Capítulo 96
2321palavras
2023-02-08 10:32
Yuna apareceu no corredor, recém acordada, ainda de pijama:
- Tudo bem? – Nos olhou.
- Não! – Falei imediatamente.
Ela fitou Melody:
- Que tal você vir tomar café da manhã comigo, no quarto?
- Não... Eu vou passear com mamãe e papai.
- Papai e mamãe não vão poder levá-la junto, meu amor. Mas prometemos que amanhã faremos um passeio bem legal.
- Ah, mas eu quero ir junto.
- Por favor... Amanhã.
Olhei para o relógio:
- Charles, já passa das dez. Precisamos ir.
- Vamos – Ele confirmou, dando um beijo na bochecha da filha.
- Cuida dela, Yuna... Por favor. – Pedi.
- Pode deixar.
- Como foi o encontro?
- Bem... Eu... Meio que ouvi os seus conselhos.
Sorri, feliz:
- Isso quer dizer que...
Ouvimos uma forte batida na porta. Nos olhamos imediatamente.
- Quem será agora? – Charles desceu os degraus da escada rapidamente. ¬
Fui atrás dele, acompanhada de Yuna e Melody.
- Monaghan? – Ele olhou para Colin, que trazia um buquê com margaridas.
- Olá... – Disse Colin sem jeito.
- Acha mesmo que vou deixar que você entre? Como ousa trazer flores para minha mulher?
- Não são para Sabrina. – Ele me fitou sobre os ombros de Charles.
Puxei Charles e deixei a entrada livre:
- Entre, Colin.
Ele entrou e entregou as flores para Yuna, que ficou completamente sem jeito:
- Obrigada... São lindas. Mas não precisava se incomodar.
- Imagine... Não foi incômodo. Só espero que você não seja alérgica.
- Não... Não sou.
Melody começou a gargalhar:
- Estão namorando! Estão namorando! – Gritava andando em volta deles.
Pus a mão na testa, tentando entender porque aquilo acontecia comigo. Parecia que tudo era um sinal para eu não sair de casa naquele dia.
Charles pegou Melody no colo e advertiu:
- Não é legal fazer isso.
- Mas eles estão namorando. Colin deu flores para tia Yuna. Eu disse que eles seriam namorados.
- Eu... Vim conversar com vocês dois. – Colin disse seriamente.
- Eu... Vou preparar algo para comer... E subir... Com Medy. – Yuna falou.
- Mas eu não quero subir... Eu acho Colin bonitão... Quero cheirar o perfume dele. – Melody reclamou enquanto Yuna a levava, junto das flores, completamente ruborizada.
- Se veio dirigindo até aqui e não foi simplesmente para trazer as flores para Yuna, creio que seja importante. E... Não é bom. – Charles sentou-se, indicando o sofá para que ele fizesse o mesmo.
- O juiz já assinou tudo e Guilherme Bailey receberá metade de tudo que é seu.
Charles respirou fundo e recostou-se no sofá:
- Eu sei que nada faz o tempo voltar. Tentei tudo que estava ao meu alcance para ficar com ele... Lutei o quanto deu. No fim, se tudo que meu filho quer de mim é dinheiro, que pegue com tudo.
- Já sabíamos o que ia acontecer. Você já havia nos alertado. – Falei.
- O que eu não imaginava é que... Mesmo sabendo de todo processo em tramitação, Charles havia colocado a casa no próprio nome.
Nós dois olhamos para Charles, que empalideceu.
- Me diga que não fez isso, Charles. – Pedi.
- Eu... Só queria comprar a casa. Não pensei nesta porra toda quando assinei. Que inferno! – Gritou, levantando, passando as mãos nos cabelos, nervosamente.
- Já estamos fodidos, Colin. Nada ficaria pior.
- Praticamente todos os meus shows foram cancelados. Eu estava tentando resolver tudo por telefone. Mas acho que o que me resta é ir até a J.R Recording e assinar o fim do contrato.
- Neste caso, saindo sem nada, conforme o contrato, que beneficia somente a eles mesmos. – Colin afirmou.
- Exatamente. – Charles o olhou.
- Caso Guilherme queira a sua parte da casa, em dinheiro, e não tivermos para pagar, podemos, de alguma forma, evitar a venda? – Perguntei.
- Teriam que resolver numa conversa. Mas ele tem direito a metade. Claro que caso Guilherme quisesse a venda, e vocês negassem, teria que entrar com um novo processo, o que daria um tempo a Charles. Eu não vou mais representar Guilherme.
- Obrigada, Colin. – Agradeci.
- O que vocês pretendem fazer? – Ele olhou diretamente para Charles.
- Bem... Eu fiz umas ligações. E consegui algo.
- O quê? – Perguntei.
- Precisamos ir para capital, Sabrina. Tentei não me envolver tão profundamente nisso tudo. Mas ao ver o seu sofrimento, é impossível.
Abaixei a cabeça, sabendo que tudo que queria era ouvir aquilo da boca dele.
