Capítulo 3
2550palavras
2022-12-17 12:44
O sonho de qualquer pessoa em Noriah Norte talvez fosse entrar na Babilônia sem passar pela fila, apresentando um cartão VIP. Isso era quase como ter um passe de celebridade. Mas não era o nosso caso, visto que entraríamos pela porta de serviço.
A Boate Babilônia era simplesmente gigantesca, ocupando toda uma quadra. O estacionamento era no andar inferior, subsolo. Mas só tinha direito a estacionar lá quem tinha o tal certificado VIP.
Com frequentadores elitizados, já que o ingresso era quase o preço de um rim no mercado negro, o local contava com mulheres de todos os tipos “à caça” de conforto com a conta bancária de um ricaço. E, em contrapartida, homens que procuravam mulheres bonitas, gostosas e famosas.
Morávamos perto dali e nossa melhor amiga trabalhava naquele lugar e nunca tínhamos pisado os pés lá dentro.
Salma trabalhava ali há muitos anos. Mas minha amiga era muito correta e jamais cogitou nos dar passes gratuitos, sequer pela entrada onde hoje ela havia decidido ir contra tudo que nos disse por anos.
Minha curiosidade estava aguçada. Eu sabia que Salma era dançarina. E claro que, pelo que ela contava e por fotos na mídia, eu imaginava mais ou menos como funcionava as coisas ali. Mas sempre sonhei ver tudo ao vivo e ter a certeza de que as mulheres que dançavam não faziam programas depois, como minha amiga afirmava não acontecer.
Eu e Salma éramos muito amigas. Mas eu creio que se ela saísse com alguém por dinheiro, jamais me contaria.
Entramos por uma porta pequena no lado dos fundos. Tinha bastante movimento de entra e sai: chegada de mercadorias, especialmente bebidas, além de entrada e saída de pessoas, creio que desde seguranças, barman’s, dançarinas etc. O local empregava centenas de pessoas.
Entramos sem sequer sermos notados. Passamos por um corredor estreito e bem iluminado, com paredes escuras e Salma passou seu cartão magnético, desbloqueando a grande porta à nossa frente.
Ali o tumulto era ainda maior. Gente para todos os lados, gritos estridentes e vários cheiros misturados.
- Vou para o camarim – ela explicou – E vocês vão seguir reto por este corredor – apontou - Desçam as escadas e ao final tem uma porta – ela entregou o cartão – Passe na fechadura eletrônica e estarão na boate.
Ben pegou rapidamente o cartão das mãos dela, excitado:
- E você levou anos para nos trazer aqui... – revirou os olhos – Sua vida vai virar um inferno depois disso, sua puta. Vou vir todos os finais de semana.
- Ei, só foi fácil assim porque hoje é sexta. E vocês tiveram sorte que o dono da porra toda está por aqui. Por isso toda esta loucura. Caso contrário, é segurança em toda parte. Agora eles estão focados em proteger o senhor Casanova – ela explicou – Porque exceto ele, nada mais importa.
- Aquele pedaço de mal caminho. – Ben sorriu, batendo palminhas.
- Pedaço de tudo... Principalmente de carne... Quando eu olho para ele me lembra filé. – Salma suspirou.
- Hum, saindo coraçõezinhos dos seus olhos. Ele é lindo. – Ben continuou.
- Já tem dona... Aliás, não só uma.
- Já odeio. – Falei sinceramente.
Os dois começaram a rir.
- Você odeia Heitor Casanova? – Ben riu divertidamente – Ele é simplesmente perfeito.
- Um canalha traidor, pelo que nossa amiga acabou de dizer – dei de ombros – Bigamia é crime. E traição é a pior coisa que um ser humano pode fazer.
- Você conhece tão bem assim Heitor Casanova, Babi? – Ben debochou.
- Claro que sim... Lá de onde ela conhece Bon Jovi. – Salma acabou com o resto da minha dignidade.
- Ok, dois contra um não dá. – Fui saindo enquanto pegava o cartão das mãos de Ben, que o exibia sem lembrar que éramos penetras naquele lugar, quase criminosos.
