Capítulo 110
2436palavras
2023-02-08 10:41
Eu poderia dizer não. Mas a minha irmã não tinha culpa de nada... Nem Sabrina e os demais. Afinal, Charles tinha culpa de alguma coisa? Fiquei confuso e quando percebi, pegava a bebê dos braços dele.
Observei-a e não pude evitar um sorriso bobo, que surgiu do nada. Ela era linda. Dormia feito um anjo. E trazia-me uma sensação de tranquilidade e amor que não lembro de sentir há anos.
- Cheira ela, Gui! Ela tem cheiro de bebê. – Melody puxou meu casaco, enquanto falava.
Como um idiota, fiz o que minha irmã me mandou. Cheirei nossa irmã caçula e senti o cheiro de bebê, misturado ao de Sabrina, deixando-me confuso.
Afastei-a um pouco e percebi todos os olhares na minha direção. Entreguei-a nas mãos de Sabrina, que a amparou junto de seu peito, carinhosamente.
- Que bom revê-lo, Gui! – Ela disse com sua voz doce e macia.
- Obrigado.
- Quer sentar conosco? – Convidou.
- Não... Eu... Vou pegar algo para beber... – Falei, me afastando imediatamente, sem motivo real para fazer aquilo.
Respirei fundo e saí sem rumo, andando pela pista de dança e parando próximo dos banheiros. Claro que eu queria sentar ali, junto deles. Mas parecia que algo me segurava para que eu não o fizesse.
Peguei outra taça de espumante e pus uma das mãos no bolso enquanto observava tudo ao meu redor, tentando esquecer a porra de sentimento familiar que eles exalavam o tempo todo.
- Alice é muito parecida com você, quando nasceu.
Vi Charles ao meu lado, parado com as mãos no bolso.
Eu não disse nada. Minha mãe também havia dito a mesma coisa, quando mostrei uma foto da menina. Ou seja, ele ainda lembrava de quando nasci, mesmo provavelmente não tendo uma foto que comprovasse.
- De astro pop a cantor de casamentos? – Ironizei a condição dele.
- Não é tão ruim, acredite! – Ele sorriu, da mesma forma como Sabrina fazia, de forma despretensiosa.
- Quanto cobra por noite?
- Não cobro porque não costumo fazer isso. Foi presente para Do-Yoon e Lianna.
- Então não acabou como cantor de casamentos?
- Não. Na verdade, estou compondo para alguns cantores conhecidos. Não há como ficar rico com o que ganho, mas consigo ajudar Sabrina a pagar suas aulas. Ela está fazendo Mestrado.
- Ela era uma boa professora.
Ele me olhou:
- Boa no sentido de ensinar bem?
Começamos a rir, do nada. Entendi a frase dele com duplo sentido, sem ter certeza se realmente era. Balancei a cabeça, confuso com a situação. Eu não queria discutir com ele meus sentimentos por Sabrina.
- Fico feliz que ela tenha seguido adiante.
- Quer dar aulas numa faculdade. A vida de mãe 24 horas estressa ela às vezes.
- Imagino... E se Alice for como Medy, as duas juntas vão enlouquecê-la.
- Ainda assim ela não quer abrir mão disso: ser mãe na maior parte do tempo.
Eu não via Sabrina dali. Mas imaginava ela sentada, com seu lindo vestido vermelho, sem desgrudar da bebê e com os olhos atentos à Medy o tempo inteiro. Ela o tipo de mãe que eu não conhecia: zelosa, carinhosa, cheia de cuidados com as filhas.
- E sua mãe? – Charles perguntou.
- Ela deixou o país novamente. – Devolvi a taça vazia ao garçom, que me ofereceu outra, mas recusei.
- Voltará logo?
- Eu não sei... Isso é sempre uma incógnita. Ela não consegue ficar parada num mesmo lugar.
- E você está morando onde?
- Estou firmando moradia em Noriah Norte.
Ele me olhou:
- Perto de nós?
- Na capital.
Ouvi o suspiro dele. Quando me dei em conta, ambos estávamos na mesma posição, um ao lado do outro, com os braços cruzados na altura do peito. Imediatamente descruzei os meus. Comparei nossas semelhanças físicas. Alturas eram praticamente a mesma e o corpo parecido: magros, abdomens definidos. Cabelos castanhos escuros e lisos também nos igualava. Exceto isso, ele tinha olhos verdes, eu castanhos claros, tendo puxado à minha avó. O nariz dele era fino e o meu mais grosso. Ele tinha o rosto triangular e o meu era oval. Nossos sorrisos em nada se pareciam. Ou será que se assemelhavam de alguma forma?
- Você chegou a ver a entrevista que eu e Sabrina demos para o programa da Rosy Strassbaum?
Sim, eu tinha visto várias vezes. Se bobeasse, poderia repetir cada palavra que ele e Sabrina disseram naquela entrevista.
- Devo te visto um pedaço. Mas não prestei muita atenção. – Menti.
- Viu o início?
- Não. – Segui minha mentira.
- Gui...
