Capítulo 117
2321palavras
2023-02-08 10:48
POV Mariane
Como achar um emprego era difícil. Mesmo com meu diploma de faculdade, depois do escândalo que Sabrina havia feito na televisão e meu sobrenome associado à prisão de meu pai, ninguém queria me contratar. Havia lugares que sequer aceitavam meu currículo.
E o pior é que eu tinha que entregar pessoalmente, pois não tinha dinheiro sequer para pagar internet, tendo que usar a porra do wi-fi gratuito de um lugar ou outro.
Me indignava o fato da tonta da minha irmã certamente estar se dando bem naquele momento, rodeada de suas filhas e Charles. Se bobeasse, até o filho dele havia perdoado ela.
Eu via minha mãe vez ou outra, porque precisava de dinheiro. Mas nos últimos tempos ela estava sendo um pouco contida, dando cada vez menos. Minhas contas foram bloqueadas e depois a quantia delas foi transferida para o governo, a fim de quitar os débitos indevidos da J.R Rockfeller ao Estado, enquanto eu fui a administradora.
Mamãe também se recusava a falar qualquer coisa sobre Sabrina e sua família comigo. Certamente achava que eu pudesse fazer algum mal a minha irmã. Mal sabia ela que nada foi de caso pensado. Eu não odiava Sabrina. Simplesmente detestava a forma como ela se dava bem na vida.
Nas poucas vezes que transei com Charles sabia o quanto ele se sentia obrigado àquilo. Um homem lindo, maravilhoso daqueles, chorando pelos cantos por uma mulher que viu alguns dias... E eu sabendo que era a minha irmã “perfeitinha”, que largou tudo em nome dele, sem nunca mais voltar para aquela mansão horrível, fria e cheia de maldades feitas por Jordan Rockfeller, nosso pai.
Charles parecia ser forte. Mas era só um fracote, que só vivia para encontrar a mulher que nem tinha certeza se existia de verdade. Enfim, quando encontrou Sabrina, não houve nada que o segurasse.
Meus pés começaram a doer. A sol estava forte e o dia quente.
Olhei a vitrine de algumas lojas, certa de que não podia levar nada. Aquilo era uma das coisas que mais me doía: não poder ter tudo que sempre tive.
Fui obrigada a me desfazer de grande parte das minhas roupas e calçados simplesmente porque não cabiam no apartamento de um quarto que aluguei.
Senti alguém pegar meu braço com força e virei na direção da pessoa, incrédula:
- Ha... Ha...
Minha voz não saiu. Meu coração começou a bater tão forte que pensei que poderia cair morta ali mesmo, na calçada.
Ele começou a apertar cada vez mais forte, me machucando. Tentei desvencilhar-me, mas quando vi, ele estava abrindo a porta de uma cafeteria e entrando comigo praticamente arrastada ao lado dele.
Parou em frente à uma mesa e ordenou:
- Sente-se.
Não tive coragem de desobedecer. Sentei, totalmente sem jeito. Observei meu braço, muito vermelho. Toquei-o, sentindo ardência. Ficaria roxo.
- O que...
Os olhos dele me encararam e senti um frio na barriga. Jamais pensei, depois de tantos anos que passaram, que eu pudesse sentir algo por ele. Mas era como se nunca tivesse ido embora o amor que eu dizia ter.
- O que você quer... Haroldo? – Consegui finalmente falar, depois de quase cinco minutos com as palavras morrendo nos meus lábios.
- Hardlles para você. Haroldo era para amigos e conhecidos. Você não é uma coisa nem outra. É a porra de uma mentirosa que eu tive coragem de comer no passado.
- Eu achei... Que tivesse gostado de mim... – Engoli em seco, tentando não enfraquecer nem demonstrar o quanto aquilo me doeu.
- Gostei... E me não há um único dia em que não me arrependa do que senti.
Abaixei a cabeça, não deixando que ele percebesse meus olhos marejarem. Imaginei por anos reencontrá-lo... Mas nunca daquela forma.
Ele havia cortado os cabelos longos, que eu tanto amava. O rosto estava mais cheio e os lábios mais grossos. Ele havia feito a barba... O rosto estava limpo e os olhos claros mais realçados.
Haroldo sempre fora lindo. Eu cheguei a acompanhar a carreira dele, até o fim dela. E as últimas fotos que vi, em revistas de fofocas ou sites do mesmo estilo, ele estava com uma aparência horrível. Quando foi que decidiu rejuvenescer?
A atendente veio até a mesa e ele pediu café puro. Arqueei a sobrancelha: ele pedindo café e não algo alcóolico?
Ela olhou na minha direção e eu recusei. Mal sabia que não tinha uma moeda no bolso para pagar a comida.
- Estava me procurando? – Perguntei, tentando parecer debochada, incerta se consegui.
- Sim... Desesperadamente.
Como assim? Haroldo me procurava? Será que...
- Eu vi sua irmã.
- Viu? Na TV?
