Capítulo 78
2102palavras
2023-02-08 10:23
Por incrível que pareça, o jantar foi tranquilo e até agradável, de certa forma. Depois de comermos a sobremesa, nos dirigimos novamente para a sala principal, onde estava o pinheiro e os vestígios do que seria uma noite de Natal em família, não fosse um passado horrível que nos afastava. A porta que dava de frente para o mar foi aberta e um ar fresco entrava.
Um dos garçons passou oferecendo Champagne, em taças de cristal. Yuna pegou uma e eu recusei.
- Vueve Clicquout não é mais sua bebida favorita irmã? – Mariane perguntou, certamente me observando o tempo todo.
- Não... Gosto de tequila. – Expliquei de forma seca.
- Podemos providenciar tequila, não é mesmo? – Ela perguntou ao garçom, que confirmou com um gesto de cabeça.
- Ela não quer beber... Você não ouviu? – Charles disse rispidamente.
- Não quer e não deve – Yuna provocou, olhando para minha irmã enquanto sorvia o líquido do copo – Esta coisa é boa... Explica um pouco de suas atitudes no passado.
Nós duas começamos a rir, sabendo exatamente ao que minha amiga se referia.
- Eu tenho um presente para você. – Yuna disse no meu ouvido.
- Está no pinheiro? – Perguntei curiosa.
- Não... No meu bolso. – Ela me entregou a pequena embalagem, que cabia na palma da minha mão.
- Hum, fiquei curiosa. – Percebi que todos os olhares estavam sobre nós.
Abri a caixinha e dentro tinha uma minúscula aliança de ouro. Eu sabia o que ela estava me dando. Era um presente ao bebê, de boa sorte, como um dia Melody recebeu, quando estava no meu ventre ainda.
- É igual ao meu, mamãe – Melody aproximou-se, tocando o anel em ouro – Eu deixei guardado, tia Yuna, como você pediu.
- Isso mesmo, minha querida. – Yuna pegou-a no colo.
Guilherme aproximou-se e observou o presente:
- Não cabe em você... E nem em Melody. É muito pequeno. – Observou.
- Tradição do meu país. – Yuna explicou.
- Yuna, você é a melhor pessoa que passou na minha vida... Junto com Do-Yoon e sua mãe. – A abracei com força.
- Tia Yuna vai morar com a gente – Melody anunciou – Lá na nossa casa em Noriah Sul. Temos um cemitério de animais que mamãe matou. Vovó já viu. – Sorriu.
- Vamos ver o que significa esta sua tradição, Yuna, filha de Min-ji. – Mariane pegou o celular, sentando-se confortavelmente no sofá.
- Estou fodida. – Falei no ouvido de Yuna.
- Ela não vai encontrar o real significado. – Yuna tranquilizou-me.
Mariane me olhou e temi que ela tivesse entendido o que a joia minúscula realmente significava.
Ela levantou-se e disse:
- Fiquei sabendo que vai ter um show especial de Charlie B. na TV aberta.
- Vai? – Charles arqueou a sobrancelha – Você nem me avisou.
- Queria fazer uma surpresa, meu amor! – Ela sentou no colo dele.
- Qual dos shows?
- O melhor de todos. – Ela deu-lhe um beijo, fazendo-me enjoar na mesma hora, sentindo o estômago embrulhar.
Virei-me de costas e subi correndo as escadas, temendo vomitar na frente de todos. Acho que eu não tinha mais estômago para tudo aquilo.
Corri ao vaso sanitário e fiquei incerta se era o jantar que não caiu bem ou o beijo que Mariane deu um Charles.
Yuna e Melody estavam ao meu lado, observando-me:
- Você está doente, mamãe? – Melody preocupou-se.
- Não... Não mesmo – expliquei – Mamãe foi gulosa e comeu demais, só isso...
Levantei e fui escovar os dentes. Quando me olhei no espelho, percebi o quanto estava pálida:
- Medy, hora de dormir.
- Mas mamãe...
- Agora – ordenei – Já é quase meia-noite.
Ela bateu o pé, brava, e saiu do banheiro, sem contestar.
- Por que vai obrigá-la a dormir no melhor da festa? – Yuna questionou.
- O clima aqui está cada vez pior. Estou me sentindo sem ar, sufocada. Não quero que minha filha faça parte disto ou sinta qualquer coisa ruim. Não consigo mais, Yuna. Eu não preciso passar por isso.
