Capítulo 105
2141palavras
2023-02-08 10:38
Apertei a mãozinha de Melody, instantaneamente. Os olhinhos dela se fixaram nos do irmão, que a pegou no colo, mudando completamente a expressão. Deu-lhe um beijo no rosto e olhou para a mãe, Kelly:
- “Nós” não faremos nada – disse firmemente – Porque a metade da casa é “minha” e não “sua”. Eu não quero. Na verdade, nunca quis nada... Porque dinheiro não vai resolver o meu problema. Quando você vai entender isso?
Kelly ficou incrédula, olhando para o filho, sem reação. Ele continuou, olhando para Melody:
- Esta linda casa é de Medy... – sorriu – Alice... E Sabrina – me olhou – E eu não vou fazer absolutamente nada contra elas... Porque são minha família, tanto quanto você e minha avó.
Deus! Respirei fundo, aliviada. Eu imaginei que um dia Guilherme iria se livrar das garras daquela mulher, que o sufocava com suas vontades sem sentido. O garoto sempre foi inteligente, dedicado e altruísta. Ele me defendeu quando todos me julgaram com o vídeo... Pegou minha mão, me tirando do quase “apedrejamento em praça pública”. Sim, ele tinha bom coração. E sempre amou Melody, mesmo quando não sabia dos laços sanguíneos que existiam entre eles.
- Você não pode... – Ela iniciou, com a voz menos autoritária.
- Sim, eu posso – ele cortou a frase dela – Porque é meu direito e não seu. Eu sou o filho... Você não tem nenhum tipo de parentesco com ele. A relação de vocês foi superficial... E dela eu nasci. Nada além disso... E não me faça acreditar que houve amor, porque eu sei que não teve. Se tivesse, você não faria tudo que faz.
Ele largou Melody no chão e disse:
- Posso ajudá-la a escolher um jogo? Eu gostaria muito de jogar com você antes de ir embora.
Ela sorriu, os olhinhos brilhando de contentamento. Melody entendia tudo... Não tenho certeza se ela se dava em conta da malícia das pessoas, porque era uma criança de cinco anos, puro amor e com um coração inocente. Mas sabia quando não queriam o seu bem... E tinha uma conexão forte comigo, sentindo quando eu sofria ou estava triste.
Guilherme sentou-se no chão, no meio da sala com ela, enquanto os dois escolhiam um dos jogos.
Kelly me olhou. Os olhos claros dela não tinham ódio... E sim perplexidade. Se eu fosse a mãe de Guilherme, naquele momento teria orgulho do meu filho.
Dei de ombros e sentei no chão, junto deles:
- Posso jogar junto?
- Pode, mamãe. Você vai ser esta pecinha vermelha, porque gosta da cor vermelha. Gui vai ser o branco, porque ele gosta de branco, mas não porque o papai gosta... E eu vou ser o azul – pôs sua peça na linha de partida – E este preto eu vou guardar na caixa, que é o papai. Daí outro dia, quando ele estiver, a gente vai jogar junto. Gui, faltou uma peça para Alice! – Ela gargalhou, pondo a mão no rosto, enquanto questionava o irmão.
- A gente pode pegar uma peça de outro jogo para ela, o que acha?
- Gui, que boa ideia! Você é muito inteligente... Acho que puxou a mim.
Começamos a rir. Olhei para Kelly e juro que vi um meio sorriso no rosto dela, embora tentasse disfarçar.
- Quer jogar? – Ofereci.
- Bem capaz... Que vou sentar no chão com minha roupa cara.
Eu ri, balançando a cabeça. Se a desculpa era a roupa, menos mal. Isso significava que se não fosse a isso, talvez ela sentasse no chão com a gente para jogar?
Se eu gostava dela? Não. Mas era mãe de Guilherme e eu faria o possível para manter uma relação respeitosa entre nós duas, por amor a ele. Tudo que eu desejava era que pudéssemos ser, um dia, uma família. Claro que não esperava que de uma hora para outra tudo entrasse nos eixos e Guilherme amasse o pai como se nada tivesse acontecido. Até porque a história deles era bem complicada. Mas eu acreditava, sim, num futuro pacífico. E cheio de amor... Porque isso tínhamos de sobra: eu, Medy e Charles.
Olhei para Guilherme, concentrado no jogo. Um garoto que tinha tudo... Menos amor. Era só isso que lhe faltava. Saber que o amávamos... Sem querer nada em troca.
Assim que acabou o jogo, Guilherme levantou:
- Eu preciso ir agora. – Falou para Melody.
