Capítulo 90
2368palavras
2023-02-08 10:29
- Acho que não podemos tomar banho juntos... – Falei, ficando embaixo do jato de água morna.
- Eu acho que você me excita a qualquer momento, garotinha. – Os braços dele me envolveram novamente.
- Eu... Fui ao hospital depois do que houve hoje...
- Como assim? – Os olhos dele ficaram escuros, preocupados.
- Senti náusea, vomitei e tive um pouco de falta de ar. Fiz uma ecografia e... Vi nosso bebê.
Ele se afastou:
- Sabrina, você está louca?
- Não me deram remédios. Foi só um pico de estresse, segundo o médico. Mas já agendei a próxima consulta no Hospital mais próximo, na cidade vizinha. Yuna fez um chá e...
Ele saiu do box, furioso. Enrolei-me na toalha e fui atrás dele:
- Charles, agora está tudo bem.
- Você esqueceu que está grávida, Sabrina?
- Não, claro que não.
- Como vai atrás desta gente que nem conhece? E se tivessem uma arma? Ou você acha que quem rouba um carro e furta uma carteira e celular é do bem?
- Eu sei, Charles. Mas se não fosse assim, nunca saberíamos a verdade.
- Chega disto, Sabrina. Amanhã vamos à Delegacia, você registra um boletim de ocorrência contra seu pai e resolvemos tudo da forma correta.
- Ele não é uma pessoa honesta e correta, Charles. Agora que tem certeza que estamos juntos, acha que vai aceitar tão facilmente? Ele nunca teve caráter.
- Ele não tem mais o que fazer contra nós, Sabrina – ele disse enquanto colocava uma cueca e sentava-se na poltrona, de frente para mim, que me pus sobre o colchão, na cama – Não sou mais um pobre coitado, que não podia oferecer nada para a filhinha dele.
- Tem noção que ele nos deixou ficar juntos na mesma casa... Sabendo tudo que houve entre nós no passado, inclusive com a presença da nossa filha? Ele é um monstro, Charles.
- O que você pretende fazer, Sabrina?
- Eu não quero ir à Polícia... Não agora. Preciso saber como ele armou para você.
- Ir a Polícia é o mais correto a fazer.
- O mais correto a fazer? – eu ri ironicamente - Eles o prenderam, sentenciaram a pagar por um crime que não cometeu. Acha que farão o mesmo com Jordan Rockfeller? Não, não farão. Eu sei muito bem como funciona este mundo, Charles. Você está entrando nele agora. Acredite... Este meio é cruel, intimidador e sem escrúpulos... No final, vence quem tem mais poder.
- O que quer de mim, Sabrina? Que eu aceite que você corra atrás dos culpados, com nosso filho na barriga?
- Que pare de agir como se nada o atingisse, porra! – gritei – Eu não acredito que viveu bem nestes quatro anos preso, a ponto de nunca querer vingança.
Tentei me conter, sentindo cada músculo do meu corpo retrair-se de raiva. Charles ficou me olhando, calado, o maxilar firme:
- Não quero compartilhar com você os piores anos da minha vida, que passei naquele lugar... – A voz dele ficou embargada, enquanto pareceu ter dificuldade até mesmo para engolir a saliva.
- Não quero que compartilhe comigo... Só não me faça pensar que foi bom, porque sei que não foi... – Senti uma lágrima derramar, descendo pela minha bochecha.
Ele se aproximou e sentou-se ao meu lado, limpando-a:
- Se não fosse a sua imagem e o desejo de quando sair encontrá-la, eu teria acabado com minha própria vida... – Confessou, a voz carregada de emoção, os lábios trêmulos.
O abracei com força, sentindo seu coração bater junto do meu forte, forte, uníssono.
- Pensei em você todos os dias da minha vida desde que nos conhecemos. E ficava a me imaginar... Se lembrava de mim. Aos poucos as estrelas começaram a desaparecer no céu, assim como você – não contive as lágrimas – E você sumiu... Da internet, do mundo todo... E minha vida ficou um vazio. E eu só acreditava que não estava louca e tudo não passava de um sonho porque eu tinha um fruto do nosso amor... Ela era a única coisa real da minha vida.
Percebi as lágrimas quentes dele rolando pelo meu ombro:
- Tantas vezes achei que eu não iria aguentar... Mas me pegava pensando que você estava em algum lugar e eu a encontraria. A porra da vida nunca foi boa comigo. Kelly me destruiu, meu filho nunca quis saber de mim... A garotinha desapareceu do nada... – a voz dele falhava por vezes – Eu sabia que ganhar o mundo cantando me levaria a você de alguma forma. E todas as composições foram para você – afastou-se e me olhou, os olhos avermelhados – Então a encontrei... Com meu filho... E filha... – sorriu.
