Capítulo 93
2528palavras
2023-02-08 10:30
Um mês depois que iniciei na J.R Recording, contratei uma empresa terceirizada para uma auditoria na gravadora.
No dia seguinte, assim que cheguei à minha sala, nem sequer havia tirado minha bolsa e a porta abriu-se de forma violenta, batendo na parede com um estrondo e Mariane entrou, sem pedir licença:
- O que você está pensando? – Vociferou na minha direção.
- Eu... Não sei do que você está falando. – Guardei minha bolsa no armário próximo da janela, tentando ficar calma.
- Como assim você contratou uma empresa de fora para auditoria? Por acaso duvida das contas que apresentei até agora?
- Sim, duvido. – Falei com tranquilidade, sentando-me na minha cadeira confortável e ligando o computador.
- Vou falar para o nosso pai. Ele não vai aceitar isso. Eu tenho certeza.
- Ele me deixou responsável pela parte financeira da J.R Recording, “irmã”. Estou fazendo o que acho correto. Lembre-se que esta empresa não é minha, nem sua... É “nossa”.
- Auditorias podem ser feitas internamente. Não confia nos seus funcionários?
- Ainda não. Mas com o tempo talvez passe a confiar. Por hora, as contas devem ser feitas por alguém de fora.
- Não há dinheiro para arcarmos com isso.
- Eu estou cuidando da parte financeira agora e digo que há sim. Pelo menos para isso.
- Vou acabar com você. – Apontou o dedo indicador na minha direção, em forma de ameaça.
Eu sorri e virei a cadeira em direção a ela, falando de forma lenta e gentil:
- Eu estou tão feliz que a sua máscara de boa irmã finalmente caiu. Prefiro você assim, sem mentiras, falsidades... Simplesmente sendo o que consegue ser: uma vagabunda despeitada, invejosa, ladra e ciumenta.
- Não tenho culpa se seus homens preferem a mim.
Eu gargalhei:
- Meu Deus, em que mundo você vive? Por que quer tanto o que eu tenho? O que lhe falta para ser feliz e viver a sua vida, afinal?
- Está tentando acabar com a minha reputação frente ao nosso pai.
- Qual seu medo? Se está tudo certo, não há o que temer.
- Não temo nada. Fiz tudo de forma correta. O que me irrita profundamente é que “você” está duvidando de mim. E acho, inclusive, que pode mentir que eu tentei roubar a empresa.
Eu ri:
- Por isso mesmo contratei uma empresa terceirizada: para que não haja nenhum tipo de ligação entre eles e você. Eu tenho uma coisa que se chama honestidade, mas infelizmente você não sabe o que é.
- Por que não vai viver a sua vidinha mais ou menos ao lado de Charles e a pirralha de vocês? Me deixe em paz, porra!
- Em paz... Como você me deixou? – Debochei.
Ela dirigiu-se para a porta e antes de sair, falou:
- Cuidado quando entrar no elevador, passar sobre um tapete, beber café, água, entrar no seu carro... Afinal, sou uma irmã cruel e capaz de tudo. – Tentou me amedrontar.
Assim que ela saiu, senti meu coração bater mais forte. Mariane tentou fingir que não era uma ameaça as últimas palavras, mas me feriram em cheio. Fiquei amedrontada.
Uma pessoa que foi capaz de fazer tudo que ela fez não conhecia limites.
Charles estava viajando já fazia quase uma semana. Nos falávamos várias vezes ao dia, por chamada de vídeo ou voz. Ainda assim parecia que ele estava longe há meses, tamanha saudade que eu Melody sentíamos.
Mas ao mesmo tempo, eu sabia que o trabalho dele exigia viagens. E teria que me acostumar.
Quando cheguei em casa, no final da tarde, estacionei o carro próximo da casa e pensei em conversar com Charles a respeito de encontrarmos uma forma de fazer um caminho que levasse os carros para mais próximos da residência.
Minha barriga já começava a crescer e em breve teríamos um bebê, carrinho, bolsa e tudo mais para carregar por uns bons quilômetros longe da casa. Em dias de chuva seria um tormento.
Assim que entrei em casa, Melody correu na minha direção, abraçando-me. Levei-a até o sofá e a peguei no colo. Ela mesma não queria mais subir no meu colo de pé, em função da barriga que começava a crescer.
Nos abraçamos e eu inalei várias vezes o cheiro dela, para que me reconfortasse da agressividade da minha irmã. Melody, com seu cheiro de “filha”, me curava de qualquer coisa ruim.
- Onde está Yuna? – Perguntei.
- Aqui! – Disse Yuna, descendo as escadas, descalça, com um sapato de salto nas mãos e usando um vestido preto bonito e discreto.
- Vai sair? – Arqueei a sobrancelha.
- Eu... Vou jantar com Colin.
- Não acredito! Finalmente decidiu aceitar? Um mês depois?
- Ele insistiu muito. E desde já, aviso que é só um jantar. Pode ficar tranquila.
- “Pode ficar tranquila”? Como assim?
- Eu não vou ficar com seu ex.
- Yuna, eu não me importo.
