Capítulo 102
2391palavras
2023-02-08 10:36
Já era tarde. Melody era o centro das atenções na sala, com Yuna, Colin, Charles e Min-ji. A mãe de Colin havia amado minha filha, como eu já imaginava. E Medy adorava carinho e atenção.
Eu fiz tudo que precisava com relação à Mariane e meu pai. Ainda assim sentia algo ruim dentro de mim. E não sabia exatamente o motivo.
Aproveitei que estavam todos entretidos com as peraltices de Melody e fui até a cozinha, abrindo a porta e descendo os degraus feitos na própria rocha que abrigava nossa casa.

O mar ficava a metros de distância. Retirei meus chinelos e caminhei lentamente sobre a areia fina. A lua cheia dava um espetáculo à parte naquela noite, chamando a atenção somente para si. Senti a brisa fresca e cruzei os braços, tentando repelir o frio. Meus cabelos longos balançavam conforme a direção do vento.
Fechei os olhos e senti o aroma da maresia, que me acalmava e trazia somente boas lembranças, especialmente de uma garota e um cantor, anos atrás, que agora dividiam suas vidas, compartilhando não só intimidades, mas também uma menina falante e esperta bem como um bebê que estava por nascer.
Toquei minha barriga e senti braços me envolverem. Toquei os dedos finos e longos e percebi que não era Charles. Virei-me e vi Min-Ji.
Retribui o abraço, agora de frente para ela. Deitei minha cabeça em seu ombro e disse:
- Obrigada por tudo, Min-ji... Por me deixar fazer parte da sua família... Por ter os filhos mais maravilhosos do mundo todo... E me fazer acreditar novamente na bondade das pessoas. Porque foi isso que senti quando Do-Yoon e Yuna apareceram na minha vida.
- A conversa com seu pai foi bem difícil, não é mesmo?

- Muito... Claro que eu tinha desejo de vingança, queria que a justiça fosse feita. Mas ao mesmo tempo... – toquei meu peito – Dói aqui dentro. É tanta maldade, que não consigo entender. Tudo em nome de que?
- Dinheiro... Ambição. Seu pai sempre foi assim.
- E sinto tanto por Mariane tomar o mesmo caminho.
- Eu não acho que Mariane tomou o mesmo caminho de seu pai.

- Ela fez o mesmo que ele: me traiu por duas vezes, mentiu, me perseguiu, mesmo em Noriah Sul. Porque ela sabia sobre o vídeo... E isso me destruiu. Eu nunca fiz nada para ela.
Min-ji parou ao meu lado e olhou para o mar prateado, iluminado pela lua maravilhosa que brilhava no céu:
- Sei que é tão difícil... Mas tente não julgar.
- É impossível não julgá-la.
- Acho que ela deveria ter lhe dito a verdade. Não faria diferença.
Olhei para Min-ji, que seguia sem virar na minha direção.
- Sabe que agora que começou isso, terá que terminar, não é mesmo?
Ela assentiu com a cabeça, sem dizer nada.
Senti meu coração bater mais forte, amedrontada com o que vinha pela frente. Repousei as mãos sobre minha barriga, já crescida, e disse:
- Estou pronta para a verdade, Min-ji... Porque nunca é tarde para isso, não é mesmo?
- Nada disso me diz respeito, Sabrina. E guardei este segredo comigo, assim como tantos outros, a vida inteira. Porque na mansão Rockfeller eu sempre tive uma função: cuidar da casa e não da vida alheia de quem morava lá.
- Mas... Se preocupava comigo.
- Sim... Sempre tivemos uma relação afetiva, desde que você era pequena. E foi por isso que a ajudei. Sua irmã não criou vínculos comigo... Sempre foi mais fechada. Ainda assim nunca me maltratou ou foi desrespeitosa.
- O que ela me escondeu, afinal? – Olhei em direção ao mar, ouvindo as ondas desabando na areia, bem próximas dos meus pés.
- Mariane teve um relacionamento conturbado com o tal cantor de rock.
- Hardlles?
- Sim.
- Eu sei. Lembro de boa parte desta história. Meu pai também tentou impedir o relacionamento dela. E conseguiu.
- Sim... Conseguiu muito mais do que acabar com o relacionamento deles.
- Como assim?
- Mariane engravidou de Hardlles.
Minha irmã engravidou? Senti um frio na barriga. Não esperava por aquilo.
Fiquei um tempo em silêncio, antes de dizer:
- A diferença é que ela abortou... E eu não.
- Mariane não abortou.
Olhei para Min-ji, que desta vez encarou-me.
- Como assim não abortou? – Perguntei com um nó na garganta.
- Ela teve a criança.
- Não... É impossível. Eu era criança ainda, mas lembro de toda situação que houve na época. E ela não teve barriga de grávida. Eu... Teria percebido.
- Seu pai fez tudo para acabar com o relacionamento dos dois. Inclusive plantar mentiras, como fez com você e Charles.
