Capítulo 101
2373palavras
2023-02-08 10:36
- O que significa isso? – J.R perguntou
- São os dados obtidos pela auditoria terceirizada que contratei. Mariane desviou dinheiro, sonegou e deixou de pagar impostos. Ou seja, a J.R Recording não só está falida, mas deixará de existir muito em breve, quando o próprio governo a fechar. Era isso que você queria? Pois bem, conseguiu! – Olhei para ela, por fim.
- Não... Você não fez isso. – J.R olhou para Mariane.
- Pai, não tínhamos combinado que esta auditoria não ocorreria? – Mariane disse nervosamente.
- Eu segui com ela, mesmo sem autorização. Havia uma pessoa da empresa que contratei que ficou aqui, sem que vocês soubessem. E deu seguimento ao trabalho. Porque eu tinha certeza que você roubava a própria empresa, Mariane. Mas precisava de provas.
- Mariane... Eu confiei em você... E em troca... Me destruiu. – J.R sentou-se em sua cadeira, completamente desnorteado.
- Por que você fez isso? – Olhei para minha irmã, procurando respostas.
Ela ficou um tempo calada, antes de dizer:
- Tenho meus motivos. Mas não lhe dizem respeito.
- Isso é completamente sem sentido. Assim como tudo que vocês dois fizeram para destruir meu relacionamento com Charles.
- Acalme-se! – Charles pegou minha mão, quando não contive mais as lágrimas.
Desvencilhei-me dele, pois precisava ser forte e conseguir sozinha. E naquele momento, Charles me deixava mais emotiva do que eu deveria estar.
- Pai, o que mais me intriga é por que você me chamou para passar as festas de final de ano com vocês na praia, sabendo que Charles era o pai de Melody? Qual foi sua intenção naquele momento... Acabar com o restava de mim?
Ele me encarou, sem dizer nada. Não me importei mais que me vissem chorando, porque estava simplesmente destruída por dentro ao perceber o quanto os dois eram dissimulados e insensíveis. E ao mesmo tempo, tentavam ainda me esconder fatos que em breve eu descobriria, com ou sem a ajuda deles.
- Que tipo de pai é você, J.R? – Charles perguntou – Afinal, eu vi sentimentos da sua parte por Melody... Então... Por que fazer Sabrina e eu sofrermos desta forma? Não passou pela sua cabeça que a menina pudesse saber a verdade sobre o pai?
- Eu... Não fiz de propósito. Fui... Obrigado. – Ele olhou na direção de Mariane.
Mariane, por sua vez, encarou o pai, parecendo ainda mais nervosa:
- Quer mesmo chegar nesta parte?
- Que diferença faz agora? – Foi a resposta dele para a filha mais velha.
Senti meu coração acelerar ainda mais. O que eles escondiam, afinal?
- Por que foi “obrigado”? – insisti – Por favor... Eu preciso saber o motivo do ódio de vocês por mim.
- Não é ódio, Sabrina. Nunca foi – ele levantou os olhos na minha direção, sentado em sua grande cadeira de couro, atrás da mesa gigantesca, onde passou praticamente a vida inteira dando ordens e sendo o dono do mundo – Eu amo você, pois é minha filha. E sempre quis o seu bem.
- Fico imaginando o que faria se não a amasse... E não quisesse o bem dela. – Charles ironizou, enquanto sentava num dos confortáveis sofás em couro, de frente para nós.
Eu e Mariane estávamos de pé. Eu sabia que talvez a conversa demorasse mais do que eu esperava, mas não conseguia sentar. Estava nervosa demais para me manter quieta, num só lugar.
- Só quem tem um filho sabe do que um pai é capaz. – Ele vociferou para Charles.
- Eu tenho... Uma filha que você me impediu de conhecer por exatos cinco anos. E eu sou capaz de matar e morrer por ela, acredite. E também pela mãe dela... – me olhou – Acha que isso é proteção ou amor, J.R? Afastar sua filha do homem que ela amava, com um filho no ventre?
- Vocês nunca irão me entender... Mas sim, fiz pelo bem dela. Colin era o homem certo. Sempre foi.
- Por Deus! A escolha era minha. – Gritei.
- Nunca foram nossas escolhas... Sempre foram as dele. Não entende isso? – Mariane gritou.
J.R suspirou, parecendo sentir um pouco da dor da rejeição das filhas.
- Eu planejei a prisão de Charles. – Disse meu pai, olhando nos meus olhos.
Charles levantou-se imediatamente e eu o abracei, sentindo seu coração bater tão forte que parecia querer saltar do peito. Agora era a vez de ele acalmar-se. Em nada adiantaria agir com violência e perdermos a verdade de vez.
- Por favor... Não... – Implorei.
Ele me olhou profundamente. Sim, eu conseguia sentir a dor dele no verde profundo de seus olhos. Foram quatro anos, privado da liberdade de viver, condenado injustamente.
