Capítulo 76
2465palavras
2023-02-08 10:22
- Às vezes me parece que tudo é um sonho... E vou acordar amanhã e Charles não vai mais estar conosco.
- Você merece isso, Sabrina.
- Eu sei... – Comecei a rir.

- E o que vai fazer com Rachel?
- Vou abrir um processo contra ela ou a porra da família. Sei que meu nome não vai sair da lama, mas o dela vai entrar junto. Menina mimada e egoísta.
- O que deu em você, afinal? Como deixou o garoto fazer aquilo na sala de aula?
- Isso foi resultado de uma mulher há mais de cinco anos sem sexo... Só isso.
Ela riu:
- Só faltou subir as paredes?

- Acho que subi algumas vezes... Literalmente.
Melody usou um de seus vestidos rodados para a noite de Natal. Ela amava se vestir bem e receber elogios. Assim como eu, detestava prender os cabelos. O rostinho estava levemente queimado do sol. Pus um hidratante infantil específico para região do rosto, que a melhor pediatra do mundo, doutora Yuna, havia nos indicado.
Escolhi um vestido vermelho para mim, pois se não usasse esta cor Melody teria um ataque do coração, já que representava, na cabeça dela, Papai Noel e o Natal. Por cima dele fiz questão de usar algo que sempre esteve comigo, por muitos anos: a jaqueta de couro que recebi de um certo cantor, para me proteger do frio e da chuva.
- A jaqueta do papai! – Melody agradou-se quando viu.

