Capítulo 83
2507palavras
2023-02-08 10:26
Mariane olhou para Charles com raiva e depois para mim, com desdém e saiu, puxando a porta com força, batendo-a.
Abri minhas mãos para certificar-me de que estavam tão trêmulas quanto meu corpo.
Charles veio até mim e abraçou-me:
- Acalme-se... Eu estou aqui. Vai ficar tudo bem.
- Eu... Estou tentando dar a volta por cima, ser forte, fazer o culpado pagar... Mas às vezes tenho vontade de jogar tudo para o alto e ir embora, só nós três, para bem longe e esquecer isso tudo.
- Eu já lhe fiz esta proposta, meu amor. Não me importo em saber quem fez ou por qual motivação. Estamos juntos e isso que importa... E com dois filhos. O que podemos querer mais?
- Justiça?
- De que adianta sabermos quem foi o culpado? Minha liberdade já foi retirada por quatro anos. E nada vai fazer este tempo voltar.
- E vamos deixá-los impune? E se seguirem querendo nos separar e fazer maldades para nossa família? Eu não sei se conseguiria acreditar que os Rockfeller aceitariam nossa relação... Não depois do que foram capazes de fazer no passado com você e comigo.
- E se você estiver errada e não for seu pai ou sua irmã? E se foi o seu ex-noivo? Afinal, ele está envolvido de alguma forma com Kelly e Guilherme. E isso é bem estranho.
- Colin é bondoso demais para isso.
- Bondoso? – ele ironizou – Ele traiu você, Sabrina.
- Sim, traiu. Mas agora eu já sei que minha irmã não vale nada. Então não sei até que ponto Colin realmente é culpado.
- Agora vai perdoá-lo?
Eu ri e o abracei, olhando em seus olhos:
- Não... Não vou perdoar Colin. E não pense que qualquer coisa no mundo fará com que eu deixe de amá-lo da forma como amo, “el cantante”.
- Jura? – Ele beijou a ponta do meu nariz.
- Juro.
Voltei para ver Melody na cama. Ainda estava a dormir.
Depois do almoço, Charles disse que precisava sair.
- Vai demorar? – Perguntei, curiosa.
- Um pouco.
Antes que ele saísse, parei na frente da porta:
- Vai longe?
Ele riu:
- Quer perguntar onde eu vou?
- Não... Claro que não. – Menti.
- Ok, eu não contaria mesmo.
- Isso não é justo, senhor Bailey.
- É justíssimo, senhora Bailey. Lembrando que só se torna oficialmente “senhora Bailey” depois que assinar um papel dizendo aceitar este gostosão aqui como seu esposo. – Sorriu, exibindo-se de forma sexy.
- Convencido!
- Não tenho culpa de ser o dono dos olhos verdes que lhe fazem perder o juízo.
- Quem disse?
Ele aproximou-se e beijou meu pescoço, de forma lenta, a língua passando delicadamente pela pele. Fechei os olhos, sentindo a calcinha molhar imediatamente, enquanto o puxava pelos cabelos para mais perto.
Charles se afastou e começou a rir:
- Viu como eu lhe faço perder o juízo?
- Bobo...
- Será que posso passar pela porta? Ou estou preso neste apartamento de Hotel com uma mulher e uma garotinha para sempre?
- Não está preso... – saí da frente da porta – Nunca mais estará, “el cantante”.
- A prisão ao seu lado e da nossa filha é o que mais quero, Sabrina.
Suspirei:
- Vá logo antes que eu não o deixe partir... Nunca mais.
Ele saiu e antes de fechar a porta voltou e pegou meu rosto entre suas mãos, dando-me um longo e apaixonado beijo. Quando se afastou, o olhei e recebi a seguinte justificativa:
- Para eu não esquecer o gosto dos seus lábios.
Comecei a rir e ele fechou a porta. Fui até a sacada, olhar o dia em Noriah Norte. Um país populoso, com boas condições financeiras e crescimento constante da economia.
