Capítulo 111
2209palavras
2023-02-08 10:43
- Rachel! Rachel! – Eu a chamava, desesperado, mas ela seguia desacordada.
- Será que ela está respirando?
Olhei para cima e vi Charles. Ele a colocou no chão e tentou sentir a respiração dela.
- Meu Deus! O que eu fiz? – Fiquei andando de um lado para o outro, em desespero, sentindo meu coração bater forte e o corpo tremer de forma brusca, que eu não conseguia controlar.
- A respiração está fraca... Muito fraca.
Passei a mão pelos cabelos, como se aquilo fosse me acalmar de alguma forma.
Charles levantou e vi o sangue nas suas mãos.
- Precisamos chamar uma ambulância. – Falou, enquanto andava, se afastando dali.
- Não pode chamar ninguém... Vão me prender.
- Vai deixar a garota morrer aqui? – Ele parou, alguns passos adiante, me perguntando seriamente.
- Eu... Eu...
Ele seguiu, se afastando cada vez mais.
- Covarde! É isso que você é... Um covarde. Vai fugir de mim a única vez que precisei de você realmente. – gritei, furioso.
Charles seguiu até o final da piscina, andando ao lado dos coqueiros enormes. Depois subiu num banco de madeira, trepando no troco de uma árvore baixa, de onde retirou algo da câmera de segurança que focava exatamente no local onde eu estava com Rachel.
Enquanto ele voltava, com o objeto nas mãos, perguntei, aturdido:
- Como... Você viu esta porra?
Charles jogou o pequeno objeto de metal na água:
- A gravação do que houve aqui já era.
- Mas...
- Busque ajuda. Diga que eu a empurrei por acidente e ela caiu. Peça que chamem uma ambulância.
- Não... Eu não posso fazer isso...
Ele pegou meus ombros com força e encarou-me:
- Não só pode como vai fazer. Se ela morrer, não deixarei que você vá para a cadeia. Eu vi que não foi culpa sua, mas ninguém vai acreditar, porque meu testemunho, por ser seu pai, não vai valer de nada. E a porra das imagens da câmera só vão provar que foi você que a empurrou.
- Não pode fazer isso... Não deve... – Senti um enjoo forte, e tudo começou a girar ao meu redor.
- Acalme-se, garoto! Só busque ajuda e pronto. Eu resolvo o resto.
- Não... – Fiquei indeciso sobre o que fazer.
Sabia que estava fodido e levaria tempo para provar que não foi minha culpa, que a empurrei mas não tive intenção de matá-la. Mas ainda assim não podia aceitar que meu pai levasse a culpa. Não era correto.
Enquanto eu decidia o que fazer, vi um casal vindo em direção à piscina. Logo eles avistaram Rachel no chão e saíram correndo.
- Que porra! – Charles gritou – Sai daqui garoto, agora.
Fiquei olhando-o, sem coragem de partir.
- Vai embora daqui agora ou vou bater na sua cara e dizer que agredi você também. E então vai ser pior ainda.
Andei, sem conseguir deixar de olhar para trás. Conforme ouvi vozes, corri, conseguindo abrigo no vestiário masculino, que não estava com a porta chaveada.
Charles não teria tempo de fugir. Ou não quis fazer aquilo, pois realmente ele intencionava tentar salvar Rachel, já que confirmou que ela respirava.
Subi no mictório e consegui observar pela minúscula janela as pessoas se aglomerando ao redor deles.
Por Deus, eu não podia deixar Melody ver aquilo. Tampouco Sabrina. Deixei o banheiro, tentando não ser um garoto amedrontado e dei a volta pela construção, conseguindo entrar de volta para o salão, quando todos faziam o movimento de sair, a fim de ver o que estava acontecendo.
Sabrina estava vindo com as meninas para a área externa, tentando acompanhar o movimento dos curiosos. Consegui chegar até elas, fazendo-as parar:
- Você não pode ir até lá, Sabrina! – Minha voz quase não saía.
- Gui... O que houve com você?
Percebi que o suor escorria pelo meu rosto e a roupa estava toda desarrumada.
- Medy não pode ir! Por Deus! – Implorei.
Melody me olhou, confusa. Os olhos de Sabrina deram a entender que ela sabia que algo errado havia acontecido.
- Vamos sair daqui. – Falei.
- Mas... Preciso encontrar Charles.
Peguei Alice dos braços dela e com a outra mão segurei Melody:
- Vamos sair imediatamente daqui.
Ela veio atrás de mim, nervosa:
- Eu preciso ver Charles... Onde ele está?
- Aconteceu um acidente...
- Charles? Foi com ele? – Ela parou, o pânico visível em seu rosto.
