Capítulo 2
2498palavras
2022-12-17 12:42
- Eu levei em conta a opinião de vocês, sim. – Contestei.
- Jura, querida? – Ben me encarou.
- Se tivesse nos ouvido, não tinha perdido oito anos da sua vida envolvida com aquele traste. E ainda me julga. – Salma sentou no outro sofá, com as pernas para cima, empolgada em começar a discutir a parte mais ridícula da minha vida.
- Eu estou livre dele e isso que importa. Agora eu só tenho um foco: Bon Jovi.
Os dois começaram a rir.
- Enquanto estava com Jardel o Bon Jovi era o amante? Ou o contrário? – Ben estreitou os olhos, se segurando para não rir.
- Qualquer coisa – dei de ombros – Ele sempre foi o verdadeiro amor da minha vida.
- E o meu Axel Rose, dona Alice no País das Maravilhas – Ben me abraçou – Não comece a inventar esta história de “vou amar alguém impossível e ser mais feliz se for assim”.
- Ben tem razão, Babi. Já se passaram dois anos. Você tem que seguir em frente.
Sim, fazia dois anos que eu havia me livrado de Jardel, meu ex namorado. E não foi nada fácil. Só consegui isso quando ele morreu. E não posso dizer que “infelizmente” ele veio a falecer... Porque fui a pessoa mais feliz do mundo quando isso aconteceu.
Porém eu não consegui seguir em frente depois que ele se foi. E não por amor a ele. Simplesmente eu passei a ter medo de me envolver novamente.
Minha relação com Jardel foi boa somente no primeiro ano. Ele era lindo, aventureiro, cheio de sonhos e me mostrou um mundo que eu não conhecia. Me joguei de cabeça e dei a ele todo meu coração. E não sobrou nenhum espaço dentro de mim para nada a não ser ele. Nem para mim mesma.
O conheci aos dezoito anos de idade, logo depois que minha mãe morreu. Eu estava saindo da adolescência e ainda assim querendo entrar numa fase rebelde, mesmo depois de ter passado do tempo para isso.
A família dele era maravilhosa. A mãe, o pai, os irmãos... Me tratavam como se eu realmente pertencesse àquele lugar, fazendo parte de uma família, que eu julgava nunca ter tido, pois era só eu, minha mãe e avó.
Um tempo depois, o pai dele foi embora; conheceu outra mulher. A mãe ficou acabada, não aceitando a separação. A vida deles virou de cabeça para baixo... Consequentemente, a minha também. Jardel, que até então só fumava uns baseados para se divertir e ficar mais alegre, passou a usar novas drogas. Passou por todas e acabou no craque. E eu estive ali com ele, ao seu lado, o tempo todo. Porque eu o amava, porque achava que tinha este compromisso, já que ele havia me curado da dor da perda de minha querida mãe.
Quando a situação ficava insustentável, ele me prometia que ia parar. Passou por várias clínicas de reabilitação. No fim? Nada resolveu. As promessas nunca foram cumpridas, a mentira passou a fazer parte da nossa relação constantemente e a sobriedade durava pouco. No final, eu já não suportava ele com ou sem drogas.
Dois anos antes de ele morrer, iniciou a parte das traições. Eu acho que ele já nem sabia mais o que fazia direito. E quando eu estava no meu limite e tentava acabar nosso relacionamento, não eram só os pedidos de desculpas que ele tentava. Começou a me perseguir, inclusive me fazendo perder algumas aulas na faculdade e depois empregos promissores.
Eu já não acreditava nele. E também não queria mais ser traída. O mínimo que eu merecia era fidelidade, já que havia segurado a barra dele por tantos anos. Já não havia mais sexo... A não ser quando ele me obrigava. Isso quando ele conseguia manter uma ereção.
Cansada, amedrontada, pois ele já começava a ser violento em algumas situações, eu passei a simplesmente fingir que eu estava ao lado dele, quando na verdade era só o meu corpo e não a minha mente ou meu coração.
Eu e a família dele sabíamos que se o deixasse, ele cometeria uma loucura. E eu não estava disposta a descobrir o que seria o próximo passo dele: suicidar-se, matar a mãe, um dos irmãos ou a mim... Enfim, ninguém sabia.
De um garoto promissor, inteligente, adorado por todos, Jardel passou a ser um indigente, pedinte. Perdeu emprego, perdeu amigos, perdeu tudo que tinha. No final, só sobrou a família e eu. Eles achavam que eu nunca desisti dele. Eu sabia que o que levava em conta era a minha vida. Ou seja, eu tinha medo.
Mas eu sabia que nenhum mal perdurava para sempre. Estava acostumada a sofrer. O que é um namorado drogado, louco, violento, para uma garota que perdeu a mãe aos dezesseis anos, passou a morar com uma avó que mal conhecia e jamais soube quem era seu pai?
Mas eu não podia negar. Suportei em grande parte graças aos meus amigos Benício e Salma. No início eles tentavam me ajudar, dar conselhos, me botar na cabeça que eu tinha que largar Jardel e viver a minha vida. Anos depois desistiram. Sabiam que eu não faria aquilo, como se levar Jardel nas costas fosse meu destino e objetivo de vida.