Diferente de Noriah Sul, onde as melhores oportunidades de negócios ou trabalho eram focados na capital. Embora o país vivesse uma República, ainda era recente e o crescimento parecia desacelerado. As pessoas já não eram mais divididas em zonas de acordo com as condições financeiras, mas pareciam viver da mesma forma como no passado, recusando-se a misturarem-se e acabar de vez com as divisões socioeconômicas.
Havia rumores de que o povo queria a volta dos Chevalier ao poder. Mas não me parecia que eles queriam regressar à política. Talvez já tivessem feito o suficiente pelo país. E a população esperava deles mais do que podiam dar, sendo que já abriram mão da coroa em função da liberdade. Porém o povo não os libertava.
O telefone tocou. Era da recepção:
- Senhora, Otávio Sanchez deseja subir. Diz ser importante.
- Otávio Sanchez? Não conheço...
- Um minuto, por favor.
O telefone ficou mudo por cerca de um minuto antes do recepcionista esclarecer:
- Ele diz se empresário do senhor Charlie B.
- Ok, mande-o subir.
Esperei na porta até ouvir a batida. Abri e reconheci o tal Otávio Sanchez. O homem que vi no camarim de Charles, na noite do show.
- Charles se encontra? – Ele me olhou, sem cumprimentar.
- Não. Ele saiu.
- Posso esperá-lo? É importante.
- Claro. – Me afastei da porta e o deixei entrar.
Ele ficou olhando tudo ao redor, atentamente, antes de dizer:
- Fiquei sabendo que você também é uma Rockfeller.
- Sim, mas não faço questão do sobrenome. – Apontei para o sofá, para que ele sentasse.
- Nunca ouvi falar de você na J.R Recording.
- Talvez porque tenha começado na empresa há menos de cinco anos. Antes disso eu costumava aparecer por lá, embora raramente. Mariane sempre foi quem mais ficou com meu pai na gravadora.
- Eu soube que você tem uma filha com Charles.
- Sim – confirmei – E esperando outro bebê dele.
Otávio olhou para minha barriga:
- Então deve entender que Charles precisa ficar empregado, visto que agora ele tem duas filhas para sustentar.
- Primeiro, não temos certeza ainda se a criança que espero é menina. Segundo, eu sustentei minha filha sozinha por cinco anos, antes de reencontrar Charles. Então, se quiser me dizer algo, por favor, diga logo e não faça rodeios.
- Ele cancelou um show gigantesco hoje. Todos os ingressos estavam vendidos. Como acha que vamos justificar isso?
- A filha dele está doente.
- Acha que o público vai entender? Você, sendo uma Rockfeller, cresceu neste meio e sabe muito bem como esta merda toda funciona.
- Charles reencontrou a filha há poucos dias. Quer aproveitar o tempo todo junto dela. Nossa menina amanheceu febril...
- Não precisa me explicar o que houve. Se você gosta dele... O que eu acho que é verdade, não pode deixá-lo abrir mão da carreira. Sabe que ele é bom no que faz... Seu sucesso é recente. Ainda não está consolidado na carreira. Se começar a fazer coisas como pegar uma fã e levar para o camarim no meio do show, ou cancelar sem um motivo muito grave, Charles vai perder tudo que conquistou até agora.
- Ele não cancelará outros shows. Eu garanto.
- As duas vezes que isso aconteceu, foi por culpa sua.
- Culpa minha? O senhor está sendo injusto.
- Não, não estou. Você é esperta. Precisa botar na cabeça deste desmiolado que ele precisa cumprir a agenda, ou estará acabado em menos de um mês.
Melody apareceu na sala, andando com os olhinhos caídos, mas curiosa com o homem sentado próximo a mim. Veio diretamente para o meu colo. Toquei sua testa e percebi que a febre havia baixado.
- Está sentindo alguma coisa, docinho?