- Eu jamais faria isso.
Levantei, pegando-a pelos ombros e olhando em seus olhos:
- Yuna, ele não desistiu por um mês... Tem noção do que isso significa?
- Ele está interessado em você, tia Yuna. – Melody disse, sem olhar para nós, enquanto brincava com as mãos.
- Até Melody entendeu isso.
- Não vou ficar com seu ex... Nunca na minha vida.
- Eu não me importo.
- Você... – ela foi ao meu ouvido e disse baixinho – Dormiu com ele.
A puxei para a cozinha e encarei-a:
- Eu dormi com ele, com Charles e quase dormi com Guilherme também. Mariane dormiu com os dois. Não sei se Colin dormiu com outras mulheres... Se sim, não foram muitas. Mas Charles dormiu com Kelly e tantas outras. E eu beijei o filho dele e... – fiquei confusa tentando explicar – Entende que isso não tem nada a ver? Eu não gosto dele. O nosso relacionamento não existe mais. O que ficou de tudo? Amizade. Colin é um rapaz maravilhoso. E, por Deus, ele foi feito para você. E sabe que eu já havia dito isso, numa daquelas nossas brigas do passado.
- Não... – Ela já não foi mais tão convincente.
- Acha que vai encontrar um homem que nunca ficou com ninguém? Com as nossas idades, todos tem um ex, entende?
- Mas não precisa ser o ex da sua amiga.
- Eu amo Charles. Eu amo você. Eu gosto de Colin. E ficaria muito feliz se vocês dois ficassem juntos... Se fosse o desejo de ambos. Eu só quero a sua felicidade, Yuna.
Ela balançou a cabeça, olhando para baixo, aturdida.
- Por favor, não deixe a sua felicidade passar. Sei que é a primeira vez que vão sair juntos. Talvez você não goste. Mas eu posso apostar que você vai gostar muito. Colin é gentil, tem bom gosto para restaurantes e vai respeitá-la como talvez nenhum homem tenha feito até hoje. Porque ele é assim... Um cara legal. – Sorri.
- Nós... Nos falamos vez ou outra por telefone.
- E você gosta de conversar com ele?
- Eu... Gosto. Mas tentei muito fugir deste jantar. Só aceitei porque ele insistiu muito. E garantiu que iremos num restaurante Coreano que tem na capital. Como estou com muita saudade da minha culinária, acabei aceitando.
Eu ri:
- Fez muito bem. A vida está te dando um presente... Receba, amiga.
- Como estou? – Ela girou, o vestido preto meio folgado, o decote comportado.
- Está... Parecendo uma mulher que só quer comer comida coreana.
Começamos a rir. Eu sabia que Yuna não gostava de se exibir, especialmente o corpo. E sinceramente, Colin não se importaria. Ele curtia muito mais conversar do que “trepar”. Para ele sexo era consequência. Para mim era causa. Por este motivo eu meio que sempre ficava um pouco frustrada depois das nossas transas. Ele seguia sempre um roteiro e o sexo vinha depois de tudo. E caso não desse tempo, a gente não fazia.
Yuna era uma mulher viciada em trabalho e família. Para ela também nada poderia sair da rotina. Ela curtia a noite algumas vezes porque eu insistia muito. Achava que ela era linda e inteligente demais para ficar trancada dentro de casa. Por sorte ela me ouvia. Mas não tenho certeza se transava com os homens que conhecia, embora soubesse que ela não era virgem.
Os dois eram muito parecidos. Mas não tinha como ter certeza se dariam certo. Mas eu poderia apostar que sim.
Ouvimos a buzina há quilômetros de distância e ela saiu correndo pela casa, abrindo a porta e pondo do sapato quando já estava na varanda.
- Tenha um bom jantar – gritei enquanto a via andar com dificuldade pelas pedras até o carro – E não tenha pressa para voltar.
Ela fingiu não me ouvir. Fechei a porta quando vi que ela entrou no carro de Colin.
Levei Melody para o banho e disse, enquanto a secava, antes de tomar meu próprio banho:
- Vou preparar o jantar para nós duas.
- E papai?
- Ele volta depois de amanhã. Você sabe.
- Eu estou com saudades. – Ela reclamou, dengosa.
- Nós também. – Referi-me a mim e ao bebê, tocando a barriga.
Melody tocou minha barriga e falou com o irmãozinho ou irmãzinha:
- Nosso papai é muito legal. Você vai gostar dele. E nossa mamãe... – me mirou, os olhinhos verdes brilhando e um sorriso travesso nos lábios – Ah, nossa mamãe é uma rainha... E eu vou ajudar a cuidar dos seus animaizinhos, porque ela não consegue fazer isso muito bem.
- Lá vem você! – Comecei a rir.
Ouvimos batidas fortes na porta. Não costumávamos receber visitas, até porque morávamos ali há pouco tempo. Como Colin e Yuna já haviam saído e Charles tinha a chave e não bateria na porta, fiquei um pouco temerosa:
- Espere aqui que vou atender, ok?
- Eu quero ir junto.
- Obedeça a mamãe... Por favor. – Pedi, encarando-a de forma séria.
