Capítulo 116
2024palavras
2023-02-08 10:47
Demorei para encontrar lugar para estacionar meu carro. Acabei deixando há quase uma quadra do Cálice Efervescente. Andei quase correndo até a porta dos fundos e abri a porta enquanto ia retirando os sapatos de salto, substituindo por tênis confortáveis.
- Casa cheia? – Olhei para Gui, que pegava bebidas no depósito.
- Lotada. Conseguiu estacionar aqui perto?
- Quase na próxima quadra.
Ele encheu meus braços com quatro garrafas de bebidas, que levei até o bar, onde os rapazes já foram pegando.
A música estava alta e realmente mal tinha lugar para se mexer ali dentro.
- Charles está com as meninas? – Perguntei a Gui.
- Sim. Avise ele que entra em dez minutos. – Falou, olhando o relógio enquanto atendia uma garota.
- Ok.
Passei de volta pela porta, andando pelo corredor e abri a porta. Alice estava no berço, dormindo. Medy deitada no chão, com uma cabana de cobertores por cima, de onde assistia Televisão. Brinquedos estavam espalhados por todos os lados e Charles não me viu, pois também estava dentro da cabana.
Eu só via os pés dos dois no chão, enquanto riam conforme as cenas iam mudando na tela.
Ali não havia um ruído sequer. As paredes à prova de som eram verdadeiramente milagrosas.
Abaixei-me e eles me viram. Charles saiu devagar, tentando não estragar o acoplado de cobertas.
- Gui avisou que você entra em dez minutos. Acho que agora cinco.
Charles veio até mim e envolveu os braços em torno da minha cintura:
- Como foi hoje?
- Sabe que hoje é o dia mais cansativo, pois é manhã e tarde. Mas estou adorando tudo. A universidade é maravilhosa. E todos estão me ajudando muito no projeto.
- Deveria ter ido para casa, meu amor. Descansar um pouco. Quem sabe dormir até amanhã, sem interrupções.
- E deixar de ver meus amores? Nem pensar! – Agarrei a nuca dele, tomando sua boca quente e convidativa.
Quando encerramos o beijo, ele disse, limpando meus lábios de batom:
- Confesso que estava morrendo de saudade.
- Eu também! – Melody disse, de dentro da sua cabana.
Começamos a rir:
- Então se prepare, dona Medy, pois vou dar um beijo em Alice e depois enchê-la de cócegas. – Avisei.
- Lembre-se de que não posso rir muito alto para não acordar Alice.
- Vou tomar este cuidado, querida. Não se preocupe. – Arregalei os olhos para ele.
- Vejo você na pista? – Ele mordeu o lóbulo da minha orelha.
- Com certeza... Sua maior fã. – Beijei seu pescoço, fazendo questão de marca-lo com meu batom vermelho.
- Papai, você pode tocar a música da “Garota riquinha”?
- Mas você não vai ouvir daqui, meu bem.
- Você canta só para mim...
- Sim, eu canto. Assim que deixar o palco venho cantar só para você. – Ele garantiu.
- Amo você. – Falei, antes de ele sair e me jogar um beijo.
Fui até o berço e cobri Alice. Peguei o controle e aumentei o pouco a temperatura do ar condicionado. Depois entrei na cabana escura, de onde só se via a tela de televisão.
- Esta cabana ficou legal.
- Gui fez para mim.
- Vai dormir aqui hoje?
- Sim, ele pôs um colchão embaixo.
- Eu percebi. Está muito macio.
- Ele disse que você e papai podem dormir na cama.
- Acho que hoje vamos para casa, porque amanhã pela manhã a mamãe não trabalha.
- Não?
- Não. E combinamos que segunda, terça e quarta não vamos abrir o Bar. Serão os dias da família.
- Posso não ir à aula nestes dias?
- Claro que tem que ir na aula, mocinha. – Comecei a rir enquanto a beijava no pescoço, que a fazia rir.
A porta se abriu, mas eu não via quem era. Pés pararam na minha frente e saí da cabana, junto de Melody.
- Não se trabalha mais? – Yuna me perguntou.
Comecei a rir, vendo Colin pegar Alice.
- Colin, você vai acordar ela!