- Charles, eu não quero discutir uma vida inteira numa festa de casamento. – Cortei o assunto.
- Ok... Tem razão. – Concordou.
Eu fiquei em silêncio, esperando que ele saísse. Mas Charles permaneceu ali, do meu lado, sem dizer nada.
- Eu não quero pressioná-lo a nada – ele falou, sem me olhar – Mas agradeço por trocar estas poucas palavras comigo. Acredite, é importante para mim.
Segui com meu silêncio.
- Cheguei a pensar inúmeras vezes que precisava do seu perdão. Depois me dei em conta que não era isso. Embora você não acredite, eu não fiz nada de errado. Só era um garoto, com dezoito anos e um bebê de dois que estava sob minha responsabilidade. Então percebi que não preciso ser perdoado pelo meu filho... Só amado.
O olhei, confuso. Ele tinha mesmo dito aquilo? Estava implorando por amor?
- Você não vai me amar do dia para a noite. Não conhece praticamente nada de mim. Mas eu o amei desde a primeira vez que o vi, quando nasceu. E não houve sequer um dia que eu não tenha pensado ou me preocupado com você desde então. Não sei se teve alguém a quem chamar de pai na minha ausência. Mas eu guardei todo o sentimento profundo que tenho por você dentro de mim... Amor de pai por filho.
- Não pode exigir isso de mim.
- Eu sei... Você precisa de tempo. Mais tempo... – suspirou – Talvez dezenove anos não tenha sido suficiente.
- Eu...
- Guilherme, eu e Sabrina formamos uma família incrível – cortou o que eu ia dizer – E seu lugar está guardado. Quero que saiba que eu e suas irmãs sentimos sua falta.
- E Sabrina? – provoquei – Ela também sente minha falta?
Ele demorou um pouco para responder:
- Eu acredito que sim. Porque você é um garoto especial e duvido que alguém que tenha convivido com você, por menos tempo que seja, não sinta saudade.
- Não me trate como uma criança.
- Não... Não mais. Porque vejo que você cresceu.
Quando fui argumentar, ele saiu. Fiquei confuso, olhando-o andar no meio das pessoas, com passos firmes.
Amor... Eu não sabia o que era amor. Então conheci Sabrina e pensei amá-la. Mas quando conheci Medy, eu quis imensamente fazer parte da vida delas, como nunca desejei tanto uma coisa na vida.
Simplesmente porque elas se importavam uma com a outra, se cuidavam, faziam coisas divertidas juntas, falavam-se o tempo todo, comiam pizzas de diferentes sabores e bebiam chocolate quente olhando filmes na TV. Elas burlavam regras e eram felizes. E se amavam.
Eu cresci com uma avó que me deu tudo: dinheiro, atenção e ofereceu qualquer coisa uma criança poderia querer. Exceto amor. O medo dela de eu um dia querer morar com meu pai era tão grande, que a vida dela era em baseada nisto: falar mal dele o tempo todo.
Claro que este sentimento de abandono, de rejeição, fez parte da minha vida. Porque era isso que ela queria que eu sentisse. Estava tão focada em não me deixar partir, que não fez nada que me fizesse querer ficar.
Minha mãe aparecia poucas vezes. Fazia passeios legais comigo, descumpria algumas regras que minha avó impunha... E intensificava a rejeição por parte de meu pai.
Eu não era e nunca fui prioridade na vida da minha mãe. Enquanto era o ar que minha avó respirava.
Nunca senti nada por Charles Bailey a não ser ódio e raiva. Me puseram na cabeça que ele nunca me quis e ponto final. E quando minha mãe percebeu que ele estava ficando famoso, decidiu que eu precisava pegar em dinheiro o amor que ele não me deu durante os dezoito anos de vida.
Quando eu vi a entrevista dele na televisão, fiquei sem chão. Aquela história nunca me foi contada e cheguei a pensar que Charles era um louco dissimulado. Minha avó reafirmou isso, dizendo que além de abandonar-me, ele era um mentiroso que queria fazer papel de bonzinho na televisão.
Mas antes de minha mãe partir novamente de Noriah Sul, como sempre fazia, em suas breves visitas ao filho e à mãe, me disse que tudo que Charles havia falado no programa de televisão era verdade.
Não, eu não pedi que ela me dissesse se era ou não verdade. As palavras dela, depois de confirmar que ele não mentira, foram:
- Você deve estar se perguntando porque eu estou revelando isso só agora. A resposta é: melhor hoje do que nunca. Minha mãe quase me fez acreditar nas mentiras todas que inventamos. Mas é diferente agora. Porque você tem duas irmãs. E eu vi nos seus olhos o quanto você gosta da garotinha de olhos verdes – sorriu – Gostei do nome que você sugeriu: Alice. Me lembra o país das maravilhas. E me parece que é neste lugar que eles vivem... O país das maravilhas. Eu nunca tive isso... Mas não posso privá-lo de ter. Seu pai nunca desistiu de você.
Da mesma forma fria que disse todas aquelas palavras, ela virou as costas e se dirigiu à plataforma de embarque, sem olhar para trás.