- Realmente não precisa.
- Sei que preciso saber a verdade e ajudar Charles, mas estou sendo egoísta afastando os dois. Melody quis o pai a vida toda.
- O que pretende fazer?
- Eu... Não sei. Mas acho que não quero mais ficar aqui. Charles e eu precisamos conversar e decidir juntos. Não ficaremos até o ano novo. Tudo bem para você?
- Claro... Tudo certo.
- Vou me despedir e dormir. Preciso descansar... Estou grávida e não vou forçar a barra... Preciso pensar também no bebê a partir de agora.
- Faz bem – Yuna me abraçou – Você é forte, Sabrina. Mas lembra quando me disse que toda rocha tem rachaduras e tudo bem consertá-las?
- Lembro... – sorri – Estou rachando... Preciso parar antes que me quebre por completo e não consiga juntar os meus pedaços.
- Concordo! Vou ficar com Medy. Despeça-se e saio quando você subir.
- Ok.
Quando abri a porta do banheiro, Melody estava sobre a cama, tentando retirar o vestido, que ficara preso em seu corpo, impedindo sua visão.
Sorri e abri o zíper na parte de trás, retirando delicadamente. Ela seguia com a cara feia para mim. Pus seu pijama e disse, enquanto a cobria:
- Vou me despedir e subir. Dormiremos abraçadinhas. E vou pedir chocolate quente com marshmellows para brindarmos o Natal. O que acha?
Os olhinhos dela brilharam:
- Oba!
- Preciso dar um beijo no seu papai... – sorri – Ou não consigo dormir.
- Mamãe, papai e Medy – ela pegou o colar o colar.
Olhei para as letras minúsculas refeitas em ouro e senti meu coração bater mais forte.
- Papai me deu de Natal – ela pareceu entender minha curiosidade – E disse que agora Medy vai ser a irmã do meio.
Senti as lágrimas caindo pelo meu rosto. Melody as limpou, me abraçando:
- Não chore, mamãe... Eu prometo que vou ajudar você a cuidar do bebê. E o papai e o Gui também.
- O meu sonho é que sejamos uma família feliz... Todos nós. E não vamos tirar Gui disto, não é mesmo?
- Não... – Ela riu.
- Agora mamãe vai descer um pouquinho e logo estou de volta.
- Tá bom.
Dei-lhe inúmeros beijos e desci novamente, disposta a conversar com Charles sobre pararmos com toda aquela encenação. Eu não tinha mais estômago para seguir.
Não encontrei ninguém na sala principal, que estava vazia.
- Onde estão todos? – Perguntei à empregada.
- Na sala de TV. Irão assistir ao show do Charlie B. – Ela sorriu gentilmente.
- Obrigada.
Me dirigi até a outra sala, onde havia a televisão. Atravessei a sala de jantar e o corredor até alcançar o cômodo pequeno, mas acolhedor. Todos estavam sentados enquanto Mariane mexia no controle da televisão.
- Venha, Sabrina. Guardei lugar para você. – Guilherme tocou o sofá, pedindo que eu sentasse ao seu lado.
- Eu... Não estou muito bem. Vou dormir.
- Não mesmo! Você precisa assistir ao show do meu namorado, irmã. Ele é um dos artistas mais consagrados da atualidade. Esperou certamente a vida toda para estar na TV aberta, num especial de Natal... – ela olhou para Charles – Amor, você quer minha irmã conosco, assistindo você, não é mesmo?
Charles me olhou por cima do encosto do sofá e disse, confuso:
- Sim.
Sentei ao lado de Guilherme. Meus pais estavam olhando para tela:
- Cobrou pela transmissão do show, não é mesmo? – J.R perguntou para Mariane.
- Claro que sim, papai.
Ela sentou-se ao lado de Charles e pôs as pernas sobre ele, enquanto jogava o sapato sobre o tapete no chão.
Assim que ela ligou o play, a imagem não foi de um show de Charlie B. Era eu... E Guilherme... Dentro da sala de aula. O mesmo vídeo apresentado dias atrás por Rachel, que me fez perder o emprego e passar a maior vergonha da vida.
Guilherme pegou minha mão e apertou-a, parecendo querer me dizer, sem palavras, que estava ali, junto de mim, para o que precisasse. Entendi como um apoio. Lá estávamos nós dois, mais uma vez, numa cena totalmente fora de contexto, expostos.
