Capítulo 104
2225palavras
2023-02-08 10:37
- Olá, Sabrina! – Ele cumprimentou, os olhos fixos nos meus.
Rever Guilherme de certa forma mexeu um pouco comigo. Talvez pela surpresa da presença dele ali, sem avisar.
Nada nele havia mudado. O mesmo jeito moleque, roupas despojadas e de marca, os cabelos mais curtos.

Os olhos dele repousaram sobre a minha barriga crescida. Sorri, querendo internamente que ele ficasse feliz por mim e Charles. Eu tinha saudade de Guilherme e de toda energia boa que ele trazia.
- Não nos convida a entrar na “nossa” casa? – Kelly me perguntou, quebrando completamente o momento.
- Gui?
Melody chamou por ele, levantando imediatamente do sofá, correndo em sua direção. Abri a porta e ela jogou-se nos braços dele, que a pegou no colo.
Os irmãos ficaram alguns minutos abraçados, sem dizer nada. Depois Melody olhou para ele disse:
- Eu senti muita saudade... E achei que você nunca mais ia querer me ver.

- É claro que eu também morri de saudade. E sempre vou querer ver a minha irmã preferida. – Brincou.
Ela desceu do colo dele, pegando-o pela mão:
- Entre... – Convidou.
Ele me olhou e entrou e Kelly fez o mesmo, sem ser convidada.

- Eu não sei se vou continuar sendo a irmã preferida – explicou – Porque mamãe e papai vão ter outra menina.
Guilherme me olhou:
- É menina?
Assenti, com a cabeça.
- Nós achávamos que era um menino, mas não era. E papai disse que você precisa cuidar de nós duas, porque é o que irmãos fazem.
- Ela é sempre assim? – Kelly perguntou, referindo-se à Medy, enquanto olhava para a casa atentamente.
- Sim... Não é uma maravilha? – Sorri.
- Bem, viemos tratar de negócios. – Explicou.
- Não seria melhor tratarem direto entre nossos advogados?
- Eu queria ver Medy. – Guilherme me explicou, enquanto sentava-se no sofá com ela, que seguia falando sem parar, contando os detalhes da escola nova e o futebol que amava.
- Eu ofereceria um café, mas creio que você já esteja de saída. – Falei a ela.
- Aceito o café.
- No caso, eu não ofereci.
- Posso fazer, se preferir... Afinal, tudo aqui é metade meu.
Eu balancei a cabeça, aturdida:
- Seu? Achei que fosse de Guilherme, filho de Charles. Afinal, vocês dois nunca foram casados e você não tem direitos sobre os bens dele.
- Gui, você vai morar aqui também? – Melody perguntou, confusa.
- Na verdade... Não! – Ele me olhou, sem saber o que dizer.
- Não tem lugar para você. Mamãe e papai dormem num quarto. Eu e vovó Calissa em outro. Yuna está dormindo com Min-ji. E o quarto do bebê ainda não está pronto... Mas quase. Você quer ver o quarto da nossa irmãzinha? – Convidou.
- Depois... Eu vejo depois... – Ele disse, incerto.
- Você pode dormir comigo e vovó Calissa, se quiser. Eu deixo. – Sorriu.
- Ou no meio do papai e da madrasta. Não seria lindo? – Kelly ironizou.
- Caso ele queira vir, arranjaremos um lugar. Porque na família que formamos, sempre há lugar para quem amamos. – Olhei diretamente para ele.
- Poderia me dar um copo de água, por favor? – Kelly pediu.
Respirei fundo e fui à cozinha, pegar a água. Me deu vontade de cuspir no copo, mas não o fiz, em consideração a Guilherme. Assim que me dirigi à porta, ela estava ali, me observando atentamente com seu conjunto branco de calça e blazer, em linho, tentando transparecer seriedade e sobriedade.
Eu estava usando um maiô limpo e short por cima, pois pretendia voltar à praia com Melody depois do soninho. Kelly parecia bem mais velha do que eu quando estávamos assim, frente à frente.
Entreguei-lhe o copo de água, que ela sorveu calmamente, até a última gota, sem deixar de me olhar. Me entregou-o vazio e enquanto fui colocar na pia, disse:
- Me pergunto o que Charles viu em você... Seria sua juventude? Talvez ele tente recuperar o que perdemos no passado, em função do nosso filho.
Escorei-me na pia e disse tranquilamente:
- Não. O que ele viu em mim foi amor. Eu não tenho dúvidas dos sentimentos dele. E sou grata todos os dias por ter encontrado aquele cantor no bar, que virou minha vida de cabeça para baixo e me deu o que tenho de mais precioso: minhas filhas... E a família que formamos.
