada? – Ben gargalhou.
- Eu não danço pelada, seu filho da puta. – Salma deu um tapa nele, que se encolheu.
- Vai dizer que aquilo é roupa? – ele não se conteve.
- Eu seria uma boa dançarina de caixa de vidro. – falei, firme.
- Acho melhor vender seu rim se pensa em ganhar dinheiro na Babilônia. Nem o senhor Casanova contrataria você... Principalmente se a escolha dependesse ele. – Ben disse.
- E passa por ele sim. – Salma explicou. – Teste de dança, professora que ensina coreografia e depois a última fase é dançar para ele.
- Na caixa de vidro? – perguntei.
- Não. Ao vivo e a cores, a poucos metros de distância.
- Ele é um tarado doente. Depois ele faz o teste drive? – Perguntei, atônita.
- Não sei com as outras. Comigo ele não fez. E agora, com Cindy no pé dele, duvido que haja teste drive. Eu bem que queria... Ser o teste drive dele.
- Heitor Casanova é um desclassificado barato. – Dei de ombros.
- Barato ele não é não, Babi. – Ben riu.
- Eu não quero falar de Heitor Casanova. Quero falar do Bon Jovi.
- Por que, se você não vai, my cherry?
- Eu vou morrer... – fechei meus olhos, me recostando no encosto do sofá. – Vou assistir da rua. Assim ouço a voz dele de perto.
- Faltam sete meses. Não acha que vai encontrar um emprego em sete meses? – Salma perguntou.
- Do jeito que anda... Não sei. Deus colocou uma nuvem de chuva na minha cabeça. Onde eu vou, ela vai sobre mim...
- Coloca o filme então, dona azarada. Chega de falarmos de coisas impossíveis. – Ben disse.
- Caralho, até esqueci minha dor. – Senti a fisgada na barriga. – Acho que preciso olhar o comercial de novo.
- Ainda está menstruada? – Ben perguntou.
- Sim. Mas há vezes em que não estou sangrando e sinto cólicas também, embora não tão intensas. – Confessei.
- Estas são mais controláveis?
- Sim. Passam com analgésicos. As menstruais não passam com nada.
- Então vamos logo para as bolsas e chás e assistir nosso filme. – Salma levantou. – E você vai voltar no médico.
- Sim, vou voltar. – falei, sabendo que não tinha dinheiro nem para o aluguel do próximo mês.
- Filme da vez? – Ben perguntou.
- Maratona “Gente Grande”. – Escolhi.
- Amo. – Ele disse.
No final de semana, minha avó me ligou e pediu que eu fosse visitá-la, pois estava com saudades e não podia sair do sítio porque tinha entrega de alguns animais que ela havia comprado.
Sábado parti para o interior, de ônibus, porque não queria extorqui-la ainda mais pagando uma viagem cara em carro de aplicativo.
Cheguei no meio da manhã na praça e peguei um táxi até a casa dela, que já me esperava com o almoço pronto.
A abracei com força, realmente com saudades. Mandy Novaes era tudo que restava do meu sangue. E ela tinha tantas semelhanças com minha mãe. Eu tentei tanto não gostar dela... Mas foi impossível. Ela me conquistou da melhor forma possível: me dando amor, atenção, carinho e estando sempre do meu lado, sem me criticar, mesmo sabendo que no tempo que estive com Jardel fazia tudo errado.
- E então, querida, fez boletim de ocorrência na Polícia, a respeito do ladrão? – ela perguntou enquanto comíamos.
- Sim. – Menti.
Claro que eu não fiz. Como teria coragem de dizer que fui roubada por um prostituto, que meus amigos insistiam em dizer que era “garoto de programa”? Eu não tinha vergonha de muita coisa, mas de ser roubada pelo desclassificado que me fez sexo oral foi demais para mim.
- E emprego?
- Nada.
- Por que não monta um negócio próprio? Oferece seus serviços, como uma empresa terceirizada.
- Tentei... Não deu certo. As grandes empresas querem lugares com boas indicações. Sou iniciante. Isso me impede de arranjar emprego na própria empresa como montando uma assistência terceirizada.
- Uma hora vai dar certo. Você é tão criativa e boa no que faz.
- E eu que achava os empregos antigos ruins... Mal eu sabia que ficar sem eles era ainda pior.
- Não foi culpa sua tudo que deu errado e as demissões. Foi culpa de Jardel.
- Eu sei... Mas isso detonou meu currículo, pular de lugar em lugar.
- Você é jovem ainda.
- Não, não sou, vó. Jovem eu era quando tinha vinte anos e quando me formei. Era uma época fácil para conseguir emprego neste ramo. Agora eu estou passada da idade, esta é a verdade. Ou contratam recém-saídos da faculdade, com as ideias frescas ainda, ou pessoas com mais experiência, que tenham um bom currículo. No meu caso, estou no meio termo. Por isso não me querem.
- E o aluguel? Quer que eu pague este mês? Posso acertar com Ben e Salma o ano todo. Assim você fica mais tranquila.
- Eu não aceitaria, vó. Sabe disso.
- Babi, eu tenho condições. Você é minha única neta... Filha da minha filha única. É tudo que eu tenho. Deixe-me ajudá-la.
- Você já me ajuda tanto... Sendo Mandy Novaes, minha avó que tanto amo.
Ela levantou e me abraçou, mesmo à mesa.
- Amo você, Babi.
- E não estou falando isso porque você fez macarrão para mim. – Comecei a rir.
- Macarrão e pizza... É só isso que você come, menina. Carboidrato em cima de carboidrato. Vai ficar doente.
- Vou nada...
Ela saiu e voltou com um pacote, me entregando.
- O que é?
- Abra.
- Vó...