Balancei a cabeça, incrédula. Ela continuou:
- Ela soube do bebê pouco tempo depois que terminaram.
- E... O que ela fez?
- Seu pai quis o aborto, mas ela já estava de muito tempo. Era arriscado. A barriga dela era pequena. Conseguiu esconder por um tempo... No final da gestação, disseram a todos que ela havia ido viajar.
- E... Ela teve a criança. – Afirmei, já imaginando que sim.
- Sim.
- Meu Deus! O que fizeram com o bebê?
- Era um menino. Foi dado em adoção.
- Como assim? Ela aceitou se desfazer do próprio filho?
- Se não fizesse isso... Seu pai destruiria a carreira dele.
- Mas... Já não está destruída? Ele se afundou na bebida e nas drogas... Virou um cantor esquecido.
- Eu não sei se ele realmente gostava da sua irmã. Mas Mariane era apaixonada por ele.
- E por que ela não lutou pela criança, como eu fiz?
- Medo... Tentativa de proteger o amor da sua vida... Quem sabe, não é mesmo?
- Como você soube de tudo isso, Min-ji?
- Eu sempre soube de tudo que aconteceu naquela casa, Sabrina. E não é porque ficava escutando atrás das portas... Mas sempre tive acesso a tudo.
- Eles... Sabem que você está a par de toda esta história?
- Mariane certamente não. Ela crê que ninguém soube. Seu pai... Deve imaginar. E creio que por isso sempre tenha me pagado muito bem, a fim de me manter de boca fechada.
- Minha mãe? – Perguntei, rezando internamente para que ela negasse.
- Sim. E por isso sempre superprotegeu Mariane.
Minha cabeça virou um emaranhado de histórias que se confundiam. E eu não conseguia entender o sentimento dentro de mim com relação à Mariane: pena, raiva...
- Ela... Nunca mais soube da criança?
- Creio que não. Quando se dá a criança a uma instituição especializada, é tudo feito de forma sigilosa, tanto para a mãe que entrega a criança quanto para a que adota.
- Por isso ela quis roubá-lo... Destruir a J.R Recording. Vingança... Queria que ele sentisse na pele o que é perder tudo que se tem de mais precioso.
- Talvez... Não sei o que se passa na cabeça de Mariane.
- Eu... Não esperava isso. Quer dizer que existe um Rockfeller por aí... Perdido no mundo.
- Ela entregou em Noriah Sul.
- Para não ter a possibilidade de cruzarem com ele nem acidentalmente.
- Creio que sim.
- Quantos anos ele tem agora?
- Em torno de dez anos.
Balancei a cabeça, aturdida.
- Eu não tinha o direito de lhe contar isso... Mas acho justo que saiba, entende?
- Agora explique, Min-ji: o que eu fiz a ela, para transpor toda raiva para mim?
- Talvez tenha sentido inveja pela sua coragem, em sair de casa, não se importando com o que deixava para trás, mas lutando pelo seu bebê. Ela não conseguiu fazer isso.
- E o que o fato de ela ter dormido com Colin tem a ver? Sinceramente, ela é perversa. E isso não tem a ver com o sofrimento que ela possa ter passado. Eu literalmente “comi o pão que o diabo amassou” e não perdi minha dignidade no meio do caminho.
- Não sei, menina... Não sei o que a levou a dormir com seu noivo.
- Bem, vamos pensar que ela dormiu com Colin para que eu dormisse com Charles para que Yuna pudesse dormir com Colin também... E todos nós, exceto ela, fôssemos felizes para sempre.
Min-ji riu:
- Isso é bem estranho.
- A vida é estranha, não é mesmo? – Pus a mão em torno do seu ombro, de forma afetuosa.
- Realmente... Quem diria que minha filha se envolveria com Colin Monaghan?
- No fim, acho que cada um tem o que merece, Min-ji. Yuna merecia uma pessoa legal. E apesar de tudo, Colin sempre foi um homem legal. E sinceramente, acho que ele jamais vai trair Yuna. Porque não haverá uma irmã invejosa querendo puxar o tapete dela por simples crueldade.
- Meu amor, não está muito frio para você aí na rua? – Ouvi a voz de Charles, enquanto ele descia em direção à praia.
Min-ji deu-me um beijo no rosto e subiu. Charles me envolveu em seus braços. Deitei minha cabeça no seu peito, escorando o corpo no dele, contemplando a lua novamente.
- Viu que as estrelas voltaram a brilhar intensamente? – Ele mordeu o lóbulo da minha orelha.
- Elas viram que chegamos... E quiseram nos presentear. Como a lua... – Falei, sentindo meu corpo arrepiar-se.
- Está com frio? – Ele passou a mãos sobre meus braços eriçados.
- Não... Isso é só a sensação que a sua boca me causa.