Aos poucos ele foi acalmando e senti seu corpo relaxar. Então voltei-me novamente para meu pai, os olhos marejados, sem me conter:
- Como... Foi capaz de tal atrocidade?
- Acredite ou não, foi para o seu bem.
Balancei a cabeça, incrédula:
- O meu sofrimento, a prisão de um homem inocente... Por quatro anos! Diz que isso era para o meu bem? Que tipo de pessoa você é? Desde o início eu imaginava que era o responsável por tudo... Mas confesso que, lá no fundo, tinha esperanças que não fosse... Que estivesse enganada.
- O passado dele era um caos. Um homem sem perspectiva de futuro, sendo pai aos dezesseis anos de idade... Tocando num bar de beira de estrada, fétido, frequentado por pessoas sem classe e...
- Você não tinha o direito! – Charles gritou, bravo a um ponto que eu nunca tinha visto igual.
- Imaginei que fosse fazer o mesmo com o bebê dela... – Tentou justificar.
- Sequer me deu uma chance para descobrir o que eu faria... Julgou, sem nem falar comigo antes.
- Eu só queria minha filha longe de você. Criei minhas meninas com tudo que quiseram a vida inteira... Dei-lhes tudo que o dinheiro podia comprar. E planejei casamentos com pessoas que pudessem lhes dar nada menos do que eu proporcionei a elas a vida inteira. São... As minhas meninas! – Ele nos olhou.
Ouvi um gemido e olhei para Mariane, que limpava o rosto, tentando fingir que não estava chorando.
- O que você tem a ver com tudo isso? – Olhei para ela.
- Eu... Procurei Charles. Por muito tempo...
- Por quê? Porque queria tudo de mim, porra? – Gritei.
- Tenho meus motivos.
- O que eu fiz a você que nunca me contou? Eu preciso saber.
- Você não me fez nada... Ele fez... A vida inteira. – Apontou para nosso pai.
- Eu preciso saber.
- Não... Você não precisa saber porra nenhuma. O que precisa saber é que eu encontrei Charles e decidi livrá-lo.
- Não pelo meu bem, com certeza. – Charles disse, olhando para ela.
- No início, não... Mas depois... Eu gostei de você. Porque era... Despretensioso. Você não me mentiu, Charles. Embora não tenha dito o nome da minha irmã, eu sabia que a mulher que você amava e procurava desesperadamente era ela... Sempre soube.
- E por que ficou com ele, mesmo sabendo? – Perguntei, atordoada.
- Porque eu gostava dele!
- Assim como gostou de Colin? – Debochei, furiosa.
- Não gostei de Colin. Só queria provar ao nosso pai que ele não era o noivo perfeito, só porque era rico e fazia tudo certinho. Eu consegui mostrar que não existia homem perfeito para sua “filhinha”... Para nenhuma de nós, entende?
- Você destruiu a minha vida... Várias vezes.
- Ela encontrou Charles... E não demorou muito para se certificar de que eu havia armado tudo para ele. Então... Obrigou-me a aceitá-lo na gravadora, na minha casa... E nas nossas vidas. – J.R falou, sem olhar nos meus olhos.
- Ou contaria a todos que você era o responsável pela prisão dele. – Tentei unir os pontos.
- Sim. – Ele confirmou.
- E por que o encontro de todos na praia, no Natal? – Charles olhou para J.R e depois para Mariane.
- Eu queria conhecer Melody... – J.R respondeu – E Mariane queria mostrar à irmã que tinha conseguido ficar com o homem dela...
- Não ponha palavras na minha boca – Mariane interrompeu a fala do pai – Você não sabe nada sobre mim.
- Realmente não sei... Porque jamais passou pela minha cabeça que pudesse me roubar, me destruir, acabar com a J.R Recording.
- É muito menos do que você merece – ela olhou-o com desdém – Quero que fique sem nada, que se arraste implorando por comida... Só desta forma pagará por tudo que me fez.
- O que... Ele fez a você? – Estreitei os olhos, confusa.
- Não lhe diz respeito. – Ela reafirmou, recusando-se a me contar a verdade.
Olhei para os dois e não tenho certeza se senti raiva, pena ou ambos sentimentos misturados. Eles não eram dignos da felicidade. Por mais que tentassem justificar suas ações, eu não conseguia entender como chegaram a tanto por motivos tão pequenos e insignificantes.
- Charles... Eu não quero mais ficar aqui. – Decidi, olhando em seus olhos.
- Não precisamos ficar aqui, Sabrina. Não somos como eles e você sabe disto. Não quero que tenhamos contato com estes dois... Nem nossas filhas. Seu pai e sua irmã são tóxicos, doentes... E criminosos.
Fui em direção à porta, mas Charles seguiu até meu pai. Senti meu coração acelerar. Ninguém esperava pela atitude dele naquele momento, que foi de pegar meu pai pela gola da camisa e fazê-lo levantar da cadeira. Olhou fixamente em seus olhos e depois lhe deu um soco, fazendo com que espirrasse sangue de seu nariz.
