Capítulo 92
2288palavras
2023-02-08 10:30
- Eu entendo, Colin. Está tudo bem.
- Mas eu posso lhe indicar um bom advogado, Charles. Certamente ele conseguirá ganhar tempo e podem pensar em algo a fim de reverter a decisão do juiz. – Colin sugeriu.
- Não! – Charles disse firmemente – Eu não vou recorrer. Se o juiz acha que é certo dividir tudo com meu filho, assim o farei.

Nós dois o olhamos. Charles já havia me dito que pouco se importava com o dinheiro. A questão é: até que ponto o dinheiro ficaria com Gui? Ou Kelly que o usaria, manipulando o filho, como sempre fazia?
- Você deve saber que quem está por trás disso não é o seu filho e sim Kelly, não é mesmo? – Colin perguntou-lhe.
- Eu sei. Mas Guilherme saiu de casa. E sinceramente, eu fiquei feliz por isso. Está na hora de ele crescer e virar homem. E só conseguirá isso longe delas. Ele vai precisar de dinheiro.
- Bem... O dinheiro é seu. Então faça o que achar melhor. – Eu falei.
- Não é meu, Sabrina. É nosso. – Me olhou.
- A decisão que tomar eu aceitarei, Charles.

- Eu só não gostaria que ele ficasse com esta casa – olhou para Colin – Faz dias apenas que a adquiri. E sinceramente, é o único patrimônio que tenho. Porque eles não devem saber que não tenho praticamente nada. Minha carreira é recente e praticamente tudo que eu tinha investi aqui, para que Sabrina e Melody pudessem ter uma vida tranquila.
- Melody também tem seus direitos enquanto filha. Podem tentar entrar em um acordo.
- Porra, não quero ter que me desfazer desta casa... É muito importante para nós. – Charles me olhou.
- Tudo bem, Charles. Não vamos sofrer por antecedência.

- Comecei a fazer sucesso há menos de um ano – Charles olhou para Colin – E o dinheiro começou a cair de verdade nas minhas mãos não faz muito tempo. Deve saber que os contratos com a J.R Recording são um tanto quanto abusivos.
- Sim... Muito. E o contrato é praticamente vitalício, ou seja, de um jeito ou de outro, você literalmente se ferra.
- Exato. Quando assinei, não me importei muito. Vi a chance de cantar para o mundo, ver minhas músicas ouvidas em todos os lugares... E chegar à Sabrina. Hoje eu não assinaria.
- Isso que fez com que muitos artistas deixassem a J.R Recording, alguns inclusive pagando a quebra de contrato. O problema é se reerguer depois do valor abusivo que precisa lhes devolver, caso não queira mais ser agenciado por eles.
- E por que você decidiu aceitar ser o advogado de meu filho e da mãe dele?
- Kelly insistiu muito. Como sou de Noriah Norte, inclusive indiquei a ela advogados bons de Noriah Sul, achando um pouco sem sentido ter que me deslocar a outro país.
- Estranho... – Charles me olhou.
- Não tanto. Kelly queria na verdade não só que eu pegasse a causa, mas “a pegasse” junto.
Os dois riram.
- Certamente ela escolheu um bom advogado, solteiro e com posses. Kelly não faz nada sem segundas intenções – Charles revelou – Ela não é uma pessoa má, mas totalmente interesseira.
- Não é má? Olha o que ela fez com seu filho, voltando-o contra o você! – Me meti.
- De um todo ela não estava errada: eu agi mal ao levar o garoto para bares noturnos comigo.
- Você era um adolescente. – Justifiquei.
- Mas se ponha no lugar dela, Sabrina... Se eu não lhe contasse a verdade, sabendo que estive preso por quatro anos, deixaria Melody aproximar-se de mim? Quereria nos ver juntos?
- A diferença é que eu sempre acreditei em você, Charles.
- Porque me conhece, apesar do pouco tempo que estivemos juntos. Fiquei com Kelly por quase dois anos e ela nunca se preocupou em conhecer o verdadeiro Charles, entende? Conexões... Amor... Não sei explicar o que acontece entre casais a ponto de ser desta forma, como é conosco... – Tocou minha mão carinhosamente.
- J.R foi um canalha com você. – Colin disse.
- Eu sei. E com Sabrina pior ainda. A mandou embora com uma filha no ventre.
- Charles, foi Colin que me ajudou quando vim atrás de você aqui e não o encontrei. Eu só sabia o número dele e do meu pai e pedi-lhe socorro. Ele me deu dinheiro e um jato particular para que eu chegasse em Noriah Sul.
- Eu lhe devia isso, Sabrina. – Colin falou, abaixando a cabeça.
- O jantar está pronto! – Melody veio correndo da cozinha avisar, empolgada.
- Hum, o cheiro está uma delícia. – Falei, enquanto levantava.