- Sono... – Ela sorriu.
A abracei com força. Ela olhou para Otávio:
- Oi.
- Olá. – Ele sorriu para ela.
- Sou Melody, mas pode me chamar de Medy. – Falou, sem mexer a cabeça, ainda escorada a mim.
- Você é muito parecida com o seu pai, sabia?
Ela sorriu, antes de dizer:
- Tenho os olhos iguais ao dele – olhou para os lados – Onde está papai?
- Ele foi fazer uma coisa... Já volta.
- Acha que ele demorará muito? – Otávio me perguntou.
- Eu... Não tenho certeza.
- Se importa se eu esperar? Realmente preciso falar com ele.
- Já tentou o celular?
- Cai na caixa... Desligado.
- Pode esperar. – Dei de ombros.
Otávio ficou esperando até o início da noite. Tentamos ligar para Charles várias vezes, mas sem sucesso. O telefone seguia desligado.
Yuna ficou comigo e Melody. E o homem permaneceu ali, até que Charles chegasse. Isso aconteceu em torno das vinte horas.
Assim que Charles entrou, ficou surpreso ao ver Otávio:
- O que... Você está fazendo aqui?
- Boa noite para você também, Charles. – Ironizou.
Charles veio até mim e deu-me um beijo nos lábios:
- Tudo bem por aqui?
- Sim...
- Como me encontrou?
- Por acaso não queria ser encontrado? – ele levantou – Acaba de cancelar um show muito importante. O que você está pensando?
- Eu... Vou ver Melody. – Falei, mencionando sair da sala.
- Como ela está? – Charles perguntou.
- Sem febre, mas ainda cansada e sonolenta.
- Yuna está com ela?
- Sim. Mas vou ver como estão.
- Ok.
Sai da sala e fui até o quarto. Yuna estava deitada na cama com Melody. Ambas estavam dormindo. Desliguei a luz e as cobri com uma manta. Verifiquei a febre de Melody, que seguia sem subir. Dei um beijo em cada uma delas e fechei a porta.
Estava me dirigindo ao outro quarto quando ouvi as vozes alteradas dos dois.
- Você é um irresponsável. E mau agradecido. Mariane fez tudo por você e é assim que paga?
- Eu não devo nada a ela. Foi mérito meu: trabalho, voz, letra, música.
- Mariane levou você ao topo. Se não fosse ela, ainda estaria cantando no bar de beira de estrada, bebendo cerveja barata no gargalo, vendendo bebidas entre uma música e outra, cantando covers, porque não lhe davam chance de tocar suas músicas.
- Eu paguei o preço pela fama. Fui obrigado a dormir com ela, várias vezes, e você sabe disto.
- Não deve ser tão difícil dormir com duas Rockfeller, meu caro. Ambas são gostosas e ricas. Então não se faça de coitado e azarado, porque você não é.
Corri imediatamente para a sala, sabendo o que aconteceria. Me pus no meio de Charles e Otávio, impedindo que “el cantante” o acertasse.
- Charles, não... – Pedi.
- Seu desgraçado. Está demitido. Não o quero mais comigo, com minha equipe, nos meus shows. Nunca mais quero vê-lo na minha frente.
Ele riu, debochadamente:
- Você está acabado, Charles.
Otávio saiu sozinho até a porta e a abriu, saindo e fechando-a em seguida.
Charles estava muito bravo e chegava a tremer os lábios. O abracei, tentando acalmá-lo:
- Estou aqui... Vai ficar tudo bem.
- Esta porra... Tudo conspira contra mim o tempo todo.
- Acho que deveria ter ido fazer o show, meu amor.
Ele pegou meu rosto entre suas mãos e me fez encará-lo:
- Sabrina, você é Melody são minha única prioridade a partir de agora. Eu já fiquei tempo demais longe de vocês. Se minha filha tiver dor de barriga, eu não vou fazer nada a não ser ficar com ela... Entendeu?