Minha avó, Mandy, ficou ao meu lado. Ela nunca deu conselhos... Só seu ombro para eu chorar. E ouvia meus gritos sem motivo e mau humor, sem perguntar o motivo. Porque no fundo, ela sabia.
Convivi pouco tempo morando com a mãe da minha mãe, Mandy Novaes. Vivíamos eu e minha mãe a vida inteira. Quando ela morreu, vítima de um acidente de carro, me vi completamente sozinha. Fui parar no meu único parente vivo, minha avó, que morava na zona rural. Um sítio gigantesco, mas que em nada lembrava a vida que sempre vivi até aquele momento.
Nestes dois anos que vivi com ela, fiquei longe de Salma.
Conheci Jardel num posto de gasolina, enquanto estava abastecendo, junto com algumas amigas. Foi amor à primeira vista. Convidei ele para sair. Logo estávamos juntos. Perdi a virgindade com ele.
No início tanto nossa relação quanto o sexo eram bons. Mas confesso que eu gozava mais enquanto me masturbava, olhando o pôster do Bon Jovi, do que quando ele me penetrava.
A sorte disto tudo é que eu sempre soube que a minha vida era uma merda. E nunca pensei que Jardel fosse me tirar daquela situação, mesmo gostando dele. Certa de que meu pai era um idiota qualquer, que engravidou a minha mãe e deu no pé, nunca fui iludida com relação a homens. Onde está a sorte nisso tudo? A simples possibilidade de engravidar dele me deixava morta de medo. Então jamais transei sem preservativo, além do anticoncepcional, que não esquecia um único dia sequer. A possibilidade de engravidar de Jardel era zero.
Oito anos transando com um homem usando preservativo para não engravidar e o melhor de tudo: não adquirir uma doença venérea ou outra coisa qualquer.
Por que eu acreditaria em Deus? Frequentei a missa com a mulher que julgava ser minha avó desde criança. Quando ela morreu e deixou todos seus bens para parentes distantes, menos para minha mãe, eu soube que não tinha o sangue dela. Minha mãe trabalhava na casa dela, de doméstica. A velha me tratava como da família porque morávamos lá e ninguém a procurava. Ainda assim a puta deixou no testamento tudo para os parentes de sangue e não para minha mãe, que cuidou dela até o fim da vida.
A partir daí, minha mãe alugou uma casa para nós. Foram os anos mais felizes de nossas vidas. Ela tinha um bom emprego, eu seguia estudando e tirando boas notas e tinha minha melhor amiga Salma sempre comigo. Aliás, agora morávamos mais perto ainda uma da outra.
Nós duas sempre combinamos, desde pequenas, que um dia moraríamos juntas num apartamento. Claro que o plano não era alugar e ser no quarto andar e o elevador estar sempre quebrado. Teríamos homens perfeitos, tomaríamos drinques na sacada olhando a lua cheia enquanto eles fariam serenata para nós. Ironicamente não tínhamos nem sacada.
Enfim, mamãe morreu e eu soube então que tinha uma avó. Tudo isso para não ir para uma instituição para menores órfãos. Me revoltei e fiz da vida dela um inferno no início. Mas Mandy era forte. E nunca deixou nada abalá-la. Logo eu soube que minha mãe foi embora de casa bem jovem, porque se envolveu com um homem mais velho, e meu avô foi contrário ao relacionamento. Eu não sei se meu pai foi este homem, ou outro... Ou quem sabe um terceiro ou quarto. Mamãe nunca quis falar sobre ele. Só dizia que foi enganada e que ele sabia da minha existência, mas nunca veio atrás de nós.
Infelizmente minha vó não sabia de nada. E nem sei direito porque as duas eram tão afastadas e não se falavam, mesmo depois da morte de meu avô.
Mandy Novaes era financeiramente melhor que minha mãe. Mesmo com minhas crises de rebeldia tardias, pagou toda minha faculdade. E ajudou no meu primeiro emprego, já no Centro de Noriah Norte. Fui demitida porque Jardel entrou drogado no meu ambiente de trabalho e fez uma cena lamentável.
Enfim, a vida não era fácil para ninguém. Eu não acreditava que pudessem existir pessoas sem problemas.
Mal eu sabia que sim, existia... E logo eu conheceria. E que “eu” seria o único problema de alguém. Afinal, a gente não tem como prever o futuro. Porque se fosse assim, quando vi Jardel a primeira vez, teria sumido na mesma hora.
Seguir em frente eu já seguia. A questão é que eu não estava travada por conta de Jardel ou da perda. Pelo contrário; depois que fui ao enterro e voltei para casa, abri um espumante e fui com meus amigos comemorar no Hazard. Bebi até não aguentar mais e fui trazida para casa quase em coma alcóolico. Creio que tenha sido a melhor coisa que aconteceu na minha vida depois da minha formatura.