- Não. Ela esteve na minha casa.
- Sabrina? Na sua casa?
Teria minha irmã dormido com Haroldo, popularmente conhecido como “Hardlles”, para me magoar?
- Ela foi me contar uma história muito louca.
Enruguei a testa, confusa.
- Tão louca que me fez mudar completamente minha vida.
- Por isso se tornou alguém apresentável?
- Você e seu pai me destruíram. Sabe muito bem disto.
- Não fui eu... Foi ele. Eu... Me vinguei. Acabei com a J.R Recording... Como um dia ele fez com a gente. – Tentei argumentar.
- Onde está nosso filho?
Minha boca pareceu seca imediatamente. Bebi todo o café quente dele, sentindo a língua queimar, o líquido descendo como uma bola de fogo pela minha garganta e parando no estômago.
O encarei, mas nada saía dentro de mim... Como se as palavras tivessem sido fervidas e nunca mais pudessem ser ditas.
- Sabrina me disse que você teve um filho e o deu em adoção. Um filho seu... E meu.
Meu Deus! Aquela desgraçada havia ficado sabendo e contou a ele. Como minha mãe pode fazer aquilo comigo? Era um segredo meu... Ela não tinha o direito de compartilhar com minha irmã.
- Fala alguma coisa, sua vagabunda.
- Não me chame de vagabunda! – A voz continuava fraca e as lágrimas me desobedeceram e caíram pelo meu rosto.
- Onde está nosso filho?
- Eu... Não sei... Entreguei a uma instituição em Noriah Sul.
- Nós vamos até lá imediatamente.
- Não adianta... Ninguém vai nos falar nada. Eu... Já tentei.
- Já tentou?
- Sim... – Confessei, com a cabeça baixa.
- De que adianta chorar? Você entregou um bebê... Recém nascido... Nosso filho... Para outra família criar... – A voz dele saiu rouca e percebi o quanto ele estava emocionado.
- Eu não tive opção.
- Sempre há uma opção e você sabe disto.
- Abri mão de você... E dele... Pelo amor que eu sentia.
Ele riu debochadamente:
- Ninguém abandona um filho por amor.
- Meu pai ameaçou que se eu ficasse com ele... Acabaria com sua carreira. Você estava no auge... Eu sabia que aquilo era importante para você.
- Me acabei sem você... Aos poucos... Minha carreira se foi, junto da minha sanidade.
- Eu amei você... Como nunca amei outra pessoa na minha vida. Tudo que fiz, foi em seu nome.
- Sua covarde...
- Sim, fui covarde. Mas não fui eu que o destruí. Foram as porras das suas drogas. E por isso meu pai não me deixou ficar ao seu lado.
- Conheci drogas de verdade quando você se foi... Heroína, cocaína, LSD... Você poderia ter me curado.
- Não... Você deveria ter provado que conseguia ficar longe daquelas porras.
- Você sempre se preocupou mais com o que os outros dissessem do que com seus sentimentos.
- Não é verdade...
- Eu quero o meu filho.
- Não podemos recuperá-lo... Eu tentei... Juro que tentei... – Limpei as lágrimas.
- Tentou como? Indo ao lugar e pedindo informações?
- Sim, exatamente isso.
Ele riu de forma irônica, pegando uma carteira de cigarros no bolso e acendendo um, fumando vagarosamente:
- Vamos voltar lá. Quebrando tudo. Vou botar fogo naquela porra se preciso for.
- Ei... Me desculpe, mas o senhor não pode fumar aqui dentro. – A atendente disse, sem jeito.
- Então me tire... Se for capaz. – Ele olhou na direção dela.
Ela saiu, amedrontada. Olhei para meu braço avermelhado, que ainda doía:
- Você me machucou.
- Sim... Por dois minutos. Você me machucou por trezes anos. Antes tivesse me dado uma facada... Mas preferiu me matar aos poucos. – Vi lágrimas nos olhos dele, que escorreram grossas pela face.
Haroldo apagou o cigarro, pondo dentro da xícara do café. Olhou para o líquido escuro e disse:
- Nós vamos atrás da nossa criança.
- O que eu mais queria na vida era encontrar nosso menino, Haroldo. Mas eu desisti. Não há um dia que eu não me arrependa do que fiz. Tentei voltar atrás, mas era tarde demais. Ele foi adotado dias depois que o deixei naquele lugar.
Ele balançou a cabeça:
- É meu filho. E vão ter que me dar uma resposta. Ninguém pediu minha autorização para dá-lo à outra família.
- Não é assim que funciona, Haroldo.
- Funciona como eu quiser, Mari. Nós vamos para Noriah Sul e só sairemos de lá com o nosso garoto.
- Ele... Está com onze anos. – Sorri, pensando em como ele deveria estar.
Será que era parecido comigo ou com o pai? Teria uma boa vida? Gostava dos seus pais? Sabia ou não que era adotado?