- Um presente. Não vai rejeitar, não é mesmo? Ficarei extremamente ofendida se fizer isso.
Retirei da sacola a caixa, rasguei a embalagem e abri. Era um celular de última geração.
Olhei para minha avó, sem saber o que dizer.
- Diga só obrigada. – Ela sorriu. – Sei que conseguir um emprego sem ter no mínimo um celular é bem difícil. Além do mais, não quero ter que incomodar Ben ou Salma cada vez que tiver que falar com você.
- Obrigada, vó. – falei, levantando da cadeira e abraçando-a.
Eu poderia negar, mas viver sem celular era simplesmente a pior coisa do mundo.
- Eu sei que Bon Jovi vai estar em Noriah Norte. – Ela disse, como quem não quer nada.
Bem que ela poderia me oferecer um ingresso. Confesso que aceitaria de bom grado, sem fazer drama.
No entanto, ela disse:
- Que loucura os preços dos ingressos. Pesquisei, pensando em lhe fazer um agrado. Mas não teria coragem de pagar o que querem para ver um homem gritando num microfone por uma hora. É quase o preço de um bezerro.
- Sim... Um bezerro. – Arqueei a sobrancelha, confusa com a comparação dela.
Ok, o ingresso do Bon Jovi não ia rolar. Vó, posso trocar meu celular por um ingresso? Não, eu não teria coragem de falar aquilo.
- Além do mais, lembrei que você não é mais aquela adolescente louca pelo homem do pôster da parede. – Ela sorriu. – Já tem 27 anos...
- Sim... – sorri, fingindo concordar.
Vó, é o Bon Jovi. Eu vou amar ele quando eu tiver 60 anos da mesma forma de quando eu tinha 15. Sabe que pensei em vender meu rim por um ingresso? O que acha disso, vó? Ah, sei... Acha que eu cresci. Sim, mas quando se trata deste homem aí, que você comparou com o bezerro, eu continuo adolescente.
Passei um final de semana agradável com Mandy. Ela era tranquila e passava sua serenidade para mim, que estava sempre a mil por hora. Então sair do tumulto da capital de Noriah Norte e ir para o interior me trazia uma certa paz que eu não conseguia explicar muito bem.
Na tarde de domingo, eu estava sentada na rede da varanda, quando ela veio com uma caixa.
- O que é isso? – perguntei, curiosa, vendo o caixote antigo, em madeira nobre.
- São... Coisas da sua mãe. Para mim, lembranças. Para você... Talvez a solução de todos os problemas.
Arqueei a sobrancelha, confusa, enquanto recebia a caixa das mãos dela. Abri e me deparei com várias joias. Fui pegando uma a uma: dois anéis... Vários colares e gargantilhas... Pulseiras.
- Meu Deus... São lindos. Ela usava tudo? Por que você tem isso e eu nunca vi?
- Ela não levou nada quando foi embora. E foi o que ficou dela... Lembranças.
Eu conseguia imaginar minha mãe usando cada uma das peças. Ela era tão linda. Tudo que ela vestia ou usava ficava perfeito nela.
- Isso... É... Eu não tenho palavras. – Senti as lágrimas inundando meus olhos.
- Eu não preciso mais disso. Tenho a lembrança viva dela: você.
A encarei, com os olhos azuis como os de minha mãe, os mesmos que herdei das duas.
- Obrigada.
- Quero que venda. – Ela me disse.
- Não... Eu não posso fazer isso. – falei, aturdida.
- São apenas lembranças, querida. Temos elas em nossas mentes. Percebi que não era justo eu guardar estes bens tão valiosos sendo que você não tem dinheiro nem para pagar o aluguel. Eu poderia ajudá-la muito... Mas você não quer. E eu entendo você. Mas não pode recusar isso... É dinheiro. Em forma de ouro e pedras de grande valor. – Ela mostrou um dos anéis. – Este demos à ela quando vez 15 anos. Lembro como se fosse hoje... Ela estava tão linda... Este... – mostrou o colar. – Ela recebeu de presente dos padrinhos. Eles não estão mais vivos. Assim como o ouro do colar não é mais comercializado hoje, de tão raro.
- Eu jamais venderia qualquer coisa que foi importante para ela... Ou mesmo para você, vó.
- Querida, se fossem importantes para ela, sua mãe teria levado junto. Ela abriu mão de tudo, entende?
- Sim, entendo. Mas ainda assim, são dela. Eu era completamente louca pela minha mãe, vó... Ela era a melhor pessoa do mundo inteiro.
Mandy sorriu, com a mente tão longe quanto a distância que nos separava.
- Faça o que achar melhor, Babi. Mas saiba que tem muito dinheiro aí... Só não use nada disso para ir ao Hazard. – Ela me preveniu.
- Não se preocupe. Deixarei bem guardado. Prometo. E quanto eu sentir saudades, daquelas que não consigo controlar, vou olhar para cada peça... E imaginá-la usando.
Cheguei no apartamento já passava das 23 horas do domingo. Assim que abri a porta e liguei a luz, Salma e Ben estavam no sofá.
- O que estão fazendo aí... No escuro? – perguntei, confusa.
Eles estavam com cara de sono.
- Dormimos, Ben? – Salma perguntou, esfregando os olhos.
- Acho que sim, cherry. – Ben levantou e ela fez o mesmo.
- Temos uma surpresa para você. – Salma botou as mãos para trás.
Enruguei a testa:
- Domingo de muitas surpresas. – falei, até me sentindo como uma pessoa normal.
Vai que Deus percebeu que o fardo era muito pesado para eu carregar e tirou aquela nuvem chata que não me deixava em paz.
Eles me entregaram um envelope. Abri, sentindo meus dedos tremerem, imaginando o que seria, para eles me esperarem até aquela hora.