E não, eu não era uma pessoa má. Eu era boa até demais, afinal, estive com Jardel por oito anos. Ou seja, oito anos jogados no lixo. Quando ele se foi, para mim era como se a tampa da lixeira tivesse fechado. E eu livre.
Você deve estar se perguntando: onde entra o Bon Jovi nesta história toda? Bem, ele me ajudou o tempo todo ao longo da minha vida nada convencional. Como ele fez isso? Só pousando lindamente num pôster, que eu colava pelas paredes, teto, camisetas... Quando tudo dava errado, era o sorriso dele que me consolava. E as letras das músicas de amor fracassados me faziam delirar. Sem contar os shows que eu assistia da TV, que era como se estivesse lá com ele, no meio da multidão, gritando até ficar sem voz.
Ele me trazia boas lembranças... De uma vida feliz, de uma menina que não tinha nenhuma obrigação e que nem sabia o que eram problemas. Ele me lembrava felicidade... E minha mãe... Nós duas, deitadas na minha cama, rindo de bobagens... Enquanto a foto dele na parede nos encarava.
Todo mundo pensava: é só mais uma fã, daquelas fã-naticas. Começou aos onze anos, então a ideia era que passasse. O problema é que eu estava com 27... E não passou. Eu tinha até uma tatuagem em homenagem a ele. E sim, era a única.
Se me perguntassem hoje: qual seu sonho? Eu não pensaria duas vezes: conhecer o Bon Jovi. E foda-se a mulher dele. Eu o beijaria na boca. E depois o sequestraria.
Olhei para meus amigos e disse:
- Não quero falar sobre Jardel. Já enjoei.
- Como assim? Nem começamos. – Salma começou a rir.
- Mas eu encerrei. Um filme já passou pela minha cabeça. E ele conseguiu estar nas listas de “para chorar”, “para gritar”, “para rir”... Exceto para “fingir que estão vendo”.
- Ah, entra nesta lista sim, Babizinha – Ben me olhou – Você fingia que não via.
- Eu sempre vi, Ben... Tudo.
- Eu sei exatamente o que você precisa. – Salma levantou, me puxando do sofá e dos braços de Ben.
- Dinheiro, Bon Jovi e uma passagem para Dubai só de ida? – Arqueei a sobrancelha.
- Não. Você precisa conhecer a Babilônia.
Gargalhei:
- Não tenho dinheiro nem para pagar o aluguel, amiga. Vocês vão ter que pagar para mim este mês.
- Eu vou colocar vocês para dentro.
- Pela janela do banheiro masculino? – Ben levantou, batendo palmas.
- Pela entrada de funcionários, seus bobos.
- Posso saber por que você não fez isso anos antes, enquanto eu implorava por este momento? – Ben ficou confuso e bravo ao mesmo tempo.
- Porque não era uma situação urgente. Agora é. – Ela justificou.
- Como assim? Vou morrer, é isso? Você sabe algo sobre endometriose que eu não sei? – Enruguei a testa, tentando manter a calma enquanto encarava os olhos mel esverdeados da minha amiga ruiva.
- Foda-se, gente. Chega de ser certinha. O que eu ganho fazendo isso? Porra nenhuma. Além do mais, o senhor Casanova não vai ficar mais pobre se eu botar dois não pagantes dentro do luxuoso bar noturno dele.
Ben começou a pular e bater palmas:
- Bora se maquiar, girls!
- Isso não pode lhe dar problema? – Perguntei.
- Claro que sim – ela riu – E eu pouco me importo. Vocês são meus amigos e merecem isso. Você precisa se livrar desta porra de vida que tem tido, Babi.
- E a Babilônia vai fazer isso? – Gargalhei.
- Ah, amiga, eu posso apostar que sim. Ninguém que tenha menos de seis zeros à direita na conta entra naquele lugar.
Ben já tinha desaparecido, ido se arrumar.
Suspirei e a abracei:
- Toca Bon Jovi lá?
Ela riu:
- Amiga, Bon Jovi só toca na sua cabecinha. Ele está velho e acabado. Nem deve lembrar das músicas de cor.
- Salma, Bon Jovi é como vinho... Quanto mais velho, melhor fica.
- E o que você entende de vinhos, amiga?
- Nada... Mas eu entendo do Bon Jovi. – Comecei a rir.
Coloquei um vestido vinho, curto e justo, que deixava parte dos meus seios à mostra, contrastando com a pele clara. As costas nuas realçavam meu corpo. Penteei os cabelos e deixei soltos, com os ondulados loiros caindo sobre os ombros até metade das costas. O batom combinava com a cor do vestido. Sombra nude para contrastar meus olhos azuis. E um sapato extremamente alto para compensar minha pouca altura. Uma bolsa dourada com nada dentro, a não ser meu documento com foto e um celular. Dinheiro que é bom, eu não tinha.
Sim, eu estava preparada para conhecer a boate mais cara e comentada do país... E também o lugar aonde minha melhor amiga trabalhava.
E então foi lá, naquela noite, que tudo começou. O início da minha vida... De verdade.