Ele riu, me abraçando com força, o pau já endurecendo na minha bunda:
- Percebe o que você me causa, garotinha?
- Charles... Você acha que eu sou uma boa pessoa?
Ele pensou um pouco antes de responder:
- Acho que ninguém é de um todo bom... E nem ruim.
- Se eu perdoasse a minha irmã, o que você faria?
- Eu... Não faria nada, porque é uma decisão que não cabe a mim. Mas não quereria compartilhar do mesmo ambiente que ela em festividades...
- Por quê?
- Porque ela me deixou longe de você e Melody por cinco anos.
- Você acha que pagar na mesma moeda uma maldade que me fizeram seria vingança?
- Sim? – ele disse, confuso, em forma de pergunta – Quer me dizer algo, Sabrina?
- Eu quero... Acho que sim, todo mundo tem um pouco de bondade e maldade dentro de si. Mas sempre se tem uma escolha. E às vezes nossas escolhas podem magoar profundamente as pessoas. Nós estamos felizes... Eu acho que nunca me senti tão bem em toda a minha vida como neste momento. E talvez seja porque, apesar de tudo que passamos, escolhemos o bem. Não ferimos nem machucamos ninguém porque sofremos, querendo transferir nossos sentimentos ruins ao mundo todo. Nossas boas escolhas no passado foram compensadas... Com nosso reencontro, nossas filhas... E nossa casa. – Sorri, sem que ele percebesse.
- Fizemos escolhas boas, garotinha... Escolhemos nós... Sempre.
Virei-me em direção a ele e beijei-o. Senti sua língua quente na minha, dançando no mesmo ritmo. Nosso beijo era sempre cheio de amor e carinho. Eu amava aquele homem e tudo que ele me trouxe para minha vida.
Sim, eu fui recompensada pelas coisas boas. Mas agora eu faria uma coisa ruim. Porque sim, eu poderia ficar quieta e fingir que nunca soube daquela criança. Mas Hardlles merecia saber do filho. E Mariane tinha que dar satisfações a ele do que fez no passado.
Ela se intrometeu na minha vida o tempo todo. Agora eu me intrometeria na dela.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Entrei no prédio localizado num bairro de classe alta e pedi ao porteiro que avisasse o cantor que eu gostaria de vê-lo.
- A quem anuncio? – Perguntou o homem, uniformizado, atrás de um balcão pequeno.
- Sabrina Rockfeller.
Ele pegou o telefone e discou o ramal do apartamento. Falou meu nome, ouviu o que a pessoa falou do outro lado e disse, assim que desligou:
- A senhora pode subir. Décimo primeiro andar, apartamento 9.
- Obrigada.
Me dirigi ao elevador e apertei o 11º andar. O apartamento dele ficava no meio do corredor.
Assim que parei em frente à porta, fazendo menção de tocar a campainha, ela foi aberta.
Olhei para o homem de cabelos longos, escuros e malcuidados. Os olhos eram de um verde claro e a boca fina. Usava uma regata, mostrando as inúmeras tatuagens nos braços e pescoço. A calça jeans apertada estava toda rasgada e não sei se era por moda ou porque realmente estava velha. Ele não usava nada nos pés.
Aquele Hardlles não lembrava em nada o que eu via na TV quando era pequena... Nem na adolescência. O tempo havia sido cruel com ele.
- O que você quer? – Perguntou, sem rodeios.
- Sou irmã de...
- Eu sei quem é você – falou de forma rude – A Rockfeller que quer virar famosa, detonando o pai e a irmã em rede nacional.
- Será que... Eu poderia entrar?
Ele saiu da frente da porta, deixando-me passar. O apartamento era grande. Cheguei diretamente na sala, que era toda em vidro, trazendo uma boa vista da cidade. O lugar estava completamente sujo, com caixas de pizzas e garrafas de bebidas por todos os lados. Tinha apenas um sofá horrendo e uma televisão gigantesca em todo o ambiente.
- Se eu soubesse que você viria, teria mandado limpar a casa. Mas como foi surpresa, sabe como é... – Falou em tom de deboche.
- Eu... Não me importo.
- Mas eu me importo. O que você que aqui, afinal? Eu quero distância de você e da sua família.
- Temos algo em comum então: eu também quero distância da minha família.
- Eu não tenho nada a ver com isso. – Ele saiu, pegando um cigarro num balcão que dividia o ambiente sala/cozinha e acendendo, fazendo questão de jogar a fumaça na minha direção:
- Espero que não se importe, em função da gravidez... Mas se importar-se, para mim tanto faz, afinal, estou na minha casa. – Foi rude.
Ele pegou uma guitarra e sentou-se no sofá, começando a afiná-la, sem olhar na minha direção.
- Eu me importaria... Mas como vou ser breve, não fará mal ao meu bebê. – Falei firme, chamando a atenção dele de certa forma.
Hardlles me olhou, com o cigarro no canto da boca, as duas mãos na guitarra, curioso.