- Eu vou ficar com saudade. – Ela levantou os braços, querendo colo.
Guilherme pegou-a no colo e deu-lhe um beijo:
- Vamos nos ver de novo... Em breve.
- Oba! Acho que a gente deve começar a pensar na pecinha da Alice... Para isso, temos que olhar todos os jogos e ver o que eu uso menos.
- Combinado. Quando nos vermos novamente, vamos fazer isso. Afinal, Alice não pode ficar sem a peça dela, não é mesmo? – Ele riu, dando outro beijo no rosto dela, que envolveu os bracinhos em torno de seu pescoço, juntando os rostos de ambos.
- Eu amo você, Gui.
- E eu amo você, Medy.
Guilherme me encarou e eu sorri. Ele retribuiu o sorriso. Olhei para Kelly, que estava escorada na mureta de madeira da varanda, com os óculos escuros escondendo seus olhos.
Guilherme largou Melody e disse:
- Não se preocupe. Não vou tirar nada de vocês.
- Eu... Sei que devo agradecer. Mas ao mesmo tempo, gostaria muito da sua presença aqui, que é mais importante do que qualquer coisa para nós. É pedir demais?
- No momento, sim – ele foi sincero – Preciso de um tempo ainda.
- Por favor, assista a entrevista do seu pai.
- Vou pensar nisso... Mas não prometo.
- Obrigada... Por pelo menos dizer que vai pensar nisso.
Surpreendi-me quando ele veio até mim e, mesmo sem jeito, me deu um beijo no rosto. Antes que saísse, o abracei com força, a barriga impedindo nossos corpos de se encostarem de forma mais íntima.
- Estou tentando lidar com isso ainda... – Confessou ele.
- Nós vamos conseguir, Gui... Porque merecemos ser feliz, juntos... Nós cinco. – Toquei a barriga.
Ele virou as costas e foi embora, sem olhar para trás. Andou na frente de Kelly, que o seguia com dificuldade, o salto afundando na grama e depois virando nas rochas, enquanto fazia o caminho até o carro.
Ficamos ali até o carro desaparecer, de mãos dadas, Melody e eu.
- Acha que ele vai voltar? – Ela perguntou.
- Espero que sim. – Sorri, olhando-a.
- A casa é nossa agora?
A encarei:
- Meu Deus, quem é você, “ser intelectual”, que se apossa do corpo da minha filha de cinco anos? – Arqueei a sobrancelha.
Ela começou a gargalhar, levantando os braços, os cabelos voando com o vento, olhinhos fechados pela claridade do sol.
Fechei meus olhos e levantei os braços, imitando-a. Senti a brisa fresca no meu corpo, meus cabelos esvoaçando ao vento.
Não é que era bom demais fazer aquilo?
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Saí do banho e peguei a toalha, me enxugando com um pouco de dificuldade. Meus pés estavam inchados e os lábios também. Enquanto penteava os cabelos, senti um líquido quente escorrendo pelas minhas pernas.
Meu coração acelerou. Fui até o quarto e disse para Charles, que estava lendo um livro para Melody, deitados na cama:
- “El cantante”... Eu acho que Alice quer conhecer a família.
Os dois me olharam imediatamente:
- Como assim? – Ele perguntou.
- Eu quis dizer que está na hora do parto, porra! – Gritei.
Ele levantou imediatamente. Melody saiu correndo, gritando:
- Vai nascer! Alice vai nascer!
Charles veio até mim, fazendo perguntas aleatórias, sem tomar nenhuma atitude. Quando percebi, Yuna, Min-ji, minha mãe e Colin estavam ali, todos falando ao mesmo tempo, me deixando zonza.
- Eu acho que temos que chamar uma ambulância. É perigoso levá-la ao Hospital no carro. E se o bebê nasce no meio do caminho? – Colin sugeriu.
- Teríamos que fazer o parto? – Charles enrugou a testa, confuso.
- Pensa na sujeira que daria no carro... Acho que só comprando outro depois, porque tenho a impressão que sangue não sai.
- E teríamos que levar uma tesoura junto... Caso nasça no carro? Acho que tem razão... Vamos chamar uma ambulância. – Charles concordou.
- Estão loucos? – Yuna os olhou, vindo até mim.
- Existem homens... E homens burros. Vocês fazem parte dos homens burros. – Olhei para os dois, furiosa.
- Meu amor... Não é nada seguro você ter o bebê no carro – Charles me olhou – E se der algo errado no caminho?
