Capítulo 7
2258palavras
2022-12-17 12:46
O Restaurante que Daniel me indicou ficava na área mais nobre da capital. Um lugar sem muito movimento corriqueiro, completamente afastado da parte comercial. Só havia mais um restaurante naquela região, do mesmo estilo.
Coloquei um vestido tomara que caia, sóbrio, num cinza mesclado escuro, não muito justo nem muito solto. Por cima, um blazer preto, com sapatos scarpin da mesma cor. Eu parecia uma mulher séria e confiável. Aliás, eu não parecia... Era uma mulher séria e confiável. Exceto pelo fato de estar com um tomara que caia, que ninguém saberia, já que o casaco deixava tudo completamente em harmonia no look de procurar emprego.
Na entrada principal do restaurante, tinha dois manobristas, que recebiam os carros e levavam para não sei aonde, já que não havia nenhum estacionado nas redondezas. Certamente havia um estacionamento privativo para os clientes.
O local não era muito grande, mas tinha enormes janelas de vidro e uma iluminação fraca do lado de dentro. Parecia não ter muitas pessoas naquele momento.
Mas entrar pela frente não era o que eu faria. Eu estava ali para uma entrevista de emprego, num restaurante, para área de marketing. Estranho, mas ao mesmo tempo não acredito que Daniel estivesse mentindo.
Perguntei a um dos manobristas como acessar a área reservada para funcionários e me dirigi até lá.
Fui recebida por uma mulher jovem e afobada. Expliquei que havia vindo para a entrevista. Ela me levou por um pequeno corredor, que passava pela cozinha envidraçada, onde um chefe de cozinha, todo vestido de branco, preparava os pratos enlouquecidamente, auxiliado por outras duas pessoas. Consegui sentir o cheiro da comida e abriu meu apetite.
Logo fui para uma sala pequena, com duas poltronas, de frente para uma porta de madeira de lei, bem pintada em verniz claro.
- Você pode esperar aqui. Estou muito atarefada hoje, pois um dos funcionários faltou. Neste caso, estou exercendo duas funções ao mesmo tempo. – ela revirou os olhos. – Logo o senhor Ricci chega e a atenderá.
Antes que ela saísse, perguntei:
- Mas... Ele costuma fazer entrevistas aqui mesmo? Não há um... Recursos Humanos, em outro local? O escritório funciona junto com o restaurante? – achei aquilo tão diferente de tudo que eu já havia presenciado em entrevistas de emprego.
- O senhor Ricci é muito exigente... Até demais. – Reclamou. – Então, antes de passar pelo RH, você passa por ele. Caso ele não vá com a sua cara, você não avança, querida. – Sorriu. – Mas vale a pena passar por tudo. O salário é bom. Ele sabe recompensar bem os escolhidos.
Ela virou e eu questionei novamente:
- Ei... A vaga é para... Área de Marketing, estou certa?
- Sim. Pelo que sei, o senhor Ricci está querendo mudar o logotipo do restaurante... Inovar ou algo do tipo. Então, infelizmente, creio que seja um emprego temporário ou pago pela sua produção.
- Entendo...
Ela saiu e eu sentei, aguardando.
Eu não me importava que fosse temporário ou que ele me pagasse somente pela criação do novo logotipo. Devia ser daqueles italianos exigentes com tudo e que só confiava em si mesmo.
Cinco minutos depois e levantei, inquieta. Esperar não era muito minha praia. Eu era uma pessoa ansiosa e por isso fazia uso de medicamentos controlados. E às vezes nem eles conseguiam me acalmar.
Passada meia hora, eu já andava de um lado para o outro e não vi nem o senhor Ricci, nem a mulher que me atendeu. Meu pé já batia no chão insistentemente, com o salto agulha ecoando na minúscula sala.
Impaciente, fui procurar a mulher. Encontrei-a no telefone. Esperei ela desligar e perguntei:
- Você sabe se ele realmente vai me receber?
- Já deve estar vindo. Talvez tenha tido algum imprevisto. Mas... Caso não possa esperar, aviso que você esteve aqui.
- Não... Vou esperar mais um pouco. – Afinal, eu não tinha nada mais importante para fazer, a não ser realizar aquela entrevista de emprego, que independente de como fosse a contratação, eu precisava.
Voltei para o pequeno cômodo que cheirava à comida italiana, com duas poltronas e um porta em madeira, completamente solitário e vazio.
Quando deu 21 horas eu imaginei que o homem não viesse mais. Andei em direção ao outro corredor e fui procurar a mulher novamente. Quando passei pela porta, ela se abriu e um homem saiu de lá com um prato. Foi tudo muito rápido e não nos vimos, chocando nossos corpos. E a comida acabou caindo sobre minha roupa.