Hardlles levantou e pegou minha mão:
- Vamos para Noriah Sul... Agora.
- Eu... Não tenho dinheiro... Emprego... E estou com um processo criminal em Noriah Norte.
- Vamos conseguir autorização para que deixe o país. Explicaremos qual é a situação. Eu vendi meu apartamento. Era a única coisa que eu tinha. E estou disposto a gastar até o último norian do bolso para encontrar o nosso menino.
Peguei a mão dele e suspirei:
- Quero muito encontrar nosso filho, Haroldo! Assim como encontrar a mulher que eu era quando estava com você.
- Não podemos resgatar os sentimentos do passado, Mari. Eles nos destruíram completamente. Eu não sou mais o mesmo homem.
- Eu também não sou mais a mesma mulher... Mas sinto falta... – minha voz enfraqueceu – Muita falta de quem eu fui... De quem eu era quando estávamos juntos. Você me fez feliz... No pouco tempo que estivemos juntos. Depois que o deixei... Nada mais foi importante para mim. E tive que me desfazer da única coisa minha de verdade... Nossa... Por medo... E amor a você.
- Eu teria te ajudado, porra. Por que não me procurou?
- J.R o destruiria... Como fez com todos que cruzaram seu caminho...
- Você não pagou para ver... – Ele balançou a cabeça, decepcionado.
- Paguei... Paguei... – Suspirei – Tiraram nosso bebê dos meus braços. – Solucei, incontida.
Ele me abraçou de repente, do nada. Senti seu corpo junto ao meu. E me senti segura... Como não me sentia há tantos anos.
- Nós vamos encontra-lo. Darei meu próprio sangue se for preciso. – Ele garantiu.
- Darei o meu também... Porque você está comigo, Haroldo.
POV Sabrina Bailey Rockfeller
- Mamãe, será que ele vai encontrar logo a família? – Melody perguntou, olhando para Solitário II dentro do aquário.
- Esperamos que sim, meu amor. – Sorri.
- Tem certeza que quer larga-lo no mar, Medy? – Guilherme perguntou, ainda de mãos dadas com ela.
- Eu tenho, Gui. Olha para nossa família... – ela olhou para mim, Gui, Charles e depois para Alice, no colo do pai – É certo que Solitário quer encontrar peixes como ele.
- Pesquisou sobre isso, Sabrina? – Charles me perguntou.
- Família?
- Peixes beta. – Ele me encarou, rindo.
- Não... Não pensei em pesquisar.
- Mamãe sabe tudo... Ela é professora. – Melody afirmou, tranquilamente.
- Professora de Matemática, meu amor. Não entendo de peixes.
- Mas você ensina sobre as coisas.
- As coisas relativas à números.
- Isso é uma defesa? – Gui começou a rir.
- Não... Não... – Arqueei a sobrancelha, confusa – Ei, vocês deveriam ter pesquisado.
- É um peixe. Peixes moram na água. Não tem segredo. – Melody garantiu.
Entramos todos juntos na água cristalina e gelada.
- Não deixe Alice se molhar. – Avisei Charles.
Ela sorriu na minha direção e meu coração se aqueceu. Peguei o aquário das mãos de Melody. Olhei para Solitário, lindo e colorido, reluzindo na água. Aquele peixe havia durado muito... Talvez porque eu estava longe dele por muito tempo.
Entramos até a água ficar na altura dos nossos joelhos. As ondas não estavam muito fracas.
- Dê adeus para Solitário. – Falei para Melody.
- Adeus, Solitário II. Seja feliz com a sua família. E se não encontrá-los, aproveite a sua liberdade.
Eu estava virando o aquário quando Alice gritou:
- Papai!
- Papai? Alice disse papai? – Charles gritou.
Meu Deus, Alice falou pela primeira vez.
Todos correram na direção dela, que gargalhava. Joguei a água do aquário no mar, com Solitário caindo junto. Vi ele nadando fraco e me senti tranquila por estar fazendo aquilo. Foi quando um peixe enorme apareceu e o comeu por inteiro.
Não... Não devia ser verdade. Certamente um pesadelo. Pisquei várias vezes meus olhos, tentando acordar. O peixe, grande, veio na minha direção e saí correndo da água, gritando.
Todos já estavam na beira da praia, na areia seca.
- O que foi, meu amor? – Charles perguntou.
- Eu... Eu...
- Papai. – Alice me disse, sorrindo.
Peguei-a e a enchi de beijos, mas meu coração estava apertado.
- Será que Solitário II vai ficar bem, mamãe?
Olhei para Melody, com seus olhos vermelhos grandes e felizes.
- Sim... Ele... Vai ficar.
- Ainda bem que não deixamos ele muito tempo em casa, com você, não é mamãe? Ou ele corria o risco de morrer.
Deus! Eu presenciei outro assassinato de um peixe. Morreria escondendo aquele crime horrível, cometido por um peixe grande, cinza escuro, com barbatanas grandes... Um ser cruel e impiedoso.