- Família – ela riu – Charles quis casar comigo na época que fiquei grávida. Eu não quis. Era muito jovem.
- Fez bem... Eram adolescentes e não sabiam realmente o que queriam. Neste caso, eu e Charles somos adultos e sabemos muito bem o que queremos e temos certeza de nossos sentimentos. Seria interessante você contar a Guilherme sobre isso. E parar de encher a cabeça dele com mentiras sobre o pai.
- Só quero que Charles dê ao meu filho o que é dele por direito.
- Não é “seu” filho. É dele também. E você sabe tudo que Charles fez para ficar com Guilherme. Por que mente tanto? Nunca pensou que isso poderia ser prejudicial para a criança? Que Gui poderia crescer sentindo-se rejeitado, sendo que não é verdade?
- Você não tem nada a ver com a minha vida... Tampouco com a do meu filho.
Guilherme apareceu atrás da mãe, com Melody no colo, agarrada a ele. Nossos olhos de encontraram e fiquei a lembrar do que tínhamos vivido juntos. Deus, isso era complicado. De certa forma, eu conseguia entender o ressentimento dele contra mim.
- Ela quer... Que eu veja o quarto do bebê. – Ele me disse.
- A casa é sua. – Não consegui não ser irônica com a frase.
Ele me observou um tempo antes de virar as costas. Passei por Kelly e subi atrás dele e Melody. Ela abriu a porta e andou feliz pelo quarto, girando, visto que tinha um espaço enorme que ainda não estava com os móveis montados.
- Aqui vai ficar o berço... – ela começou a mostrar, alegre – Aqui uma banheira...
Eu fui para a sacada, tentando não interromper o momento deles.
- É tudo colorido. Bem bonito. – Ele observou.
- Nosso papai gosta de preto e branco. Mamãe gosta de vermelho. Medy gosta de rosa. Então mamãe pensou num arco-íris. Que cor você gosta, Gui?
- Eu gosto de branco.
- Que nem o papai... Ele gosta de camiseta branca.
- Não... Eu gosto de branco... Mas não significa que goste de camiseta branca.
- Isso é um pouco complexo para ela. – Avisei, enquanto me recostava na mureta, olhando para eles no quarto.
- Gui, vamos escolher o nome da nossa irmãzinha? – Ela convidou.
- Eu... Acho que isso não somos nós que escolhemos. – Ele me olhou.
- Podem escolher. Eu... Ficaria feliz se fizessem isso vocês dois... Juntos. – Fui sincera.
- Realmente não se importa?
- Não... Ficaria lisonjeada.
- Eu pensei em Melody II. O que você acha?
Nós dois começamos a rir.
- Eu acho que ela não vai querer ter o mesmo nome que você. – Ele explicou.
- Mas Melody é um nome bonito. – Ela disse seriamente.
- Eu acho Melody um nome lindo. Mas a bebê precisa ter um nome só dela.
- Mas tem vários Guilhermes. Então você não tem um nome só seu. – Argumentou.
Balancei a cabeça, achando engraçada a discussão deles, deixando Guilherme resolver o problema.
- Mas seria complicado duas Melodys na mesma casa.
- Podemos chamar ela de Melody e eu de Medy.
- Melody é um nome que a mamãe escolheu especialmente para você... – aproximei-me dela, me abaixando para encará-la – Agora precisamos escolher um nome especialmente para esta bebê aqui... – pus a mão dela na minha barriga.
- Você sabia que ela já mexe? – Ela olhou na direção de Guilherme, com a mão na minha barriga.
- Isso é... Legal. – Ele me olhou de relance.
- Quer sentir? – Ela convidou.
- Não.
Peguei a mão dele e o olhei:
- Você pode tocar... É a sua irmã. E eu espero, do fundo do meu coração, que vocês sejam companheiros, amigos e se amem muito... Diferente da relação que tive com a minha irmã.
Pensei que ele fosse resistir, mas não. A mão tocou minha barriga, junto da de Melody. Eu fiquei muito emocionada naquele momento. Meu bebê sentia seus irmãos, juntos, pela primeira vez. Charles daria qualquer coisa para ver aquela cena e compartilhar daquele momento conosco.
Melody pôs a mão sobre a do irmão, que sorriu. Senti a mão dele se mover lentamente na minha barriga, alisando. Um sorriso inocente surgiu, pela primeira vez, nos lábios dele.
- Isso é surreal. – Me olhou, retirando a mão.
- Já pensou num nome? – Perguntei, tentando incentivá-lo.
- Eu gosto de Alice.