Fui seguindo pelo corredor, contra o fluxo de pessoas que vinham ao contrário, sendo seguida por Benício, querendo pegar o cartão da minha mão como se valesse ouro.
- Sabe que Bon Jovi já esteve aqui, não é mesmo? – Lembrei Benício.
- Sim... Em 1980? – ele me provocou – Acho que Heitor Casanova nem era nascido ainda. Então a Babilônia não existia, querida.
Desci as escadas e o olhei antes de passar o cartão na porta:
- Fazem oito anos, Ben. Ele não veio tocar...
- Ele veio conhecer a Babilônia com sua banda, num final de semana que tocou em Noriah Norte – ele revirou os olhos – Você já falou isso mil vezes. Abre logo a porra da porta da alegria, Babi ou eu vou surtar e mandar seu Bon Jovi para puta que pariu.
Arrumei o chapéu preto na cabeça dele, que estava levemente torto:
- Vou pisar onde um dia meu ídolo botou os pés. – Respirei fundo.
- Eu só quero ver Heitor Casanova, querida. O resto é resto. Poder dizer que um dia respirei o mesmo ar que aquele gostosão.
Passei o cartão e a porta se abriu, nos deixando diretamente ao lado de um dos bares.
Tentei abrir de novo, pelo lado de dentro, mas não abria:
- Só tem passagem de ida, querida. – Ele pegou minhas mãos.
- Seja o que Deus quiser.
- E desta vez ele vai querer, amiga.
As luzes brilhantes e coloridas que passeavam pelo lado de fora também estavam dentro. As caixas envidraçadas ficavam em vários pontos do local, no alto. Um dos bares era quase do tamanho do Hazard inteiro, nosso barzinho preferido, que ficava a uma quadra do nosso apartamento. O outro bar, um pouco menor, ficava de frente, do outro lado da pista de dança.
Além de todas as bebidas, tinha chopp artesanal de diferentes sabores, feitos pela própria marca Babilônia.
A pista de dança era enorme e tinha um palco não muito grande numa das extremidades. O DJ ficava no alto, numa espécie de palco suspenso, em vidro. Era tudo absolutamente tecnológico e de tirar o fôlego.
A escuridão era compensada com luminosidade colorida. O ritmo techno tomava conta do lugar.
Acima, estreitos camarotes, que só podiam ser acessados pela elite da elite, sendo que havia mais de dez seguranças ao longo das escadas de acesso. De lá, se veriam os dançarinos de frente, sem ter que erguer o olhar e talvez causar torcicolo no pescoço, como para quem estava na parte de baixo.
- Partiu, amiga. – Ben me puxou para a pista.
- Eu preciso beber. – Gritei para ser ouvida.
- Vai lá... Espero você aqui, Babi.
Ele começou a dançar sozinho. Fui até o bar e fiquei mais de dez minutos pensando em qual chopp iria provar. Acabei pegando um de chocolate com pimenta. Eu era curiosa com sabores.
Bebi o líquido gelado e saboroso. O gosto era tão maravilhoso quanto exótico. Eu poderia tomar mais dez daqueles. Suave, mas dava para sentir o álcool. Certamente para paladares apurados. Eu era pobre, mas do tipo de pessoas com paladar apurado, de rico.
O copo foi esvaziado em pouco tempo. E quando percebi, estava pegando outro. A escolha desta vez foi cereja. Caralho, quem já teve o privilégio de beber chopp de cereja? Eu.
Não podia beber mais, ou acabaria com o cartão de minha amiga Salma. Certamente seria descontado do salário dela depois. Se bem que acho que ela não se importaria se eu provasse um chopp de... Menta.
- Vai ficar bêbada deste jeito. – O barman me entregou o terceiro copo, rindo.
- Acho que não... Parece ser pouco alcoólico. – Gritei para ser ouvida, não percebendo que a mesma pessoa me entregou os copos.
Todos os barman’s e bargirl’s vestiam calças pretas, com colete da mesma cor, social e camisas brancas por baixo. A roupa era bordada com o nome do lugar.