- Quer que eu tenha o bebê em casa, porra? Eu preciso de um médico... Ir ao Hospital.
- Yuna é médica, pode fazer o parto. – Colin sugeriu, orgulhoso.
- Você é patético. – Yuna o olhou, enquanto Calissa pegava a mala pronta com minhas coisas e as do bebê.
- Mas querida... É muito arriscado colocá-la assim no carro. – Colin continuou.
- Eu sou pediatra, Colin e não obstetra. Ela não vai ter o bebê no carro. Começaram as contrações? – Ela me perguntou.
- Sim... – Respirei fundo, enquanto descíamos o primeiro degrau, ela com a mão na minha.
Charles pegou-me no colo, descendo o restante dos lances de escada:
- Vai ficar tudo bem... Eu estou aqui. – Ele me olhou ternamente.
Toquei seu rosto e disse, rindo:
- Eu estou bem... Alice não vai nascer no carro e não precisamos de uma ambulância. É só você me colocar no carro e levar-me ao hospital...
- Porra, eu estou sentindo mil coisas dentro de mim... Perdoe-me, mas não sei como agir. – Confessou.
- Só não agir como Colin, pensando na sujeira no carro. – Falei no ouvido dele, que riu.
- Pode ensanguentar o nosso carro. – Ele brincou.
Balancei a cabeça:
- Quero um hospital, por favor.
Charles levou-se no colo até o carro. Todos atrás, conversando mil coisas ao mesmo tempo.
- Mamãe, precisa ficar com Medy.
- Não mesmo, vamos todos juntos. – Calissa disse, firmemente.
Revirei os olhos, enquanto Charles me punha no banco de trás e todos os demais entravam no carro de Colin.
Era noite. Charles deu a partida e senti outra contração. O parto de Melody foi tranquilo e acho que não seria diferente com o de Alice. Eu estava tranquila... Diferente de todos os demais.
Alice nasceu pouco depois da meia-noite. Charles esteve comigo o tempo todo, segurando minha mão. Nervoso? Nossa, mais do que eu. Mas em momento algum saiu do meu lado.
Ele foi o primeiro a pegar Alice no colo. E o olhar de “el cantante” para a filha talvez tenha sido a segunda melhor coisa que já vi na vida, depois do reencontro dele com Melody.
Quando fui para o quarto, logo recebi toda minha família por lá. Se tinham se acalmado? Não... Nenhum pouco. Pobre Alice passava de mão em mão. Somente Colin não teve coragem de segurar, alegando que poderia derrubar a criança, sentindo-se inseguro.
- Falem mais baixo, ou virão retirar todos daqui. – Yuna pediu, tentando acalmar os ânimos.
Vi Melody com a cabeça espichada, tentando ver a irmã, ao mesmo tempo que desistia temporariamente, não sabendo ao certo o que fazer.
- Medy? – Chamei-a.
Ela veio até mim, os olhinhos brilhando. Pegou minha mão, sem dizer nada.
- Sabe o amor enorme que eu sinto por você? – Falei.
Ela assentiu, me observando firmemente.
- Eu achei que teria que dividir com a Alice.
Ela sorriu de forma triste:
- Conseguiu?
Neguei com a cabeça:
- Não... Não há como dividir...
Yuna, parecendo entender o que estava acontecendo, pôs Alice no meu colo.
- O amor de Medy é só da Medy – expliquei – Nada mudou. Mas mamãe descobriu que agora tem outro amor... Tão grande quanto o que eu sinto por Medy... Que é o da Alice – sorri – Descobri que o amor por filhos não é dividido... É multiplicado. E esta descoberta é só minha. – Apertei a mãozinha quente dela, que observava a irmã.
- Ela é linda! – A voz delicada saiu fraquinha.
Percebi que todos estavam calmos agora, em silêncio, observando as irmãs que finalmente se conheciam.
- Você quer pegar ela um pouquinho? – Perguntei.
- Eu posso?
- Claro que sim. Você é a irmã do meio.
Charles a pôs na cama, sentada ao meu lado. Entreguei Alice em seu colo e percebi o coraçãozinho dela batendo forte, sob a roupa.
A porta se abriu e vimos Guilherme, com um buquê de rosas brancas nas mãos. Ficou parado, sem saber como agir.
Olhei para Charles, que não segurou a lágrima que percorreu sua bochecha, morrendo na barba bem desenhada.
- Oi, Gui... Você quer segurar a nossa irmã? – Medy perguntou, olhando-o docemente.