- Deixa... Eu faço dormir de novo depois. – Ele começou a balançar minha filha no seu colo, enquanto falava com ela, que imediatamente sorriu para ele.
- Vieram aproveitar a noite? – Perguntei.
- Sim... Ao lado das nossas princesas. – Yuna pegou Melody no colo.
- Sério? Vão ficar aqui?
- Sim... Na melhor parte do bar. – Colin riu.
- Então vou lá ajudar Gui.
- Ei, só para avisar: Solitário II está de volta.
- Está? – Melody olhou para ela.
- Sim... Deixei na casa de vocês.
Melody me olhou, com um largo sorriso no rosto:
- Meu amigo voltou.
- Que bom. – Falei, incerta.
Fazia um tempinho que um animalzinho não habitava nossa casa. E eu tinha até medo de não saber cuidar.
Peguei um pouco Alice e a afaguei antes de deixa-lo nos braços de Colin, um padrinho muito carinhoso e dedicado.
Fui para o bar e logo estava ajudando a servir as bebidas, enquanto os barman’s preparavam.
- Vai ficar aqui hoje? – Gui me perguntou.
- Sim... Olhe a minha vista.
Ele acompanhou meu olhar e avistou o pai, cantando. Riu e balançou a cabeça:
- Sabe que ele só tem olhos para você, não é mesmo?
- Sim... E eu só tenho para ele. Por isso mesmo estou aqui, exatamente neste lugar... Para meus olhos não perderem ninguém que se aproxime.
Começamos a rir. Uma garota linda, alta, cabelos longos e com mechas rosas sentou-se diretamente numa das banquetas do bar.
- Que atendê-la? – Perguntei para Gui, que a observou.
Ele pensou um pouco e disse, enquanto preparava um drinque para um dos clientes:
- Não, pode ir.
- Yuna e Colin vieram ficar com as meninas. Já avisei para Medy que segundas, terças e quartas serão dias só nossos. Solitário II está de volta. Acho que você poderia passar por lá para vermos o que fazer com ele.
- Gostei da ideia de três dias sem abrir o bar. Assim eu posso me dedicar a estudar um pouco.
- Vai mesmo entrar na faculdade?
- Sim.
- Ah, Gui, fico tão feliz por você. Para onde pretende ir?
- Qualquer uma que eu não encontre uma professora de Matemática. – Me encarou debochadamente.
Começamos a rir, nos divertindo com a situação.
- No fim, acho que eu até gostava de ficar com meu pai no bar, mesmo aos dois anos. – Ele disse.
- Eu posso apostar que sim.
- Claro que naquela época meu pai era pobre e não tinha todos os recursos para me oferecer o que as meninas têm.
- Nem recursos, tampouco maturidade. Ele tinha dezoito anos. Pensa, a sua idade. Já se imaginou com um filho hoje?
- Nem pensar.
- Vou atender a garota ali. Já volto.
Cheguei na frente dela e perguntei:
- Posso lhe trazer uma bebida?
- Não! Mas pode me trazer aquele mocinho lindo ali! – Ela pontou para Guilherme.
Eu sorri e fui até ele:
- Lembra da garota que lhe mostrei? Pois bem, ela quer ser atendida por você. E só para constar, chamou-o de “mocinho lindo”.
Guilherme mirou na direção dela, que não desviou o olhar firme sobre ele.
- Decidida ela. – Mencionei.
- Sinceramente, não quero me envolver.
- Deixa disso, Gui.
- Só tive problemas com minhas escolhas até agora e você sabe muito bem disto.
Senti um certo aperto no coração e tive dó dele:
- Gui, você não é obrigado a se envolver com ninguém. Mas também não pode fugir porque dois relacionamentos não deram certo.
Ele balançou a cabeça e foi até ela, a contragosto. Não pude deixar de me aproximar um pouco, para ver como seria. Queria muito que ele se interessasse por outra pessoa.
- Oi... – Ele disse, nada parecendo o garoto seguro de sempre.
- Olá. Vocês servem chope com sabor?
Gui arqueou a sobrancelha:
- Chope com sabor? Nunca ouvi falar disso.
- Nunca foi à Babilônia?
- Não.