- O que é isso? – J.R disse, confuso, com o tom de voz alterado – Como foi capaz, Sabrina? Isso... É uma sala de aula. Onde está seu profissionalismo? Me diga ao menos que o garoto tinha dezoito anos quando isso aconteceu.
Levantei e olhei para Charles, ainda olhando para a tela, sem dizer nenhuma palavra.
Limpei as lágrimas que caíam pelo meu rosto e disse, com a visão turva:
- Não tenho que lhe dar satisfações de nada. Felizmente não dependo de Jordan Rockfeller.
- Você expõe o nome da nossa família o tempo inteiro. Qual seu objetivo? Acabar comigo?
- Acabar com você? – eu ri ironicamente – Jordan Rockfeller não significa mais nada na minha vida. E só para deixar claro: eu vou trabalhar na empresa. Caso não permita, buscarei meus direitos judicialmente.
- Disso você deve entender bem... – ele levantou e me encarou – Como vai explicar esta porra quando chegar na imprensa?
- Eu não sou famosa... Sou só uma professora de Ensino Médio, vítima de um vídeo que foi feito com o objetivo de me expor. E caso o vídeo viralize, pois acho que Mariane fará questão disto, vou processar quem fez a filmagem e compartilhou.
- Processar, processar... Deveria ter feito Direito, já que quer processar o mundo todo. Mas não... Matemática lhe deixava mais à vontade para fornicar com garotos que mal saíram das fraldas.
Guilherme avançou na direção do J.R, tentando socá-lo. Me pus no meio e disse, olhando em seus olhos:
- Vamos embora, Gui... Eu não consigo mais ficar aqui.
Minha mãe pegou minha mão enquanto eu me dirigia para fora do cômodo:
- Não pode... É mais de meia-noite...
- Eu posso... Me lembra a cena de uma garota, há quase seis anos atrás, posta para fora de seu lar, somente com a roupa do corpo... E uma filha no ventre. Antes de sair, eu disse para minha irmã que eu não estava sozinha... Lembro exatamente das minhas palavras naquele momento: “Não se preocupe... Eu não estou sozinha... Eu sou a garotinha”.
Charles me olhou, sem expressão alguma, ainda parecendo assustado e surpreso com o vídeo.
- Era ele... – Calissa olhou para Charles.
- El cantante procura garotinha... – Charles disse, sem se mover do sofá.
- Eu sabia... Eu sabia... – as lágrimas rolaram pelo rosto de Calissa – Você é o pai de Melody, Charlie.
- Sim. – Confessei.
Olhei para Mariane, que certamente não esperava pela verdade tão cedo. A intenção foi acabar comigo. Só que ela foi prejudicada junto. Com todos sabendo a verdade, Charles não precisava mais ficar com ela.
- Como pôde trair sua irmã por duas vezes, de forma tão inescrupulosa? – Calissa a olhou.
- Eu me apaixonei... – Ela tentou se defender.
- Destruiu o casamento dela há um dia de acontecer... E depois foi atrás do pai da filha de Sabrina... Quem é você, Mariane? Eu não reconheço esta pessoa sem um pingo de amor no coração, que parece querer tudo da irmã...
- Eu não quero nada dela... – Mariane tentou defender-se.
- Vamos, Gui... – Peguei a mão dele e saí, sem olhar para trás.
Sinceramente, havia esperado uma atitude de Charles. Queria que ao menos ele me xingasse, me chamasse de qualquer coisa que viesse a sua mente naquele momento que me via sendo tocado pelo seu filho na sala de aula.
Mas não... Ele preferiu o silêncio. E aquilo me doía mais do que qualquer coisa.
- Pegue suas coisas, Gui... Vamos embora.
- Finalmente...
Antes que eu abrisse a porta para entrar no quarto, ele me puxou para si e abraçou-me:
- Sinto muito por aquele dia, Sabrina. Eu não devia tê-la tocado na sala... Me perdoe.
- Você não tem culpa... Não se preocupe. Eu deixei acontecer.
- Mas eu tinha que ter pensado nesta possibilidade... Ao menos de alguém ver. Mas não... Foi muito além do que prevíamos.
Suspirei e ele limpou minhas lágrimas:
- Eu amo você.
- Gui, por Deus, não insista nisso. Estou quebrada demais para ter que tomar qualquer decisão.
- Vamos embora.
Ele virou as costas e eu chamei:
- Gui?
Ele me olhou.
- Você não tem nada a ver com tudo isso, não é mesmo?