- Desgraçado... Você quebrou o meu nariz. – Meu pai gritou, enquanto pegava um lenço dentro do bolso, estancando o sangue.
Fiquei imóvel, sem conseguir agir. Porque doía em mim cada palavra proferida naquela sala. Mas Charles havia sido preso e condenado injustamente, por um crime que não cometeu.
- Vou colocá-lo na cadeia, Jordan Rockfeller. – Charles disse quando se afastou dele.
- Sabe que não vai conseguir, desgraçado, filho da puta! – Jordan seguia tentando conter o sangue.
- Eu vou... Porque gravei cada palavra que você disse aqui. – Charles retirou o celular do bolso e apertou o play, revelando nossa conversa desde a chegada naquela sala.
Deus! Ele havia feito isso? Tinha gravado sua própria inocência! Não me passou pela cabeça fazer aquilo, em nenhum momento. Ele estaria livre... De toda a mentira. E finalmente Jordan Rockfeller pagaria por cada um de seus atos.
- Você não vai sair daqui... Vou chamar a segurança e pegar a porra do seu celular. – Jordan ameaçou.
- Pode pegar meu celular, J.R. Colin Monaghan, neste momento, já está com toda a nossa conversa gravada no celular dele. E assim, isso se tornará viral, como a destruição da minha carreira quando anunciaram na mídia que eu havia sido preso.
- Não fui eu... Foi ela que jogou na mídia sua prisão. – Ele referiu-se à Mariane.
Charles respirou fundo e encarou Mariane:
- Não vou fazer nada contra você... Porque basta viver da forma que vive: triste e sem ninguém que a ame. Isso é pior que qualquer vingança.
Dizendo isso, ele pegou minha mão e deixamos a sala da J.R Recording, descendo pelo elevador, calados, cada um com seus próprios pensamentos, até chegarmos ao carro.
Já era noite. Embarcamos no automóvel e nos olhamos. Charles tocou meu rosto e disse, carinhosamente:
- Acho que estamos livres da maldade deles... Ao menos por um tempo.
- Não é por um tempo, Charles. É para sempre. Meu pai pagará na cadeia por tudo que fez. E isso levará muitas pessoas com ele, inclusive a menina que aceitou dinheiro para mentir. Quero que todos paguem... E sofram da forma como sofremos.
- A justiça vem na hora certa.
- Sim... Desde que façamos tudo por nossa conta. Afinal, vamos entregar-lhes a verdade em mãos.
- Foi nossa escolha! Poderíamos ter agido diferente.
- A Polícia não faria nada contra ele, acredite.
- Mas agora precisarão fazer. Temos provas.
- Como pensou em gravar? Isso foi... Uma ideia genial.
- Deveríamos ter feito isso há um bom tempo. De nada adiantam confissões sem provas. Seria a palavra deles contra a nossa.
- Acabo de destruir meu próprio patrimônio, assim como minha irmã.
- Não precisamos de nada desta gente... E você sabe disto.
- Talvez tenha razão. Mas ainda me perguntou: o que aconteceu com minha irmã para tamanha raiva e desejo de vingança contra J.R?
- O que importa?
- Não que vá fazer diferença na minha vida, pois nada justifica o que ela fez para mim. Mas ainda assim, eu gostaria de saber a história dela. Porque alguma coisa aconteceu e ninguém tira isso da minha cabeça.
- Agora vamos para casa e este assunto está encerrado, meu amor. Foi uma conversa cansativa. Você precisa descansar... E nossa pequena também. – Tocou meu ventre.
- Eu amo você, Charles.
- Amo você, Sabrina. Agora eu vou provar ao mundo que eu sou inocente.
- E voltar a brilhar! – Sorri, enquanto ele ligava o carro e se dirigia para nossa casa.
- Não quero mais esta vida.
- Está realmente decidido?
- Cantar, sim. Me expor desta forma perante o mundo, não. Realmente não é para mim. Se gosto dos shows lotados, das pessoas gritando o meu nome e cantando minha música? Sim... Muito. Mas não gosto da parte da fama, dos entrevistadores, repórteres, mídia, de ter que dar satisfações dos meus passos, ter que cuidar o que eu digo por medo da forma como os outros irão interpretar. Eu só quero ser Charles... No máximo “el cantante”. – Sorriu na minha direção, descansando a mão na minha perna.
- “El cantante” é só meu. Não divido com ninguém. Vamos expor a verdade e enterrar Charlie B. para sempre.
- Um cantor de beira de estrada, falido, fodido e renascido das cinzas. – Ele riu divertidamente.
- Renascido das cinzas e falido novamente... – gargalhei – Sobre fodido... Bem, esteve desde que me conheceu.
- Muito fodido... – Riu, balançando a cabeça, a mão entrando dentro da minha calça apertada.