- Te dou meia hora e estará dançando sem roupa na pista. – Ele garantiu.
Comecei a rir:
- Obrigada pela dica. Vou levar em conta.
- Quando estiver nua na pista? – Riu.
Assenti com a cabeça, virando o último copo, que já me tonteou um pouco.
Fui encontrar meu amigo, que seguia dançando sozinho entre a multidão. E não foi difícil encontrar um rapaz magro, não muito alto, com blazer vermelho com xadrez, calça azul brilhante e botinas militares pretas e um lindo chapéu na cabeça. Os longos cabelos cor de mel, trançados, se mexiam conforme ele dançava no ritmo da música.
O abracei por trás. Ele virou-se e começamos a pular, grudados um no outro.
- Isso aqui é simplesmente perfeito, Babi.
- Tanto quanto as bebidas... Eu bebi chopp de chocolate com pimenta... Tem noção?
Ele beijou meus lábios:
- Não tem gosto de chocolate com pimenta.
- Porque o último foi de menta – comecei a rir – Sinta – beijei-o novamente, deixando-o sentir o gosto na minha língua.
- Está adocicado. – Apertou os olhos, fazendo careta.
- Você precisa provar, Ben.
- Lá no bar ou nos seus lábios, Babi? – Riu sarcasticamente.
- No bar, seu bobo.
Ele demorou um pouco para voltar. Eu continuei dançando. As músicas eram agradáveis e o ambiente perfeito. Logo Ben voltou e começamos a dançar sensualmente, como fazíamos em casa para nos divertirmos. Em pouco tempo, juntaram algumas pessoas ao nosso redor, curiosos com nossa dança.
Jamais imaginei que nossa coreografia de quem não tinha nada para fazer nos finais de semana à noite fosse fazer tanto sucesso. E quando vi, meu amigo foi surpreendido por um homem de quase dois metros, puro músculos, que o beijou sem pedir licença.
Nossa, ele destruiria meu Ben. Tinha no mínimo quarenta centímetros a mais que ele. E se o seu pau fosse proporcional à altura... Ben estava literalmente fodido.
Em pouco tempo meu amigo desapareceu na multidão. Fumaça artificial tomou conta do lugar e as dançarinas entraram nas caixas transparentes, ovacionadas pelo público enlouquecido. Uma nova música começou. As luzes ficaram em cores diferentes e refletores claríssimos ficaram fixos em cada uma delas, que começaram a dançar conforme o ritmo.
Elas usavam espécies de panos brancos estreitos que cobriam parte de seus corpos, completamente brilhantes em dourado. Como se estivessem cheias de esparadrapos. Aquilo tinha um nome? Se tivesse, certamente era resto de tecido ou algo parecido. Reconheci minha amiga Salma, dançando lindamente na lateral.
Elas dançaram em torno de cinco minutos e o público não parou de gritar e aplaudir nunca. Realmente eram perfeitas, tanto na coreografia quanto na roupa.
De repente, escuridão completa. Sirenes, como se fossem de polícia e as luzes vermelhas piscante fizeram-se presentes. Ficou tudo assim, em torno de cinco minutos.
Então as luzes se acenderam, iluminando completamente o local. E um palco desceu do alto, com três postes de pole dance. Três mulheres simplesmente maravilhosas, com roupas iguais, brilhosas e grudadas ao corpo, tomaram seus lugares e começaram um show que particularmente, nunca vi nada igual.
Enquanto elas seguiam o ritmo da música, dançando linda e sincronizadamente, uma das caixas recebeu um homem, vestindo somente uma calça colada ao corpo, preta, mostrando os músculos enrijecidos enquanto dançava.
A gritaria foi geral. E sinceramente, eu não sabia para onde olhar. O homem era perfeito, mas o show das mulheres não deixava a desejar.
A do meio me chamou a atenção. Além de parecer saber mais do que as outras e mostrar ser absolutamente habilidosa no que fazia, ela tinha muita segurança. Era alta, magra e tinha longos cabelos loiros, que pareciam artificiais, amarrados num rabo de cavalo no topo da cabeça.
