Capítulo 97
2248palavras
2023-02-08 10:33
- Você pode assistir tudo de uma sala com TV, se quiser. – Uma funcionária simpática me ofereceu.
- Eu gostaria muito.
Acompanhei-a até uma pequena sala, com três sofás grandes e uma TV. Sentei-me e na minha frente havia uma parede de vidro, de onde eu via o local onde era filmado o telejornal.
Ela me entregou o controle e disse:
- Eu acredito na inocência dele.
- Ele é inocente. – Afirmei.
- Tentamos muitas vezes convencê-lo a dar uma entrevista para o canal, mas ele nunca aceitou. O fato de não querer se expor foi o que mais fez as pessoas irem atrás dele. Sempre me pareceu que Charlie B. só queria cantar sua música e nada mais.
- Era exatamente o que ele queria - sorri – Mas as pessoas são muito ambiciosas. E por vezes querem mais do que o outro pode dar. E por este motivo detonam carreiras, e consequentemente vidas...
- Acha que não sei? Este mundo de famosos é muito triste por trás da câmeras... Principalmente com os artistas que estão começando.
- Ouça a verdade de Charlie B. Ela está escrita nos olhos dele.
Vi pelo vidro Charles entrar na bancada e sentar ao lado de Rosy Stassbaum e aumentei o volume da televisão, pois eu conseguia vê-lo pelo vidro, mas não ouvi-lo.
Prestei atenção à tela, vendo um Charlie B. confiante, desprovido de qualquer máscara de artista. Os olhos verdes fixos na câmera, passando uma tranquilidade e segurança que eu sabia que estava longe de existir dentro dele, pelo menos naquele momento.
- A revelação da prisão, por quatro anos, de Charlie B., um dos cantores mais famosos da atualidade, foi o assunto mais comentado hoje em Noriah Norte. Bem sabemos que Charlie sempre foi tímido e avesso a entrevistas, sendo que poucas pessoas conseguiram arrancar algumas poucas palavras dele desde que apareceu na mídia. No entanto, ele aceitou meu convite para estar conosco, no Jornal das Oito, para explicar o que aconteceu de fato com ele nos últimos anos. Bem-vindo, Charlie B.
- Obrigado, Rosy – ele sorriu com o canto dos lábios – Estou aqui, neste momento, disposto a falar sobre a minha vida privada para todo o país, a fim de me defender do que foi simplesmente jogado na mídia hoje cedo, para me prejudicar, de uma forma extremamente maldosa.
- Serão boatos o que ouvimos hoje, Charlie B.?
- Não... Não são boatos. Mas acho melhor eu começar lá do início. Afinal, esta verdade serve também para pessoas bem próximas a mim.
- Confesso que estou curiosa. – Rosy disse, bem à vontade, olhando fixamente para “el cantante”.
- Tudo começou quando eu engravidei minha namorada, aos dezesseis anos. Ambos éramos adolescentes e não tomamos os cuidados necessários. Enfim, deste relacionamento imaturo, mas não posso dizer “ruim”, nasceu meu primeiro filho, um Bailey, com seus hoje dezoito anos – sorriu, de forma triste – Claro que com a falta de experiência e tomando a decisão de não casarmos, especialmente pela preocupação dos pais dela com relação a nossa pouca idade, optamos por criar a criança cada um na sua casa. No meu caso, filho de uma mãe solteira e extremamente narcisista e individualista, ela pouco se importou com o que acontecia comigo ou o neto recém-nascido. Só me alertou de toda responsabilidade e avisou que minha vida estava acabada, assim como a dela quando nasci – respirou fundo e sorriu novamente, tentando ser engraçado – Mal sabia eu que minha mãe talvez tivesse uma pontinha de razão.
- Você tem contato com sua mãe hoje, Charlie B.?
- Bem, Rosy, como você também é conhecida no meio artístico, deve saber que quando a gente ganha um pouquinho de fama os parentes ausentes até então aparecem do nada, não é mesmo? Digamos que a senhora Bailey apareceu um tempo atrás, precisando de algumas coisinhas... – Riu.
- Infelizmente sei bem como é isso, Charlie.