- Colin, você janta conosco? – Ela perguntou-lhe.
- Obrigado, Medy, mas não.
- Você não gosta de comida preparada por crianças e Yuna’s? – Ela arqueou a sobrancelha.
- Não... – ele tentou explicar-se – Não é nada disso. Mas já está tarde e vim aqui somente para conversar brevemente com seus pais. E já terminei.
- Se você não jantar aqui, Medy vai ficar triste. – Ela disse, pegando a mão dele.
- Fique, Colin. Aposto que ainda não jantou. – Falei.
Ele me olhou e em seguida encarou Charles, parecendo querer uma confirmação dele.
- Fique! – Melody insistiu.
- Jante conosco, Colin – Charles disse – É o primeiro jantar que Melody prepara. Nos ajude a avaliar se além de linda, minha filha também é uma boa cozinheira. – Ele pegou a filha no colo, que sorriu alegre.
- Não quero incomodar. – Colin ficou sem jeito.
- Não incomoda. Venha. – O peguei pelo braço.
Antes de entrarmos na cozinha, com a mesa preparada perfeitamente, com exatamente cinco pratos, Yuna olhou-o:
- Se não se importa, poderia retirar seus calçados, senhor Monaghan? Veio da rua... Devem estar muito sujos. E a cozinha é um lugar onde prezamos por limpeza.
- Claro! – Ele nos olhou, percebendo que eu e Charles retirávamos nossos chinelos enquanto Yuna e Melody já estavam descalças.
Assim que ele pôs os sapatos ao lado da porta, perguntou:
- Teria um local para eu lavar as mãos, por favor?
- Eu o acompanho. – Yuna o levou ao lavabo.
Sentamos nós três à mesa.
- Medy, não deixe tia Yuna embaraçada. – Adverti.
- Eu acho que Colin é um bom namorado para ela. – Cochichou.
- Você não pode decidir isso por Yuna, meu amor. – Charles falou em tom doce.
Os dois voltaram e tomaram seus lugares à mesa. A comida era típica Coreana e eu já estava com saudades daquele sabor refinado e apimentado ao mesmo tempo.
Senti saudades do meu amigo Do-Yoon e seus maravilhosos pratos. Lianna certamente estava muito feliz ao lado dele.
O jantar foi tranquilo e Colin e Charles foram polidos um com o outro. Na verdade, eu não esperava menos deles. Ambos eram homens maravilhosos, cada um do seu jeito. E eu não podia fingir que nunca gostei de Colin, porque estaria mentindo. Ele foi importante na minha vida e fazia parte dela. Foi o primeiro homem que beijei e com o qual perdi minha virgindade. E ficaria marcado para mim eternamente.
Apesar de ter dormido com Mariane na noite antes do casamento, ele sempre me tratou bem e respeitosamente. Fazia minhas vontades, era gentil e eu adorava a mãe dele.
O que me incomodava é que Colin era respeitoso demais. Tinha transtorno obsessivo compulsivo por limpeza, o que a meu ver parecia ter superado um pouco. Só transava numa cama, limpa, confortável e que se sentisse seguro quanto a eu não engravidar. Respeitava horários fielmente e não fazia nada de errado, nunca. Era o tipo de homem que mesmo que todos ao seu redor desobedecessem a uma regra, ele não o faria.
Como passei praticamente toda a adolescência com ele, comecei a querer me arriscar mais, principalmente com relação ao sexo. Mas ele não me deixava transpor a barreira que havia criado entre o sexo seguro e rotineiro.
Também passava muito tempo em reuniões de negócios e mesmo nas festas, se encontrava um conhecido do meio dele, me esquecia e priorizava o assunto de sempre: trabalho.
Um homem que não tinha um fio de cabelo fora do lugar, que se vestia de forma impecável, fazia a barba diariamente, não gostava de beijar pela manhã nem durante as refeições.
Olhei para “el cantante”, que comia enquanto falava com Melody, tentando se adaptar à comida que talvez nunca tivesse provado antes. Sorria o tempo todo e parecia feliz.
Ele me olhou e flagrou-me encarando-o. Sorriu e deu-me um beijo nos lábios. Fechei os olhos e estendi um pouco o contato, embora não tivesse posto minha língua dentro da boca dele. Eu era completamente louca por aquele homem.
- Sua comida é muito boa, Medy. – Colin elogiou.
- Mas eu só ajudei. Quem fez quase tudo foi a tia Yuna.
Colin olhou-a, timidamente:
- Adoro a culinária coreana e confesso que me senti num restaurante típico.
- Obrigada. Mas não sou muito boa na cozinha. O especialista é meu irmão.
- Sim, Do-Yoon é maravilhoso na cozinha. Mas Yuna se saiu muito bem. – Elogiei.