Além de queimada, eu estava suja de molho de tomate. A mulher veio por outra porta, preocupada:
- O que houve?
- Eu... Acho que minha entrevista já era. – Olhei para meu vestido sujo no peito.
- Eu... Já ia avisá-la que o senhor Ricci teve um imprevisto e falou que não conseguiria vir. Mandou que você voltasse amanhã. Que má sorte. – Ela olhou diretamente para minha roupa.
- Me desculpe... – o homem falou, visivelmente constrangido.
- Tudo bem... Não foi culpa de ninguém. Só nos batemos... Um acidente. Acontece!
Ele começou a limpar o chão.
- Você se machucou? – ela perguntou.
- Não... Estava quente, mas o tecido grosso evitou uma queimadura mais séria.
- Eu não lhe ofereço o banheiro dos funcionários porque está em reforma. Mas pode ir ao dos clientes, sem problemas. Ninguém perceberá que você não é uma funcionária, pois está sem uniforme e bem vestida.
- Preciso pelo menos me limpar antes de ir embora. Obrigada. Eu... Volto para falar com o senhor Ricci. – falei incerta se realmente voltaria.
Fechei o blazer, para não mostrar a sujeira no meu vestido, na região dos seios.
- Os toaletes ficam à sua direita, assim que sair nesta porta.
- Obrigada. E me desculpe pelo transtorno.
- Boa noite. – Ela disse, já saindo apressada.
Passei pela porta e adentrei no grande salão. As mesas eram pequenas e comportavam no máximo quatro pessoas. O lugar era muito requintado e até as luzes eram fracas, dando certa intimidade aos clientes enquanto comiam. Conversar baixas, exceto num pequeno grupo de homens muito bem vestidos numa das laterais.
Apertei os dedos comprimindo o tecido do blazer, para que não se abrisse, já que não tinha botões. Enfim vi a porta do banheiro e entrei rapidamente.
Me olhei no espelho e vi o estrago na roupa. Era muita falta de sorte. Certamente não daria para reaproveitar, pois ficaria manchado. O banheiro tinha três cabines com portas em vidro escurecido. O espelho ficava em frente às pias de vidro, acopladas em mármore branco de luxo. O espelho cobria toda a parede.
Retirei o blazer e coloquei sobre o balcão em mármore, enquanto umedeci um papel e comecei a passar na mancha, não obtendo resultado.
Comecei a suar levemente, já agoniada. Prendi meus cabelos num coque, usando os próprios fios loiros para segurá-lo. Então peguei um pouco de sabonete líquido e passei sobre o tecido que abrigava meu peito. O tecido, mas enquanto esfregava a manga do blazer do avesso com força, começou a sair a mancha avermelhada.
Ouvi o som da porta se abrindo e olhei pelo espelho quem chegava. E esperava qualquer coisa, menos um homem... Ou melhor, menos “aquele homem”.
Nossos olhos se encontraram na imagem do espelho. Senti um frio na barriga e fiquei imóvel. Ele também pareceu surpreso, pois ficou um tempo sem dizer nada, apenas me observando.
- Eu... Acho que o senhor está no banheiro errado. – falei educadamente.
Ele era Heitor Casanova. Via dezenas ou centenas de pessoas por dia. Claro que não lembraria de mim. Ainda assim, meu coração batia tão forte que eu conseguia escutá-lo fora do meu peito. Será que eu o temia, mesmo não estando no território dele? Por que ele me deixou tão nervosa?
- Quem não sabe ler é você, pelo que me lembro. – os olhos verde-claro continuaram dos meus.
- Como pode olhar ao seu redor, este banheiro é feminino, senhor.
- Quem, em são consciência, tatua “Bon Jovi” na cervical? – olhou atentamente o símbolo que eu tatuei há muitos anos. - Me diga que foi uma bebedeira na adolescência... Dormiu com um tatuador e acordou assim.
- Como se atreve?
- Não pensou que levaria para sempre o nome dele no seu corpo e que quando crescesse e virasse mulher se arrependeria?
Virei para ele, enfurecida:
- Vai me botar para fora do restaurante também? Ah, esqueci, não pode fazer isso, porque ele não lhe pertence. – Ironizei. – Aliás, marcou com alguém no banheiro? Pagou um boquete aqui também?
- Não preciso pagar por isso... Pelo contrário, já recebi propostas para me chuparem. Então, acredite, é um privilégio. – Sorriu debochadamente.
- Você é um...
- Desclassificado? – ele continuou sarcástico. – Por quem? Por você? Sinceramente, não faço parte da sua lista para ser classificado ou desclassificado pela senhorita.