- Nossa... Não imaginei que alguém da sua idade pudesse nunca ter pisado os pés lá.
- Da minha idade? Quantos anos acha que eu tenho?
- Entre dezoito e vinte.
Ele riu:
- Exatamente: 19.
Ela sorriu, os dentes claros e bem enfileirados. A boca carnuda tinha um gloss brilhante sobre o batom vermelho coral.
- Pois bem, garoto de 19. Acho que posso ajuda-lo nesta história de chope com sabor.
- Jura? Vai trazer um para eu beber?
- Não... Mas posso leva-lo para experimentar.
- Isso é um convite?
- Pode ser, se você quiser.
Ele ficou um tempo pensando antes de responder:
- Eu trabalho aqui todas as noites. Fica quase impossível sair.
- Eu também trabalho à noite. Quanta coincidência.
- Se trabalha à noite, o que está fazendo aqui hoje?
Ela deixou o corpo ir um pouco pra trás e jogou os cabelos para o lado:
- Sabe aquele dia que você acorda irritada com o mundo e decide se rebelar da sua vidinha perfeita?
- Acho que sei. – Guilherme sorriu.
- Então... Hoje é meu dia.
- Sou Guilherme, filho do dono do Cálice Efervescente. – Ele estendeu a mão para ela, que apertou-a, encarando-o.
- Sou Maria Lua Casanova, filho do dono da Babilônia.
- Prazer, Maria Lua.
- O prazer é todo meu.
Filha do Heitor Casanova? Cheguei a sentir falta de ar. Acho que Guilherme não fazia muita noção de quem era a moça, visto que estava há pouco tempo em Noriah Norte.
- Achei você! – Disse um rapaz, parando ao lado dela.
Era alto, forte, corpo bem definido. Usava uma camisa branca, com as mangas dobradas até metade do braço e calça social.
- Está me seguindo, Théo? – Ela perguntou, surpresa.
- Papai está procurando você. O que faz aqui?
- Eu... Estava fechando um negócio com o rapaz aqui... Sócio do bar.
Ele olhou atentamente para Guilherme e pegou-a de leve pelo braço. A moça levantou e lhe entregou um cartão:
- Sobre o que falamos... – Piscou, saindo.
Ele me olhou e balançou a cabeça, vindo até mim:
- Não preciso lhe contar o que houve, não é mesmo? Afinal, você escutou tudinho.
- Sim... Escutei. Sou um pouco curiosa.
- Sim... Só um pouco.
- Bem, agora já encaminhei você – peguei o cartão que a garota lhe entregou e pus em seu bolso – Melhor cuidar disso. Ela é filha do CEO mais poderoso de Noriah Norte. O pai dela é do ramo de bebidas... O chope com sabor é só uma diversão dele. Tudo que compramos, vem da empresa North B., entende?
- Hum... Vou levar em conta isso... E não só os olhos dela e os lábios perfeitos.
Eu ri:
- Percebeu a garota! – Toquei seu ombro e saí, indo em direção a pista de dança.
Enquanto Charles tocava, fechei meus olhos e comecei a dançar. Eu não sei se era a música, ou a voz dele... Ou se era porque eu me via em cada palavra... O certo é que a melodia me trazia paz e amor.
Quando a música acabou, algumas garotas foram na direção dele, querendo tocá-lo. Respirei fundo e me dirigi ao palco, aceitando a mão dele para que eu subisse.
Recebi um beijo na boca antes de ele dizer:
- A próxima música é a minha preferida... “Começo de algo bom” eu compus para minha esposa, assim que nos conhecemos...
Alguns aplausos acompanhados de suspiros tristes me fizeram rir. Parei para ouví-lo tocar nossa música, admirado por todos que estavam ali presentes. A cada letra, meu coração vibrava. Toquei minha concha, como se aquilo me conectasse ainda mais com ele. Sim, eram minha conexão... Com ele e nossas filhas.
Passamos anos afastados por uma maldade completamente sem sentido. E foi por este motivo que eu nunca quis saber sobre meu pai. E retirava a frase que havia dito para minha irmã há anos atrás “Eu não a perdoo, mas não a odeio”. Eu realmente não a perdoava... E a odiaria eternamente. Por tudo que ela tirou de mim e Melody.