- Bem, voltando ao passado, meu relacionamento com a mãe do bebê passou a ser somente em função dele. Porém, um pouco depois do nosso filho completar um ano, ela decidiu estudar em outro país. Acabei ficando com toda a responsabilidade sobre o nosso filho. Como nunca tive orientação materna e minha mãe reclamou da criança desde o momento que entrei com ele em casa, decidi viver sozinho, ou melhor, só nós dois. Cantar sempre foi a única coisa que eu soube fazer. Desde pequeno, adorava rabiscar, fingindo serem minhas composições próprias e também músicas e ritmos para elas. Mas eis um ramo que, se você não tem nome e não é famoso, mal sobrevive. Foi o que aconteceu comigo... Andando de bar em bar noturno, cantando cover’s, em busca de quem pagasse mais, afinal, tinha que bancar um lugar para morar, roupas e comida para mim e o bebê. Foi então, para “economizar”, tive a péssima ideia de levar meu filho comigo, deixando-o a cargo de amigos e conhecidos do bar onde eu consegui tocar em noites fixas. Claro que era errado. Mas eu tinha apenas dezoito anos. E não tinha muita noção do que podia ou não fazer com um bebê. Meu filho foi retirado de mim, judicialmente, e a guarda dada aos avós paternos, sendo que a mãe sequer voltou do exterior para participar da criação do garoto. Eu fui a exatamente “oito audiências” tentando recuperar a guarda. Sim, eu disse “oito”. E na nona eu não pude comparecer, porque já estava preso. E neste meio tempo, o menino cresceu e já não precisava mais de alguém que cuidasse dele... Ou ao menos que quisesse cuidá-lo.
- Nove audiências em que foi negado ao pai o direito de criar o próprio filho?
- Não, Rosy. Nove audiências em que não me foi permitido sequer “ver” o meu filho.
- Mas... Isso não parece estar muito certo, Charlie B. Não é possível... Não se você é realmente o pai biológico.
- Sim, eu sou o pai biológico. Não tenho dúvidas disso. Mas a mãe da criança convenceu a todos que as viagens ao exterior eram esporádicas... E que eu não tinha condições financeiras para cuidar do menino, visto que sempre trabalhei à noite e dormi durante o dia. Sem contar o fato de trabalhar em locais com bebida alcoólica, cigarros, e outras coisa que nem vale a pena mencionar. Quando enfim o juiz Francis Provost olhou por mim e pediu revisão das audiências antigas, fui preso logo em seguida, destruindo por completo minhas esperanças. O fato é que a família da mãe do garoto levou-o para outro país e fiquei completamente sem contato. Como as audiências eram sempre lá, ficava difícil para mim a locomoção, até mesmo por questões financeiras. Mas estive perante o juiz... Todas as “oito vezes” – olhou fixamente para a câmera – Qualquer pessoa pode se certificar dos processos que abri e minha presença em cada uma das audiências, independente do país onde foram... Basta ir atrás da documentação.
- Triste história, Charlie B.
- Seis anos atrás, conheci no Cálice Efervescente uma garota que estava comemorando sua despedida de solteira – o sorriso agora iluminou-se – Nunca acreditei no amor... Mas no momento que a vi pela primeira vez, entendi que eu estava errado. Que amor existia... E embora esteja até hoje tentando encontrar uma explicação de como é possível amar tanto uma pessoa, sendo capaz de qualquer coisa por ela, não consigo encontrar respostas. Sequer nos tocamos naquela noite. E quando ela foi embora, eu imaginei que perdia a única mulher que me fez sentir algo completamente novo e inexplicável...
Levantei, abrindo a porta e saindo dali, dirigindo-me para onde ele estava, na bancada, junto de Rosy Strassbaum. Nossos olhares se encontraram e meu coração apertou. Queria que ele entendesse que eu estava ali. E sempre estaria.
- Mas ela apareceu na noite seguinte... Desta vez não só de véu... Estava à caráter: vestida de noiva, um belo sapato pink... E ainda mais linda do que na vez anterior.
Ele desviou os olhos da câmera e me olhou. Sim, eu sabia que agora era minha vez. Só eu poderia explicar o que passei. Se era hora do mundo saber a verdade e “el cantante” estava disposto a contar a parte dele, eu também estava disposta a contar a minha.
Andei até ele, do jeito que estava: Sabrina Rockfeller, mãe em tempo integral, professora demitida por justa causa, grávida e sem maquiagem alguma. Por Deus, Yuna, você nunca assistiu televisão. Que não seja neste momento que decidiu fazer isso, pois não quero que minha filha testemunhe o que vamos contar ao mundo. Não aos cinco anos de idade!
Rosy ficou um pouco surpresa com minha presença, mas logo alguém trouxe uma cadeira e sentei-me ao lado de “el cantante”, atrás da bancada branca, brilhante e impecável, olhando para câmera que exibia o programa em horário nobre, com transmissão para todo o país.
- A moça em questão sou eu... Sabrina Rockfeller. – Falei firmemente, pegando a mão dele, que estava fria e ao mesmo tempo suada.