- Venha! – Calissa pegou a filha pelos ombros, fazendo-a andar em direção à porta de saída do salão.
- Mãe... Charles!
Calissa me olhou profundamente. Percebi que tentava encontrar uma explicação.
- Eu sei o que houve. Explico depois.
Era a única coisa que eu podia dizer. Melody não podia ouvir o que havia acontecido realmente.
Sabrina tomou a direção do carro e nos levou para a casa de praia, onde ela morava com meu pai e irmãs.
O caminho foi feito em absoluto silêncio. Mas eu ouvia, do banco de trás, ela fungando vez ou outra e imaginei que estivesse chorando.
Por sorte, consegui fazer Melody dormir no meio do caminho. Encostei a cabeça dela no meu peito para protege-la dos solavancos, tamanha rapidez que Sabrina dirigia. Respirei fundo e disse:
- Sabrina, Charles assumiu a culpa por uma porra que eu fiz.
- Como assim? – Ela parou o carro no acostamento, sem se importar que era noite e o caminho completamente deserto.
Virou o rosto na minha direção e gritou:
- Fala, porra!
Comecei a jogar as palavras aleatoriamente, tentando contar a verdade. Mal havia começado e não consegui conter o choro. Deus, eu não podia tê-lo deixado fazer aquilo. Que tipo de pessoa eu era?
Ela abriu a porta do carro e saiu, andando sem dizer destino, as mãos na cabeça, completamente confusa.
- Vá atrás dela. – Calissa disse, abrindo a porta de trás e sentando com Melody e Alice.
Corri até Sabrina e me pus na sua frente. Limpei a porra das lágrimas que me traíam e percebi que ela chorava. O sofrimento dela era visível e aquilo acabava comigo... Me destruía por dentro. Talvez eu sempre tenha sabido o quanto ela amava o meu pai. Mas naquele momento, justo ali, somente nós dois, eu percebi que os dois eram como ímãs. Se atraíam o tempo todo. Se olhavam o tempo todo. Sorriam um para o outro o tempo todo. Se preocupavam um com o outro o tempo todo. Se amaram separados, por anos... Todos os dias. Ela nunca me enganou. Me disse claramente que amava o pai de Melody. Talvez tenha sido a carência que fez com que eu encostasse nela. Ainda assim, se manteve fiel a ele, mesmo não sabendo sequer se Charles estava vivo.
- Me perdoe... – Foi a única coisa que consegui dizer, de tantas que vieram à minha mente, mas acabaram morrendo nos meus lábios.
Ela me abraçou. Senti tanta força nos braços dela e a acolhi, sentindo seu cheiro que me dominava de uma forma inexplicável. Sabrina jamais seria minha. Ela era a mulher do meu pai. Sim, “meu pai”... O homem que assumiu a culpa por um erro meu sem pedir nada em troca. Eu sabia que minha mãe jamais teria aquela atitude para comigo... Ou qualquer outra pessoa. Mas ele teve. Porque talvez... Sempre tenha se importado comigo, de verdade.
- Precisamos voltar! – falei no ouvido dela. – Tenho que assumir minha culpa. Não posso deixar meu pai assumir no meu lugar.
- Não... – sorriu, limpando as lágrimas. – Vamos esperar. Meu “el cantante” sabe o que faz. Isso... É ser pai. – Os lábios dela tremeram.
- Eu...
Ela pôs o dedo indicador nos meus lábios. Os olhos negros brilhavam, mesmo na noite:
- Você disse “pai”... – um novo sorriso iluminou seu rosto.
- Sim, eu disse pai. – Confirmei, gargalhando, me afastando dela e não conseguindo desmanchar o sorriso no rosto.
- Ele é o seu pai.
- Achei que eu nunca ia conseguir pronunciar isso. – Admiti.
- Ele ama você.
- Eu sei... Acho... Que eu sempre soube, Sabrina.
Ela pegou o telefone no carro e fez uma chamada.
- Está ligando para ele?
- Sim. – Confirmou – Mas não está atendendo.
- Tente Colin.
Ela logo ligou para o advogado, seu ex-noivo.
- Colin?
Ela virou-se e voltou para o carro, enquanto escutava Colin ao telefone. Creio que tenham ficado uns seis a sete minutos falando. Quando largou o aparelho, ligou o carro e voltou a fazer o caminho para sua casa.
- O que houve? Como Charles está? – Calissa perguntou antes de mim.
- Colin disse que Rachel foi para o Hospital. Ela está fora de perigo.
Gritei em comemoração, sem pensar em mais nada. Sabrina, por sua vez, começou a buzinar desesperadamente, enquanto gargalhava.
- Vocês são loucos. – Calissa começou a rir.