E eu fiquei ali, com mil sentimentos dentro de mim, imaginando se um dia conseguiria entender o motivo de elas terem feito o que fizeram comigo.
Eu não entendia o que eu sentia por aquele homem que se dizia meu pai. Porque fui ensinado a nunca o amar.
Percebi que estava completamente suado. Certamente por estar com as emoções à flor da pele. Senti um ar fresco vindo da rua e me dirigi à porta dos fundos.
Andei um pouco no gramado bem cuidado e vi a piscina olímpica completamente iluminada. Eu já conhecia o clube. Por vezes ia até ali com meus amigos exatamente para usar a piscina maravilhosa que só tinha naquele lugar.
Mas nunca pudemos usar a piscina durante a noite. O que me atraía era a luminosidade que havia perto dela. Era difícil distinguir se era dia ou noite.
Os coqueiros altos davam um ar menos esportivo ao local, que também era usado para lazer. Em volta da piscina havia um piso com pedras antiderrapantes beges. Ao longe, quadras de tênis, vôlei, futebol e basquete.
Durante o dia aquele lugar era sempre bem movimentado. Mas só entrava quem tinha boas condições financeiras para bancar ser sócio. Minha avó sempre reclamava do valor da mensalidade, mas nunca me importei em saber.
- Pensando em mim?
Me assustei quando vi Rachel atrás de mim. Droga! Quando aquela louca me deixaria em paz?
Tentei sair, mas ela me segurou pelo casaco, fazendo-me encará-la:
- Por que tenta resistir ao que sentimos um pelo outro?
Pus minhas mãos firmemente nos ombros dela e a encarei:
- Eu não gosto mais de você. Tivemos um lance e pronto... Acabou.
- Eu posso pedir desculpas para a professora “pegadora”, caso você queira. – Debochou, fazendo beicinho.
- Me solte.
- Só se você me der um beijo.
Arranquei com força as mãos dela da minha roupa, tentando sair. A garota novamente puxou-me com força, fazendo-me virar em sua direção:
- Você não pode abrir mão de tudo que vivemos juntos, Gui.
Reparei Rachel... Os olhos claros confusos. Seus cabelos desgrenhados, vários fios soltando do penteado. A maquiagem dos olhos estava levemente borrada e não havia mais batom nos lábios.
Ela usava um vestido dourado curto e justo, que mostrava cada centímetro do corpo esbelto. Chegamos a nos dar bem no passado... Na cama. Tirando isso, brigávamos com frequência. A insistência dela me fazia sempre voltar atrás, por pena.
Quando conheci Sabrina, percebi que Rachel era dependente de mim. Então comecei a deixar claro que estava tudo realmente acabado. E não foi em função da professora, mas sim porque ela se achava minha dona. Eu teria feito a mesma coisa se conhecesse outra mulher que me interessasse.
- O que você está fazendo aqui? O professor Do-Yoon nem gosta de você. Ele é amigo de Sabrina.
- Eu vim com meus pais. Recebemos convite diretamente do pai de Lianna.
- Não deveria vir... Não depois do que fez com Sabrina na formatura.
- Ela mereceu.
- E você foi condenada... Ou seja, fez merda. Aliás, é só isso que você faz.
- Não é tão ruim prestar serviço comunitário. – Deu de ombros.
- Que porra você tem na cabeça?
- Você!
Tentei fazê-la me soltar, mas não consegui. Comecei a ficar alterado:
- Me deixa em paz, porra!
- Ainda gosta da professora aliciadora de alunos?
- Do que você está falando? Sabe muito bem que Sabrina não foi culpada... Eu fui o responsável pelo que aconteceu.
- Vai perdoar seu pai agora? Qual seu intuito de viver com eles? Ah, já sei... – riu – Vai comer a mulher do seu pai.
- Cale a sua boca, piranha!
- Acha que ela vai aceitar você na cama junto deles? Imagino vocês dois a fodendo... Aposto que ela não se importaria, pois é uma vadia.
Arranquei as mãos dela do meu corpo, usando a força. Andei novamente e agora ela correu, se pondo na minha frente.
- Seu papai é um criminoso. Ele não deveria estar nesta festa. O lugar dele é na cadeia.
- Ele foi inocentado. Todo mundo sabe disto.
Rachel puxou as laterais do blazer, tentando me roubar um beijo. Virei o rosto, tentando impedir de qualquer forma. Me senti enojado da atitude dela.
- Qual o problema? Agora vai defender o papai abusador? Seu idiota... – bateu uma das mãos com força no meu peito – Vocês todos se merecem... A vagabunda da Sabrina, seu pai criminoso, estuprador de meninas indefesas... Não tem medo de ele comer a sua irmã?
A empurrei com toda minha força. Rachel desequilibrou-se e caiu sobre as rochas que ornamentavam os coqueiros, batendo a cabeça.
Fui até ela, desesperado, ao vê-la desacordada. Quando tentei levantá-la, vi sangue escorrendo pela pedra.
Eu estava fodido... Muito fodido. Acho que havia matado a maldita!