- Alice no País das Maravilhas? – Melody riu.
- Por que não? – Ele deu de ombros, rindo também.
- Eu gostei de Alice... Na verdade, eu amei. – Falei.
- Então... Seja bem-vinda, bebê Alice. – Melody deu um beijo na minha barriga.
- Acabaram a reunião de família? – Kelly perguntou, parada na porta, com os braços cruzados.
- Acho que já... Escolhemos o nome da bebê. – Guilherme disse, sorrindo.
- Que fofo! Mas não viemos aqui para isso e você sabe muito bem, Guilherme.
- Eu... Vou ter que arranjar algo para entreter Melody – falei baixo no ouvido dele – Não quero que ela participe desta conversa.
- Tudo bem. – Ele concordou.
- Medy... Que acha de... Separar os seus jogos para Guilherme ver? – Sugeri.
- Mas estão muito bagunçados, mamãe.
- Por isso mesmo acho legal separar antes. Escolha um bem legal para jogarmos... Eu, você e Gui.
- Você quer jogar também? – Ela olhou para Kelly.
- Só se for paciência. Você tem este jogo? – Debochou.
- Não... Mamãe diz que eu não tenho paciência, por isso nunca me deu este jogo. – Ela explicou.
- Quem sabe pega um “quebra-cabeça” para jogar com ela, filha? – Devolvi a piada.
- Vou procurar...
- Isso mesmo. Enquanto isso, vamos esperá-la lá embaixo, está bem?
- Tudo bem... – Ela correu para o quarto, a fim de separar os jogos.
Desci rapidamente as escadas. Quando cheguei na sala, fiquei de pé:
- Sejam breves, por favor. Não quero que ela ouça esta conversa.
- Você já deve saber que Guilherme ganhou judicialmente a parte dele dos bens de Charles. – Kelly disse o que eu já sabia.
- Sim, eu já sei. E isso inclui a casa – balancei a cabeça, aturdida – Eu sinto muito, mas é o lugar que temos para morar. Como devem saber, Charles não tinha muito dinheiro. A carreira dele estava apenas começando... Vocês nem esperaram decolar.
- Neste caso, fomos espertos, pois não decolou, não é mesmo? Na verdade, decaiu... Como ele. – Ela seguiu com suas palavras cruéis e amargas.
- Charles já provou sua inocência. E pode sim voltar a cantar – olhei para Guilherme – Você viu a entrevista dele?
- Não.
- Deveria... Ele fala sobre você.
- Meu filho não quer saber nada que diga respeito a Charles. Ele só quer o que é dele por direito. – Ela vociferou.
Fiquei encarando Guilherme, que abaixou a cabeça, não conseguindo firmar o olhar no meu:
- Seu pai investiu tudo que tinha nesta casa. E... Nós não temos para onde ir. Nem como comprar a sua parte. Eu... Entrei com uma ação contra a família de Rachel Roberts pelo que houve na formatura. Mas não há data para o juiz dar o ganho de causa a meu favor... Nem sei ao certo o valor que vou receber. Então não temos como pagar pela nossa parte. Charles não quer mais fazer shows... Ele quer ficar perto das meninas... Porque é isso que pais como ele fazem. Amam... Mimam... E não desistem nunca dos seus filhos. Ele nunca desistiu de você... Nunca.
- Não viemos tratar disto, Sabrina e você sabe.
- Podem vir morar aqui... Junto de nós – sugeri – Como eu mencionei antes, sempre cabe mais um... Ou dois. Temos quatro quartos. Dois para cada família. Pretende vir junto, Kelly? Trará sua mãe? Ou seu namorado, quem sabe?
Dei alguns passos e abri a porta, atordoada. Não aguentava mais aquela mulher e a forma como manipulava Guilherme.
- Tenham um bom resto de dia.
Melody desceu com alguns jogos, olhando para nós. Limpei uma lágrima idiota que me traiu e fingi que estava tudo bem:
- Encontrou o jogo, meu amor? – Perguntei.
Ela pôs os jogos sobre o sofá e veio até mim, pegando minha mão e apertando-a, como se dissesse, com aquele ato, que estava ali, junto de mim. Ela teria pedido colo, mas como minha barriga estava muito saliente, não se atreveu.
- Eu... Não quero jogar este jogo. – Ela disse com a voz triste, abaixando o olhar.
Tudo que eu queria era que ela não assistisse aquilo. Mas não consegui evitar.
- Sabe que não resolvemos isso, não é mesmo? – Kelly me olhou – Porque temos direito e entraremos novamente na Justiça e...
- Chega! – Guilherme gritou, fazendo com que nos nos assustássemos.