- Eu... Gostaria de levar Yuna e Melody para passear. Posso? – Colin perguntou.
- Está pedindo permissão para qual das duas? – Charles riu.
Ele balançou a cabeça, tentando esconder um sorriso.
- Eu autorizo Melody – Charles consentiu – Mas tente não usar tanto perfume. Não quero minha filha cheirando você.
- E eu autorizo Yuna. – Tentei não rir, sem sucesso.
Charles me direcionou:
- Vamos, garotinha?
Sorri, pegando a mão dele firmemente:
- Vamos.
- Cuide bem da minha menina, por favor. – Charles advertiu, antes de sair.
Entramos no meu carro e Charles fez questão de dirigir. Ficamos boa parte do trajeto em silêncio, cada um com seus próprios pensamentos.
Depois de um tempo, perguntei:
- Acha que Guilherme vai querer parte da casa?
- Acho que Kelly vai querer até o par da minha meia velha e furada que pertence a ele.
- Qual o problema dela com você?
- O problema dela é que eu consegui ganhar dinheiro. É só isso que ela quer. Kelly é uma mulher que não se preocupa com nada a não ser ela mesma. Não criou sequer o próprio filho e ainda foi capaz de me destruir perante ele.
- Eu... Não sei o que dizer.
- Que sou um azarado? Um idiota, burro, por ter colocado a casa no meu nome? Porque é isso que sou, Sabrina.
- Não... Você é só um cara que tenta ver o lado bom das pessoas, mesmo elas não tendo.
- O dinheiro é uma coisa muito louca... – ele riu de forma triste – Eu não falo com minha mãe há anos... Na verdade, desde que saí com Guilherme ainda bebê da casa dela, procurando um lugar para nós dois. Acredita que ela me ligou na semana passada?
- Isso... É bom ou ruim?
- Seria bom se ela se preocupasse de verdade com o que aconteceu comigo durante todos estes anos. Mas acredite, minha mãe me chamou de Charlie... Eu nem me chamo Charlie, entende? É o nome que criaram para mim, para diferenciar um pouco do meu. Imaginei se ela sabe que eu me chamo Charles...
- Claro que ela sabe... – Toquei a mão dele, incerta sobre o que pensar sobre a mãe dele.
- Sabe o que mais ela falou?
- O quê?
- Que a casa dela está caindo aos pedaços. Se por acaso eu poderia dar um jeito nisso.
Engoli em seco, tentando conter o choro.
- Mal ela sabe que meu próprio filho me tirou o pouco que eu tinha. Agora você entende por que às vezes eu demoro para tomar decisões? Porque tem coisas que não parecem reais. Nunca esperei muito das pessoas... Até conhecê-la, Sabrina. Se entregou a mim... Confiou em mim, sem sequer saber quem eu era.
- Talvez tenha sido a primeira loucura da minha vida... – Eu ri.
- Lembro do seu boquete mal feito... – Confessou divertidamente.
- Mal feito? – Arqueei a sobrancelha, surpresa.
- Me machucou... Estava completamente sem jeito.
- Mas você gozou.
- E doeu pra caramba os seus dentes no meu pau.
- Meu Deus! – Pus as mãos na frente do rosto, envergonhada.
- A segunda vez foi perfeita... – Ele alisou minha perna, sorrindo.
Depois de um tempo, eu disse:
- As pessoas podem ser horríveis, Charles. E não precisa haver uma explicação para isso. Colocam dinheiro, status, inveja... Tudo acima do amor.
- Por isso eu sou tão grato por “nós”, entende?
- Sim, eu entendo. Mas se deixarmos tudo como está, seguirão nos atacando.
- Eu sei, meu amor. Isso encerra hoje.
- Eu... Posso saber o que você tem em mente?
- Não. – Falou seriamente.
Chegamos na capital e Charles estacionou o carro em frente à sede do maior canal de TV aberta de Noriah Norte.
Pegou-me pela mão e entramos no edifício, onde ele foi recebido pela recepcionista:
- Senhor Bailey... É um prazer tê-lo no nosso canal, com exclusividade.
- Obrigado.
- Seja bem-vinda, senhora Bailey.
Eu sorri, acenando com a cabeça. “Senhora Bailey”? Meu Deus, aquilo soou como uma canção aos meus ouvidos.
Apertei a mão de Charles, enlaçada na minha, enquanto seguíamos a recepcionista, caminhando pelo piso limpo, brilhante e escorregadio, até um dos inúmeros elevadores.
Para minha surpresa, paramos no último andar: vigésimo. Ingressamos diretamente numa porta de vidro automática, que ficava logo em frente. Descemos dois degraus largos, feitos do mesmo piso que parecia vidro, chegando à plataforma de onde eram apresentadas as principais notícias.
Quando vi Rosy Strassbaum, a apresentadora do telejornal mais assistido no país, fiquei imóvel, sentindo meu coração bater intensamente.