- Entende por que eu não posso deixar isso passar em branco? – limpei as lágrimas dele, como havia feito com as minhas, minutos antes – Não é justo que não paguem por todo mal que nos fizeram.
- Temo pela sua gravidez, meu amor.
- Eu garanto que vou me cuidar... Prometo. Não farei nada que possa prejudicar nosso bebê.
Ele me puxou para junto de si, na cama. Aconcheguei-me ao seu peito, sentindo certa tranquilidade e o ódio diminuir lentamente dentro de mim. No fundo ele tinha razão: eu precisava ter calma. A gravidez era recente e antes do terceiro mês havia a possibilidade de acontecer aborto espontâneo facilmente. E eu não queria perder o nosso bebê.
Naquela manhã, quando acordei, estava sozinha na cama. A claridade vinda do lado de fora ofuscou meus olhos. O sol brilhava intensamente. Pus um roupão por cima do corpo nu e desci.
Yuna e Melody estavam sentadas à mesa, tomando café da manhã. Dei um beijo em cada uma e sentei, servindo-me de café e leite.
- Viram Charles? – Perguntei, curiosa.
- Achei que ele estivesse com você ainda, no quarto. – Yuna falou.
Melody levantou e foi até a janela, dizendo:
- O carro que o papai alugou para nós não está aqui. Eu acho que ele pode ter saído.
A pus no colo enquanto a enchia de beijos. Ela fingiu não gostar, mas eu sabia o quanto minha filha amava aquele carinho e atenção.
- Dormiu bem? – Perguntei.
- Sim... – Levantou os braços para cima, como fazia sempre que se sentia feliz.
- E você? – Yuna me perguntou, com o olhar zombeteiro.
- Bem... Por quê? Ouviu algo? – Fiquei envergonhada e ao mesmo tempo preocupada de ter feito muitos ruídos na noite anterior.
- Não... Me refiro ao fato de ter acordado tão tarde.
Olhei no relógio digital da geladeira e percebi que já era dez horas. Levantei:
- Não acredito que dormi tanto.
- Qual o problema?
- Eu... Tenho muitas coisas a fazer... Organizar as roupas que Charles trouxe, tentar limpar um pouco desta casa e... Onde está Solitário II? – Olhei para Melody.
- Ele está na casa de Do-Yoon – ela fez cara triste – E papai disse que não tínhamos tempo para pegá-lo lá. Ele falou que poderíamos comprar Solitário III, mas eu acho que não é boa ideia, já que você tem eu e um bebê na sua barriga para cuidar. Expliquei a ele que você não daria conta de tantas responsabilidades, afinal, você é só uma mamãe.
Olhei-a, incrédula, tentando conter uma gargalhada:
- Sim, eu sou só uma mamãe. E realmente não dou conta de mais “filhotes” para cuidar.
Balancei a cabeça, ainda tentando decifrar a mente da minha filha, enquanto sorvia o restante do café.
Assim que pus a xícara na pia, a porta se abriu. Melody correu de encontro ao pai, recebendo vários beijos pelo rosto.
- Dormiu bem, meu amor?
- Sim, papai. Eu estava contando para mamãe que não podemos ter Solitário III.
Ele me olhou e começou a rir:
- Sim... Afinal, é muita responsabilidade para uma simples mamãe, não é mesmo?
Ela assentiu, seriamente.
- Papai, vamos na praia?
- Só se for agora – ele fez cócegas nela – Suba e vá pôr um biquíni.
Ela desceu rapidamente do colo dele, correndo escada acima.
- Onde você foi? – Perguntei, curiosa.
Ele veio até mim, envolvendo-me em torno dos seus braços firmes, enquanto me dava um beijo apaixonado, sem se importar com o gosto de café na minha boca, tampouco a presença de Yuna. Depois de satisfeito com o sabor do beijo e o acariciar de nossas línguas uma na outra, respondeu:
- Fui procurar Caio.
- Caio? Seu amigo barman?
- Sim. Ele era o único que sabia que estávamos aqui depois que você deixou seu ex na igreja. Afinal, peguei a chave das mãos dele, que estava como responsável pela casa.
- Achou que... Ele poderia ter dito ao meu pai onde estávamos?
- Achei... E eu estava certo. Seu pai sabia desde o início que eu tocava no Cálice Efervescente... E certamente estava a par de toda a minha vida em menos de 24 horas depois que nos envolvemos, garotinha.
Arquei a sobrancelha, aturdida.
- Jordan Rockfeller deu dinheiro ao seu amigo em troca de saber onde você e Sabrina estavam? – Yuna perguntou.
- Sim.
- Mas... Ele não era seu amigo? – Fiquei confusa.
- Sim... “Era”. Pelo menos da minha parte achei que sim. Mas pelo visto não era recíproca a amizade.
- Seu pai é um monstro. – Yuna me olhou, visivelmente furiosa.