- Seja bem-vinda, Sabrina Rockfeller. Rockfeller... Tem algo a ver com a J.R Recording?
- Sim... Sou filha de Jordan Rockfeller, da J.R Recording.
Ela ficou impressionada:
- Pois bem, Sabrina – deu um sorriso – Foi ao bar pronta para casar? Desistiu do casamento planejado anteriormente por causa de Charlie B.?
- Gostaria de deixar bem claro que eu não traí meu noivo, embora tenha me apaixonado por Charles no momento que meus olhos encontraram os dele, no Cálice Efervescente – apertei ainda mais sua mão, procurando segurança, que obtive ali, com um simples enlace entre nosso corpo – Mas quem, em sã consciência, largaria um noivo que conhece há quatro anos por um homem que viu em no máximo três horas? Nem um beijo trocamos... Imaginei estar louca, só isso. Mas no sábado, dia do casamento... E não, não vou contar o nome do noivo, em respeito à privacidade dele, que não quero expor de forma alguma, pois apesar de tudo, é uma pessoa que estimo e admiro imensamente. Bem, na hora de entrar na igreja para o casamento, minha irmã, Mariane Rockfeller, confessou que na noite anterior, dormiu com meu noivo.
- Céus! – Rosy deixou escapar.
- Sim... “céus”... Na verdade, “inferno” seria a palavra. Eu estava na igreja, pronta para casar. Não me restou outra alternativa a não ser entrar e dizer “não” para ele, no altar.
- Sim... Lembro algo sobre esta história... A filha mais nova de Jordan Rockfeller ter abandonado o noivo e o próprio casamento.
- Claro que nada mais me impedia de correr atrás do cantor que eu havia conhecido na noite anterior. Estava com raiva, me sentindo completamente traída, não só por ele, mas também pela minha irmã. Não que se fosse com outra pessoa, tivesse doído menos. Mas nunca se espera que você seja ferida por uma das pessoas que mais ama... E que deveria, por ser mais velha, me proteger e não tripudiar sobre mim – suspirei – Mas hoje penso que tudo acontece da forma que tem que ser. Afinal, cheguei de noiva aonde eu sempre deveria ter estado... – Olhei para “el cantante”.
- Eu a olhei chegando e pensei: Recebi meu presente! Embrulhado e tudo! Não pode ser real.
Nós três rimos.
- Eu mal sabia que naquele, estava acabando com a vida de Charles Bailey. – Falei seriamente.
- Como assim? – Rosy me encarou, curiosa.
- Eu fui com ele para uma casa no litoral, longe dali. Ficamos menos de três dias por lá. Neste meio tempo, Charles teve o celular e carteira com todos seus documentos furtados numa loja de conveniência e eu queimei meu tornozelo na moto. Ainda tenho a marca. Mas foram os melhores dias da minha vida... Dezoito anos que não significaram nada frente aos três dias que passei ao lado dele – confessei – Mas precisava tranquilizar minha família e dizer que estava bem. Então fiz uma ligação, avisando meu pai. Eu e Charles nos despedimos e anotei o número do meu celular num papel, que ele pôs dentro da jaqueta. Como chovia quando voltávamos para capital, ele me emprestou a jaqueta. E foi embora... Deixando a nossa única forma de contato ali dentro.
- Mas ele não sabia como encontrá-la sem ser por telefone?
- Não... Porque eu não disse que era uma Rockfeller. E não quis que Charles soubesse onde eu morava, temendo a reação de meu pai ao saber do meu envolvimento com ele.
- Hum...
- Voltei para casa sabendo que seria difícil o reencontro. Mas ainda tínhamos o Cálice Efervescente. Era lá que ele estava todas as noites, cantando sua bela música e servindo bebidas. Porém, não por obra do destino, como sempre pensei ser... Não nos vimos mais.
- Como assim? Afinal, “você” sabia onde encontrá-lo?
- Porque meu pai, Jordan Rockefeller, imediatamente fechou o bar onde Charles tocava, demitindo todos os que lá trabalhavam, sem se importar com nada além de me afastar do cantor pobre, que julgou que não era para mim. Ele exigia que eu voltasse para meu ex, que me traiu com minha própria irmã, pelo simples fato de ele ser rico.
Engoli em seco, como se estivesse revivendo aqueles momentos do passado. O silêncio no estúdio foi mortal.
Respirei fundo e continuei:
- Meu pai colocou um segurança para me acompanhar a todos os lugares. Ainda assim, tentei encontrar Charles, mas ele havia sumido...