- “Desclassificado” para mim não tem o sentido do dicionário. É tudo de ruim que você pode imaginar. Detesto homens do seu tipo... Que se acham superiores a tudo e todos... O corpo é meu. Eu tatuo o que quero e onde quero. E ninguém, muito menos você, tem nada a ver com isso.
- Belos peitos. – Ele me olhou descaradamente.
- E não estão à venda. – Coloquei meu blazer, segurando a abertura para esconder meu corpo dos olhos dele. – Nem tudo tem preço.
- Se não tivesse, eu não estaria aqui com você, neste toalete. Ou seja, uso o espaço que quiser, onde quiser.
- Nunca conheci um homem tão desprezível quanto você.
A porta se abriu e lá estava meu quase amigo Anon. Ele nos olhou e ficou um tempo em silêncio, antes de perguntar:
- Senhor... Achei que estava demorando então... Vim verificar se estava tudo bem.
- Tudo certo por aqui, Anon... Gostei de saber que Heitor Casagrande gosta de fazer xixi sentado. Não estou vendo mictório por aqui. Ou seja, “ele” entrou no banheiro errado. Só não sei se espalho por aí que o grande CEO de Noriah Norte gosta de fazer xixi sentado ou o acuso de importunação sexual... Ou seria assédio? Eu poderia ficar rica... E fazer da sua vida um inferno. Sinceramente, acho que você merece... Seu safado asqueroso.
Ele cruzou os braços e começou a rir, parecendo pouco se importar com as minhas palavras ofensivas.
Peguei minha bolsa e fui saindo furiosa quando ele disse:
- Qualquer coisa que tentar fazer contra mim, esmago você como um inseto... E acabo com a sua vida inteira: passado, presente e futuro. – Me ameaçou.
- Meu passado não precisa ser destruído... Já foi. E eu posso acabar com seu presente, dizendo o quanto é ordinário e tarado. Então não sei qual de nós dois teria um futuro arruinado. – Parei e levantei o rosto, encarando os olhos verdes firmemente, enquanto o maxilar dele tremia de raiva. – Eu não tenho medo de você... Seu desclassificado. E saiba que dentro disso tem seis xingamentos bem horríveis.
- Ouse fazer qualquer coisa contra mim.
Me virei e saí, dizendo:
- Boa noite, Anon.
- Você conhecia ela antes de botá-la para fora naquele dia? – ouvi ele perguntar ao segurança enquanto eu saía.
Eu esperava que ele não pensasse que eu realmente conhecia o segurança dele. Como aquele homem conseguia ser tão insuportável?
Saí do restaurante pela porta da frente, disposta a não voltar mais. Encontrar Heitor Casanova naquele lugar já me deu ânsia e raiva.
Mas agora talvez ele entendesse que acidentes aconteciam, como procurar um lugar e encontrar outro... Ou mesmo entrar numa porta errada, acidentalmente.
Eu só esperava que logo ele esquecesse a minha imagem e que se um dia eventualmente nos víssemos novamente, ele não lembrasse que tivemos qualquer mal-entendido. Não queria estar na lista de desafetos dele. Vai que ele realmente achasse que eu poderia ser um problema... Eu era mesmo como um inseto para ele.
Quando cheguei em casa, Ben estava guardando o resto do jantar enquanto Salma lavava a louça. Era noite de folga dela, a única que a boate não abria.
Sentei no sofá, cansada:
- Minha entrevista de emprego foi um fracasso. O dono do restaurante não foi e ainda jogaram molho no meu vestido. – abri o blazer, revirando os olhos, suspirando.
- Eu achei tudo muito estranho... Um restaurante destes, tão caro, e o próprio dono entrevistar. – Salma disse, enquanto terminava os últimos pratos.
Tirei o sapato e o blazer e avisei:
- Vou tomar um banho e dormir. A noite foi péssima.
Assim que terminei o banho, deitei. Estava mexendo no celular quando Salma entrou no quarto:
- Babi, logo você vai arrumar um emprego, não se preocupe.
- Pelo que percebi, o do restaurante era um free lancer. Então não fiquei muito preocupada. Mas preciso de dinheiro. O aluguel vai vencer e eu não poderei pagar.
- Eu tenho dinheiro, Babi. Depois que arrumar um emprego você me paga.
- Sabe que eu sou muito correta com isso, Salma. E além do mais não é só o aluguel. Eu tenho minhas contas... Já viu pobre sem conta? – comecei a rir e ela também.
Salma deitou ao meu lado na cama e olhou para o teto, dizendo:
- Cansei desta vida de contar cada centavo para fazer algo de bom... E de só trabalhar, trabalhar e trabalhar.
- Como assim?
- Eu já sei como ganhar dinheiro e ficar rica sem fazer nada.
- E existe isso a não ser ganhando na loteria?