- Vou deixar vocês em casa e voltar. Ficarei com Charles na Delegacia. – Ela garantiu.
- Vou junto. – Me adiantei.
- Não, você não vai. Falará com seu pai somente quando ele voltar para casa. Ainda não está tudo resolvido. Charles assumiu ter empurrado Rachel, inventando uma história absurda. Os pais dela estão putos da vida e querem a cabeça de “el cantante”. Colin conseguiu evitar que ele vá para uma cela. Mas ficará detido na Delegacia até que resolvam a situação dele.
- Não vão deixar você ficar com ele, Sabrina. – Calissa avisou.
- Mãe, se não me deixarem ficar com ele, sentarei na porta, no cordão da calçada, em qualquer lugar... Mas quando Charles sair, eu quero estar lá, esperando por ele. Você pode cuidar das meninas para mim?
- Claro. Me ajuda, Guilherme?
Olhei para Calissa, pensando em negar. Claro que eu queria ir com Sabrina, mas sabia que seria difícil ela deixar. E eu já tinha causado a porra toda, então era melhor ficar na minha e ajudar como pudesse.
Peguei Melody no colo, ainda adormecida e levei-a para o quarto. Retirei os sapatos e depois o vestido, que parecia incomodar, com tantas rendas e babados. Procurei no armário por uma roupa mais confortável, mas não encontrei. Parecia tudo muito pequeno. Na dúvida, fechei a janela e pus uma manta sobre ela.
Passei pelo quarto de Alice e Calissa estava pondo-a no berço.
Quando Calissa saiu, disse:
- Tem dois quartos vagos: o de hóspedes e o de Sabrina e Charles.
- Eu vou ficar na sala. Não se preocupe comigo.
- Então eu vou para o quarto de hóspedes. Não vou deixar as meninas sozinhas aqui em cima.
- Você não mora mais aqui com eles?
- Não. Aluguei uma casa próxima.
Estavam somente os quatro morando ali, finalmente. Achei que aquilo nunca aconteceria e na verdade até torci internamente para que meu desejo se concretizasse e meu pai e Sabrina nunca fossem felizes. Naquele momento me senti muito arrependido pelas minhas atitudes imaturas.
Desci e deitei no sofá. Fingiria que dormi, pois sabia que jamais conseguiria pregar os olhos com meu pai numa Delegacia por minha culpa.
Num ímpeto, peguei o celular e liguei para a mão de Rachel. Ela não atendeu na primeira vez. Mas não desisti. Na segunda, ouvi a voz dela:
- Gui?
- Olá, senhora Roberts. Eu soube o que houve com Rachel. Gostaria de saber como ela está?
Ela ficou alguns segundos em silêncio. Depois falou:
- Ela acordou há pouco.
- E qual estado de saúde dela?
- Foi uma pancada forte na cabeça.
- Ela... Está bem? Lembra o que aconteceu?
- Os médicos não querem que a forcemos a nada. Gostaríamos de saber o motivo que levou Charles a empurrá-la... Mas vamos aguardar. Obrigada por se preocupar com ela, querido.
- Eu... Poderia ir visita-la?
- Agora?
- Eu... Esperaria amanhecer.
- Não seria o ideal ela receber visitas. Mas aposto que ela quereria muito vê-lo. Você sabe o quanto minha filha gosta de você, não é mesmo?
- Sim, eu sei. – Infelizmente, pensei.
Desliguei o telefone e fiquei a pensar até que o dia amanheceu. Assim que Melody desceu, olhou-me confusa:
- Você dormiu aqui, Gui?
- Sim... – Levantei.
- E meu papai e minha mamãe? Eu não os vi no quarto.
- Eles tiveram um probleminha. Mas logo estarão de volta.
Ela fez uma carinha triste e sentou ao meu lado.
- Você sempre fica com eles pela manhã? – Perguntei.
- Sim... Eu deito na cama deles. Papai me faz cócegas e mamãe prepara o meu chocolate. Às vezes ela me deixa tomar na cama. – Cochichou a última parte no meu ouvido.
- Você quer passear comigo?
- Eu quero. – Disse sem pensar duas vezes.
- Então vá se trocar. Vou preparar o seu chocolate quente.
- Pode ser com chocolate de verdade? Igual àquele que você preparou aquela vez, quando morava só eu e mamãe?
- Pode sim. – Sorri.
- Onde vamos?
- Visitar uma pessoa no hospital. E quero que você seja gentil e carinhosa, como sempre é.
- Medy é sempre muito gentil. – Observou.
- Eu sei... Mas você precisa ser a melhor garota do mundo. Consegue?
Ela me encarou e tentou piscar um olho, sem sucesso:
- Eu consigo.