Ela veio até nós, sorrindo. Usava um conjunto de terno e calça cinza escuro, com uma camisa branca por baixo. Os cabelos estavam presos num coque impecável e o rosto adornado por óculos de grau com armações finas em prata.
- Charles Bailey, meu querido Charlie B... – Abraçou-o com intimidade.
- Bom revê-la, Rosy.
“Bom revê-la?” Como assim, “el cantante”?
Ela se afastou um pouco dele, que me apresentou:
- Esta é Sabrina Rockfeller... Minha... – ele demorou um tempo pensando em como me apresentar.
- Esposa. – Completei, estendendo a mão para ela, de forma gentil.
Charles soltou uma risada e eu fiquei furiosa.
- Oh, tem um bebê aí? – Ela tocou minha barriga.
- Sim... – Fiquei sem jeito.
- Menino ou menina?
- Ainda não sabemos.
- Como conseguem esperar para saber? Se tem uma coisa que eu não tenho é paciência. Enquanto não soube o sexo das minhas três meninas não sosseguei.
- Três meninas? – Fiquei surpresa.
- Sim, três meninas – confirmou – É muita sorte, não acha?
Sorte? Bem, se todas estavam bem e tinham saúde, não deixava de ser sorte. Eu queria um menino, mas se viesse uma menina eu amaria da mesma forma.
- Preparado para a “sua” versão, Charles? – Rosy o olhou seriamente.
- Preparado. – Ele confirmou.
- Então vou pedir que o encaminhem até o camarim e você entra em exatamente trinta minutos, ao vivo.
Minhas pernas ficaram trêmulas. Ele iria falar ao vivo, para o país inteiro?
Uma mulher simpática nos acompanhou até o camarim. Para chegarmos lá, atravessamos o estúdio de onde era transmitido o telejornal do horário nobre, passando por um corredor estreito, onde as paredes e portas eram de um material fino, modulado, podendo ser retirado e reorganizado de forma fácil, caso quisessem mudar a ordem de tudo por ali.
Charles e eu entramos numa das salas, onde havia uma mulher esperando por ele.
Rapidamente ele já foi sentando na cadeira, acostumado com tudo, enquanto ela limpava o rosto dele, depois passando um pó, para retirar o brilho, penteando os cabelos para trás, de forma comportada e depois aparando um pouco da barba, deixando mais fina. Era um Charles diferente do que eu estava acostumada. Mas ainda assim, extremamente sexy.
Quando terminou, avisou:
- Sua roupa está naquele trocador. – Apontou.
Charles foi até lá e ela saiu, fechando a porta. Fiquei sentada, esperando que ele saísse, sem dizer nada.
Ainda estava surpresa com tudo que estava acontecendo. Certamente a ideia dele era se defender perante o país. Mas como pensava em fazer aquilo?
Quando ele saiu de trás do biombo, de terno xadrez com camisa branca, os cabelos bem penteados, a barba rala, parecia um homem sério... E lindo de morrer. Fiquei analisando-o, sem me dar em conta que o devorava com os olhos, percorrendo o pescoço liso, abdômen perfeito sob a camisa bem passada, um leve volume sob a calça.
- Pareço apetitoso, senhora minha “esposa”? – Debochou.
Me peguei mordendo o lábio, sem perceber.
- Eu... Gostaria de ser fodida por você aqui e agora. – Confessei.
Ele riu, olhando no relógio:
- Sinto muito, mas vou ficar a lhe dever isso. Tenho um compromisso com hora marcada.
- Você... Vai fazer o que estou pensando?
- Vou. É o que me resta.
- Como... Conseguiu este canal? E com Rosy Strassbaum? Já vi artistas consagrados tentarem e se darem mal. Ela é extremamente seletiva e antipática... Mas foi gentil com você.
- Ela levou as filhas num show de Charlie B. Deixei-as ir ao camarim depois, distribui autógrafos e tirei fotos com todas, realizando o sonho das meninas.
- Só das meninas? Ou... Também da mãe. – Fiquei enciumada.
- Só das meninas. Digamos que a mãe não era tão fã... Na verdade, Rosy era só uma mãe querendo agradar as filhas. Como sempre fui muito carismático, bondoso... E admiro muito o trabalho dela, quis fazer a gentileza. Afinal, sou mais que este belo rosto com olhos verdes. – Debochou.
Eu não disse nada, sentindo uma leve pontada no estômago.
- Se lhe interessa saber, ela é casada... Há muitos anos. Então, creio que seja feliz... Só não tenho certeza se tanto quanto nós... – Veio até mim, enlaçando-me com seus braços, me imobilizando.
Ouvimos batidas na porta e uma mulher entrou:
- Você entra em cinco minutos, Charlie B.
- Estou pronto.
Ele pegou minha mão e sorriu, nervosamente:
- Me deseje boa sorte. Vai ser difícil. Estou nervoso.
- Boa sorte. Eu amo você.
Ele me deu um beijo leve nos lábios e se foi, me deixando com o coração batendo tão forte que parecia querer deixar meu corpo e ir atrás dele.