Logo a música acabou e elas se foram, deixando o público completamente enlouquecido. Um tempo depois e as outras garotas voltaram para suas caixas transparentes, inclusive minha amiga Salma.
Era tudo muito rápido e excitante. Mas minha cabeça logo começou a girar e minha bexiga pedia para ser esvaziada imediatamente.
Saí dali, com as luzes em excesso ofuscando meus olhos. Tinha tanta gente... Todo mundo batia em mim, sem querer. Vi a placa luminosa indicando os sanitários ao longe e cambaleei um pouco.
Parei, incerta se conseguiria chegar até lá. Bem que o barman me disse que eu ficaria completamente bêbada.
Olhei para frente e vi uma placa: “PRIVADA – PROIBIDO A ENTRADA”. Será que era um sonho? Ou estava tão bêbada que estava vendo coisas. Uma privada exclusiva para quem tivesse aquele cartãozinho mágico? Era perfeito aquele lugar. Até fazer xixi em paz a elite podia.
Acontece que assim que a porta se abriu e fechou automaticamente, eu percebi que não era um banheiro. Era a porra de uma escadaria estreita e que não tinha fim.
Tentei abrir a porta, que estava trancada. Por que não tinha como passar o cartão pelo lado de dentro? Onde estava a caixinha onde se botava o cartão mágico?
Subi rapidamente as escadas. Se não encontrasse um vaso sanitário eu faria xixi na roupa.
Por que uma placa dizendo “privada” não tinha privada? Que loucura. Sequer a música dava para escutar dali... Como se fosse à prova de som.
O final da escada deu num corredor em forma de T. E eu poderia escolher qualquer lado para ir, porque ambos eram absolutamente iguais. Fui pela direita. Porque de esquerda bastava eu e minha vida.
Ao final, mais um corredor. Aquilo era a porra de um labirinto? Não tinha uma alma viva para me ajudar.
E se eu ficasse perdida ali? Não era só uma boate? Porque tantos corredores e portas com cartões?
Ouvi alguns sons e segui até lá. Parei imediatamente quando vi um homem escorado na parede, com as calças abaixadas, enquanto uma mulher, de joelhos, o chupava enlouquecidamente... E era... A loira do meio do pole dance. Estava até com a mesma roupa. Que porra!
Os sons eram os gemidos dele. Ela estava quase nua e ele de olhos fechados. Tentei sair sem ser notada... Mas não consegui.
- Que porra você está fazendo aqui? – Ele perguntou, incapaz de recolher seu pau para dentro da calça quando ela afastou a boca, levantando.
Fiquei olhando para a mulher, completamente desnorteada. E o pau dele ereto... Porra, porra, mil vezes porra!
- Desculpe... Eu... – Tentei justificar o injustificável.
- Responda minha pergunta. – Ele foi enfático e rude.
O homem tinha os olhos verdes e os cabelos bem arrumados. A barba era bem-feita. Cabelos escuros, com a pele clara. Tão alto que talvez fosse uns trinta centímetros mais que eu.
- Poderia... Guardar... Seu... – Apontei para o pênis.
Ele rapidamente puxou a calça, desnorteado.
- Responda agora. Perdeu a língua? – A loira perguntou.
- Eu só entrei no lugar errado. – Justifiquei.
- Você trabalha aqui? – Ele perguntou.
- Não... Não trabalha. Então... Tem um cartão como? – Ela me olhou.
- Eu... Não tenho um cartão. – Escondi a mão para trás, apertando com força o cartão de Salma.
Se alguém descobrisse o que fez, eu sabia que ela teria problemas. E se minha melhor amiga perdesse o emprego pela minha tontice eu nunca me perdoaria. Mal conseguia arrumar emprego para mim, imagine ajudar ela a achar um.
- Que parte você não ouviu? Quero saber por que está aqui. Não leu na porta PRIVADO? Por acaso é analfabeta?
- Eu li... Privada... Seu... Desclassificado babaca. Não sou analfabeta... Eu só queria ir ao banheiro...