- O que você faz? – Colin perguntou à ela.
- Pediatra.
- Ela é minha pediatra... E dinda. – Melody explicou, orgulhosa.
- Pretende arranjar um trabalho por aqui?
- Na verdade, não sei. Pretendo voltar para Noriah Sul. Estava planejando montar um consultório só para mim. Fui demitida de um hospital infantil no qual trabalhei por anos.
- Foram cruéis com ela. Yuna se dedicava 100% ao trabalho e simplesmente decidiram que não a queriam mais. Duvido conseguirem alguém que não falta nunca, comprometida, com um currículo impecável, melhores notas na faculdade... – Falei.
- Faz parte – Colin disse – Dedicar-se ao trabalho é algo que eu faço com prazer, pois sou apaixonado pelo que faço.
- Eu também... Por isso nunca me importei em dar mais do que me pediam. Doei-me de corpo e alma e acredito que isso é o correto. Ame o que faz e não terá um trabalho... – Ela sorriu.
- O hábito de tirarem os calçados na cozinha é muito higiênico. Estou pensando inclusive em usá-lo na minha casa. E percebi que não se importa em solicitar isso, mesmo aos estranhos, pois é o correto a fazer. – Admirou-se Colin.
- Não, não me importo mesmo. Você sabe quanto de bactérias pode ter num único pé de sapato?
- Não... – Colin olhou-a curioso.
- 421 mil bactérias, incluindo as causadoras da meningite, diarreias, infecções respiratórias e de sangue.
- Nossa! Isso é incrível... E nojento. Certamente estenderei o hábito de tirar os calçados a todos os cômodos da minha casa.
- Sua saúde agradece. – Ela sorriu.
- Colin, você quer convidar tia Yuna para jantar na sua casa? – Melody perguntou, descansando a cabeça nos dois bracinhos, que estavam sobre a mesa, apoiados pelos cotovelos.
- Medy! – Critiquei imediatamente, vendo os dois ficarem ruborizados imediatamente.
- Mas... Eles se deram bem. Eu sabia que isso ia acontecer. – Ela sorriu de forma satisfeita.
- Meu Deus! Me desculpem! – Falei, sem jeito.
Olhei para Charles, que estava com a cabeça baixa, segurando-se para não rir. Bati a perna levemente na dele, para que me ajudasse com a situação. Mas ele fez-se de bobo.
- Tia Yuna não tem namorado. Na verdade, acho que ela nunca teve. – Melody continuou, enrugando a testa, pensativa.
Levantei, pegando Medy no colo:
- Vou colocar você na cama, mocinha.
- Mas eu nem comi a sobremesa ainda. – Reclamou.
- Dê boa noite a todos e vamos com a mamãe. Amanhã você come a sobremesa. Por hoje, cama!
- Boa noite, pessoal! – ela levantou a mão – Tia Yuna, depois vai ao meu quarto avisar se Colin convidou você para jantar. – Não desistiu.
- Sua safada! – Apertei-a com força, dando-lhe beijos enquanto subia as escadas com ela.
Enquanto a ajudava a pôr o pijama, falei:
- Você não pode intervir assim na vida amorosa das pessoas. Tia Yuna precisa arrumar um namorado sozinha.
- Mas Colin é um namorado bem legal para ela. Eles são bonitos, gostam de comida coreana... E de tirar sapatos... – Falou enquanto eu a deitava na cama.
A porta se abriu e Charles entrou, trazendo a sobremesa: pepero. Certamente Min-Ji havia trazido da Coreia, em sua última visita. Aquele biscoito coberto com chocolate era o doce preferido de Yuna e Do-Yoon e acabou se tornando também o meu com o passar dos anos.
- Sobremesa para uma garotinha linda. – Charles sentou ao lado dela na cama, entregando-lhe o biscoito.
- Me deu água na boca... Vou ter que descer para pegar um.
- Eu busco para você. – Ele levantou.
- Não, deixa que eu pego. Preciso ajudar Yuna a organizar a cozinha e lavar a louça.
Dei um beijo em Melody:
- Não esqueça de escovar os dentes depois de comer.
- Papai deixa eu não escovar os dentes às vezes.
- Eu não acredito nisso, Charles. Conversaremos a respeito, seriamente. – Pisquei para ele, que pôs a mão no rosto, fingindo preocupação.
Fechei a porta e desci as escadas, ainda descalça. Quando cheguei à porta da cozinha, vi Colin lavando os pratos na pia. Arqueei a sobrancelha e fechei os olhos, abrindo várias vezes para ter certeza de que não era uma miragem.
Ele e Yuna conversavam animadamente sobre os hábitos da Coreia do Sul. Fingi que nem estive ali e voltei para o quarto, sorrindo satisfeita. Acho que Melody poderia estar certa: Yuna e Colin poderiam formar um belo casal.