- Nunca foi um homem admirável para mim... Mas também não pensei que fosse tão covarde e inescrupuloso. Jamais imaginei que um dia ele fosse agir com a própria filha como fazia com seus empregados e contratados.
- Como poderemos ter certeza de que foi ele que armou tudo para minha prisão?
- Tempo... – Yuna nos disse firmemente – Vocês esperaram muito. Vale a pena seguir a espera e saber ao certo o que aconteceu no passado. Você não pode agir por impulso agora, Sabrina.
- Eu sei... Vou tentar. E quando iniciar o ano, tomarei meu lugar na J.R Recording.
E assim o fiz. No quinto dia após o ano que iniciou, meu carro já havia chegado e fui com ele até a J.R Recording, decidida a fazer daquele meu trajeto diário para o trabalho.
Fazia anos que eu não pisava os pés naquele lugar. Mas ergui a cabeça e entrei firmemente, retirando os óculos escuros na recepção e anunciando que eu era Sabrina Rockfeller e estava vindo tomar meu espaço na área financeira.
Para minha surpresa, meu pai não ficava mais na empresa e quem tomava conta de tudo era minha irmã, Mariane.
Assim que cheguei na área financeira, que ocupava o oitavo andar no edifício que era propriedade exclusiva da minha família, percebi que poucos funcionários cuidavam de todo fluxo de entrada e saída de dinheiro da gravadora. Até empresas menores davam mais valor à parte que era responsável pelos recursos e finanças.
Fiquei admirada quando percebi que ninguém sabia que Jordan Rockfeller tinha outra filha a não ser Mariane.
Respirei fundo e fui de sala em sala no andar, anunciando que a partir de agora eu era a responsável por aquele setor, aproveitando para marcar uma reunião com todos dentro de uma hora.
Olhei para a recepcionista, uma senhora de meia idade, parecendo lenta demais para o cargo, não se importando com o que acontecia ao seu redor, inclusive fazendo pouco caso da minha presença.
- Quero uma sala. – Falei altivamente.
- Pode usar aquela. – Apontou, sem sair do lugar, voltando a mexer no computador, certamente fazendo algo particular, visto que ninguém parecia trabalhar seriamente ali.
Fui até a sala que ela me mostrou e abri a porta. Pequena, vazia, com o sol pegando em cheio e sem ar-condicionado. Suspirei. Será que eu tinha cara de idiota?
Percebi uma garota de óculos com aros grossos, que me cuidava por cima de sua mesa, observando cada passo meu. Fui até sua mesa e perguntei:
- Qual seu nome?
- Manuela.
- Eu sou Sabrina Rockfeller, como já anunciei. Qual sua função aqui?
- Sou... Estagiária.
- Pois então era, Manuela. A partir de agora, você é a nova secretária da área financeira da J.R Recording.
Ela me olhou, ficando ruborizada instantaneamente. Agora consegui chamar a atenção de quem ainda não havia entendido que eu era a dona daquela porra.
- Senhora... – A secretária levantou, finalmente, entendendo que eu não estava ali brincando de trabalhar.
- Aproveite que levantou sua bunda da cadeira e pegue seus pertences, passando em seguida no RH. Você está demitida. Manuela, tome seu lugar, à recepção. Será secretária do Financeiro e minha secretária particular. Vamos começar enxugando pessoas, pois a empresa vai de mal a pior, caso não saibam – eu ri – Mas claro que devem saber, afinal, vocês são a porra dos responsáveis pela área financeira. Então, se não sabem que a J.R Recording está falindo, são péssimos funcionários e em nada valem o que lhes pagam de salário mensalmente.
Não houve nenhuma palavra por parte de ninguém, a não ser olhares amedrontados na minha direção:
- Conversaremos melhor na reunião, que será dentro de exatamente – olhei no relógio – Quarenta minutos. Quem não estiver neste horário, pontualmente, nem entre na sala, por favor. Já passe diretamente no RH, junto da nossa querida ex-secretária e assine sua demissão. Acabou a moleza. Quem não quiser trabalhar, está fora.
Manuela seguia me olhando, no mesmo lugar:
- Levante-se e tome sua mesa, Manuela. Ou quer passar no RH e assinar sua demissão?
- Não, senhora. – Ela garantiu, ajeitando os óculos de grau com o dedo indicador.
Esperei ela se organizar e pedi:
- Qual a maior sala deste andar?
- A do gerente financeiro, senhora.
- Ok, me leve até lá.
Ela levantou, levando-me ao final do corredor, onde a sala enorme ocupava boa parte do andar. Abri a porta, sem bater, e lá estava o homem, usando terno, sem gravata, mexendo no computador. Fui imediatamente até ele e olhei a tela, ligada no whatsapp, onde ele conversava com alguém sobre... A noite que havia passado com a namorada?
Olhei bem para a cara dele e disse:
- Levante-se da minha cadeira.