- Eu entendi... A questão é: como vamos sobreviver sem emprego? Eu já passei por esta situação... E estou nela novamente. E é bem ruim.
- Eu também já passei por isso... Inúmeras vezes. E quer saber? A gente vai dar um jeito, Sabrina. Mas juntos... Como sempre deveria ter sido, desde o início.
- Não quero ser a responsável pelo fim de Charlie B. – Senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
Charles as limpou:
- Charlie B. nunca existiu, Sabrina. Quem criou todas as músicas foi Charles, o seu “el cantante”. Todas as composições foram feitas na cadeia, pensando em você. Eu nunca tive nada... Estou me fodendo para a fama. Já estive preso, numa cela minúscula, dentro de um presídio, onde eu tinha tempo cronometrado para tomar sol. Acha mesmo que vou ser um prisioneiro da vagabunda da Mariane Rockfeller ou seu cachorrinho Otávio Sanchez? Não... Estou farto. Já fui grato o bastante por tudo que ela me fez.
- Onde você estava? Por que demorou tanto? Por que o telefone dava desligado? Foi atrás de Guilherme?
Ele riu e se afastou um pouco de mim, as mãos caindo ao longo do corpo:
- Você falou como a nossa filha agora.
- Posso saber?
- Não, não pode. Só amanhã.
- Amanhã? Por quê?
- É uma surpresa. Para minhas meninas.
Suspirei:
- Ok, vou tentar descobrir.
- Não vai conseguir descobrir.
- Tenho meus meios, senhor Bailey.
Ele riu:
- Jura? Acha mesmo que vai me convencer com sexo?
- Eu acho que sim. Mas como sou uma boa menina, vou esperar até amanhã.
- Eu teria dito qual era a surpresa em troca de sexo.
- E eu faria sem pedir que me contasse... – Comecei a rir, dando alguns passos para trás.
Ele pegou-me no colo e levou-me até o quarto, jogando-me na cama.
- Charles... Eu não quero transar. Melody não está bem e Yuna está dormindo com ela no quarto ao lado. Estou com muita vontade, mas não vai rolar.
Ele jogou-se na cama:
- Entendo muito bem o que sente, meu amor. Vamos pedir algo para comer e depois dormir abraçadinhos... Eu, você e este bebezinho aqui.
- Acho que vai ser menino.
- Hum, e você acertou que Melody era menina?
- Sim, desde o início.
- Já pensou num nome?
- “Começo de algo bom”? – Comecei a rir.
Ele sorriu largamente, a boca perfeita, os olhos verdes nos meus, a mão sobre a minha barriga.
Eu tinha até medo de pensar demais e acordar daquele sonho. Ele estava ali, comigo, o tempo todo. Quantas vezes me peguei imaginando como Charles realmente seria. Mal sabia que ele era muito melhor do que o criei na minha mente. O homem alto, de corpo escultural, olhos verdes, cabelos bagunçados, barba levemente crescida, brinco na orelha, colares dependurados no pescoço, jaqueta de couro preta e calça colada com botas de cano baixo era romântico, chorava quando se emocionava, era fiel, sensível, forte quando precisava, um pai perfeito, fodia como ninguém e me amava, sendo capaz de fazer qualquer coisa por mim.
Se eu devia largar tudo e ir embora com ele para ser feliz com a família que começávamos? Claro que sim.
Mas não era justo não encontrar antes o culpado pela nossa desgraça e separação por cinco anos.
Também tinha Jordan Rockfeller. Nunca pensei em deixar barato o fato de ele ter me expulsado de casa com uma filha no ventre. Certamente pensou que me fazer passar o Natal em família era o necessário para eu esquecer o passado. Mal sabia ele que o passado nunca saiu de dentro de mim... Eu tinha ele vívido na minha mente... Lembrava de tudo que aconteceu naquelas noites quentes de verão... Cada detalhe.