- Está bem.
Desci as escadas e fui até a porta. Antes de abrir, perguntei:
- Quem é?
- Somos nós, filha! – Ouvi a voz de Calissa do outro lado.
Senti meu coração bater forte e fiquei incerta de abrir ou não. Mas era ela... Já fazia mais de um mês que não nos falávamos.
Abri a porta e dei de cara com Calissa e... J.R. Sim, eu fui ingênua. Não esperava que ele estivesse junto.
- O que... Vocês estão fazendo aqui? – Olhei para ele.
Como ele tinha coragem? Visitar a casa onde um dia armou para que prendessem o pai da minha filha? Que sangue frio aquele homem tinha, capaz de ir ao lugar onde destruiu a vida da própria filha e o homem que ela amava?
- Podemos entrar? – Ela perguntou, os olhos avermelhados.
A encarei, confusa. Minha mãe havia chorado?
- Não. – Respondi com firmeza.
- Só queremos ver a menina. – Disse meu pai.
- Não. – Reafirmei minha posição.
- Por favor, Sabrina... Melody é tudo para nós. Já faz um mês... – Calissa tentou, de forma doce e gentil.
- Depois de tudo que houve, acho que não devemos mais nos ver.
- Por que você pediu uma autoria de outra empresa na J.R Recording? – J.R me encarou.
- Porque acho necessário.
- Não lhe dei poderes para isso.
- Achei que tinha me dado a parte financeira da empresa, conforme nossa conversa na casa de praia.
- E eu achei que teria contato com minha neta. E você, pelo visto, está tentando tirar isso de mim.
- Está tentando usar minha filha como moeda de troca? – Arqueei a sobrancelha, incrédula.
- Não como moeda de troca. Mas acho justo eu vê-la sim, pois ela é minha neta.
- E eu acho justo você não vê-la, pois sugeriu que eu a tirasse, quando ainda estava no meu útero.
- Foi uma decisão que tomei sem pensar.
- A minha é bem pensada: não vai ver Melody.
- Então vou tirá-la da empresa.
- Entrei com um pedido de posse da minha herança. Quero o que é meu por direito.
- É mentira. Nenhum advogado entraria contra mim numa causa pessoal da minha filha.
- Jura? Colin Monaghan não se preocupa com isso.
Ele ficou em silêncio, me fitando por um curto período de tempo que pareceu horas. Depois olhou para minha barriga:
- Você em breve terá dois filhos... Como pode fazer isso contra seu próprio pai? Como acha que me sinto?
- Você nunca foi pai. Eu sei o que é amor materno... E jamais deixaria minha filha sair com a roupa do corpo, grávida... Sem me impor, independente contra quem fosse – olhei para Calissa, tentando não chorar – E quanto a você... Não sabe o que é amor. E sinceramente, não entendo o que quer com a minha filha.
- Eu gosto da menina. Simples assim. Ela me faz bem. – Ele justificou, enquanto as lágrimas começaram a cair dos olhos da minha mãe, que abaixou a cabeça.
Que porra de mulher que não tinha força para lutar contra nada? Deus, o que ele fez da própria esposa? Uma mulher submissa, sem vez nem voz, que não se impunha em nenhuma situação.
- Você não faz bem a ela. Simples assim. – Justifiquei, tentando fechar a porta, que ele impediu com o corpo, abrindo-a novamente.
Fiquei um pouco amedrontada com a atitude dele, que insistiu:
- Quero ver minha neta.
- Não vou deixar. E você não pode fazer nada quanto a isso. Se não quiser que eu entre na empresa amanhã, não entrarei. Esperarei o juiz decidir o que me cabe da sua fortuna. Ou melhor, o que restou dela, porque o senhor está praticamente falido. E quer saber? Sua própria filha está roubando-o.
- Mentira. Mariane não faria isso.
- Não? Confia tanto assim nela? Ela não é uma pessoa confiável. Lembre-se que dormiu com Colin e Charles, sabendo o que eles significavam para mim.
- Ela sempre foi meu braço direito.
- Eu vou fazer o possível para impedi-la de afundar a J.R Recording. Mas não é por você. É por mim... Aquela empresa também pertence a mim e meus filhos. E vivi praticamente toda a vida sem pai nem mãe em função dela.
- Quero ver a menina. Depois vou embora. E amanhã você poderá ir a J.R Recording como se nada tivesse acontecido e seguir com a porra da sua auditoria, sendo que ao final, verá que sua irmã não está me traindo.
- Não.
- Quem sabe ela decide? – Ele olhou sobre meu ombro e eu virei, vendo Melody na escada, com os olhinhos assustados.
Meu coração se quebrou. Eu não queria que ela visse aquela discussão por sua causa.
- Mamãe... Você está bem? – Ela me perguntou.
- Sim... – Minha voz ficou fraca, quase inaudível quando respondi.
- Melody, querida... Vovô e vovó vieram ver você. E trouxemos muitos presentes. Estão no carro. Mamãe acha que você não quer nos ver. Diga a ela, por favor, o que você pensa sobre isso. – J.R a pôs para decidir.