- Acha que ele vai gostar?
Os olhinhos verdes abriram-se ainda mais:
- Sim... – O sorriso largo veio junto da afirmação.
Descemos próximo das oito horas, conforme havia sido combinado o encontro na sala principal.
Todos os olhares se puseram em nós duas enquanto descíamos as escadas. Ao mesmo momento em que a porta se abriu e Charles entrou, paralisado, nos encarando, com vários pacotes de presentes nas mãos.
Melody parou e olhou para o pai. Fiquei amedrontada da reação dela. Mas o que fez foi pedir-me colo.
Assim que a peguei, ela disse no meu ouvido:
- Acho que o papai roubou os presentes do Noel.
Comecei a rir:
- Acha mesmo? Bem, o seu presente está ali... – não consegui deixar de olhar para ele – Juntos dos outros presentes.
Sim, pois só faltava ele estar embrulhado na árvore de Natal. O amor das nossas vidas era tão lindo e perfeito. E Papai Noel existia... Ou nossa Medy não estaria frente a frente com o homem que esperamos por tantos anos.
Assim que cheguei ao último degrau, ele estava na minha frente, com os braços erguidos na direção da nossa filha, falando baixinho:
- Não deve pegá-la...
Melody deu os braços para ele, enquanto todos nos observavam. Ninguém ouviu o que ele me disse, mas era impossível não perceber o que rolava entre nós três. Para mim era perceptível o sentimento intenso que nos unia.
Alguns antepastos foram servidos ali, junto de bebidas. Claro que o som de fundo eram músicas do nosso cantor favorito, em volume baixo.
Eu poderia dizer que era um momento divertido e cheio de felicidade. Mas não. Era estranho... Muito estranho.
Yuna estava completamente deslocada. Meus pais sequer se falavam entre si, se preocupando apenas com Melody e focados em tirá-la dos braços de “el cantante”, que por sua vez parecia não querer seguir nosso combinado de fingir que não éramos uma família. Guilherme observador, retirado dos demais. Mariane tentando a todo custo as atenções do “namorado”, competindo com a filha dele.
E eu? Bem, me perguntei: o que estou fazendo aqui?
Me deu vontade de pegar minha filha, meu homem e fugir daquele lugar, para nunca mais voltar.
No entanto, enquanto o olhava, ele virou na minha direção, observando-me, com um sorriso no canto dos lábios. Meu coração quase saltou para fora do peito, praticamente transpondo-me para outra dimensão. Estávamos separados, mas nossos corações unidos. E nada nem ninguém poderia impedir aquilo... Nunca mais.
Charles estava vindo na minha direção quando Mariane pôs-se na frente dele:
- Espero que meu presente esteja ali... Junto dos demais. – Sorriu.
- Claro, querida! – Os olhos voltaram para mim, sem disfarçar.
Ela olhou na minha direção também, a taça de Champagne na mão, o vestido tomara que caia, longo, mostrando cada curva do seu corpo.
- Tia, você pode me pegar no colo e mostrar-me qual presente comprou para mim? – Ouvi Melody olhando para cima, dando os braços para minha irmã.
Mariane olhou para Charles, que ficou sério, esperando uma reação dela com relação à menina. Em seguida percebeu que estava sendo observada por todos.
Praticamente obrigada, pegou Melody no colo, reclamando:
- Você é muito pesada. Tem certeza de que só tem cinco anos?
- Sim, cinco anos. – Melody confirmou.
- Você tem certa semelhança com o ex noivo da sua mãe, sabia?
Ela virou as costas com minha filha no colo e tive vontade de gritar ao mundo o quanto aquela mulher era uma vagabunda e que queria tudo que era meu, sem ao menos uma justificativa.
Cheguei a dar um passo, decidida, quando vi Melody tentando piscar, o queixo descansando no ombro da tia, fazendo meu coração quase parar.
Ela havia planejado aquilo, para que o pai pudesse chegar até mim. Deus, até eu mesma às vezes duvidava que minha filha era uma criança de cinco anos, tamanha esperteza dela.
Claro que Charles chegou em segundos, parando ao meu lado, fingindo ser uma simples coincidência:
- Pus um presente dentro do bolso da sua linda jaqueta. – Ele disse, não me olhando, bebendo um gole da tequila que tinha na mão.
- Jura? – Fiquei curiosa.
- Quero que suba para abrir... O mais rápido possível.
Pus as mãos no bolso e no lado direito senti uma pequena caixinha de papel, estreita. Não conseguia imaginar o que poderia ser.
- Me diga que comprou um presente para ela. – Falei.
- Melody?
- Mariane.
- Você se preocupa muito com ela.
- Sei bem com quem estou lidando... Olha a maldade que ela tentou colocar na cabeça da nossa filha.
- Comprei o presente dela, sabendo o quão importante é para você toda esta mentira.
Seguíamos conversando lado a lado, fingindo que era só uma fala amigável.
Guilherme aproximou-se, pondo o braço sobre meu ombro, enquanto o encarava:
- Papai Noel me deixou um presente debaixo da árvore? – Ironizou.
- Se você foi um bom garoto, creio que sim.
- Você é ridículo.
- Guilherme, não! – Falei seriamente.
Ele me olhou e percebi que estava nervoso. Achei que bater de frente e enfrentá-lo poderia ser pior. E eu não queria que ele dissesse aos demais sobre a paternidade de Charles com relação à Melody, pois não sabia se J.R e Calissa estavam a par da verdade.
- É Natal! – Tentei fazê-lo ao menos ter um pingo de sentimento.
- O nosso primeiro Natal em família... – encarou novamente o pai – Posso apostar que vai querer levar sua linda mulher à nossa casa nas demais datas festivas, afinal, vão querer ver Melody, não é mesmo? – Olhou na direção de Mariane.
- “Nossa casa” quer dizer de você e Sabrina? – Charles pôs as mãos no bolso da jaqueta preta, fingindo desinteresse pela conversa.
- Óbvio que sim. – Respondeu Guilherme.
- Chegou tarde, garoto! Eu e Sabrina já temos “nossa casa”. Mas quero que saiba que sempre haverá lugar para você lá... Independente das coisas que falar para me ferir...
- Você é patético.
Retirei o braço de Guilherme do meu ombro e subi as escadas, deixando os dois para trás.
Quase corri em direção ao quarto e assim que abri a porta, retirei o presente do bolso. Ri sozinha quando deparei-me com um teste de gravidez.
Fui até o banheiro e levantei com dificuldade o vestido com excesso de tecido. Bastava urinar sobre o objeto e saberia se estava grávida ou não. Embora eu sentisse no meu corpo que tudo estava mudando, não tinha certeza absoluta.
Dois minutos depois e vi os dois traços, confirmando que tinha mesmo um bebê dentro de mim... Fruto de uma noite num show de um cantor que compôs uma música para mim.
Balancei a cabeça, rindo de mim mesma... Fui até aquele show para contar a Charles que ele tinha uma filha, gerada naquelas noites de verão na “nossa casa” de praia. No entanto saí de lá carregando outro bebê dele no ventre. E quando ele soube de Melody, junto recebeu a notícia da possível nova gravidez.
Pus o teste no bolso da jaqueta e desci, sem conseguir conter o sorriso no meu rosto.
Charles estava com Melody sentado no sofá, com Mariane tentando encontrar um espaço junto deles. Guilherme conversava com meu pai e não consegui decifrar se era algo bom ou ruim. Minha mãe olhava pela janela, parecendo longe. Yuna estava ao telefone.
Fui até Calissa e tentei acompanhar seu olhar, tentando ver algo dentro da escuridão da noite, fora do vidro da janela.
- Onde está seu pensamento? – Perguntei, de forma delicada.
- Infelizmente aqui... Tentando entrar na mente de todos e desvendar o que está acontecendo.
- Mamãe, acho que você é a única que não sabe... Mas vai saber em breve. Só não tenho certeza se isso é bom ou ruim.
- Por vezes me acho uma sortuda por não saber de algumas coisas.
- Com certeza. – A abracei por trás, sentindo o cheiro do seu perfume caro e de bom gosto.
Calissa Rockfeller não era uma pessoa que eu admirava. Mas a amava. Não via maldade nela, por mais que tentasse. Havia grandes chances de ela não saber nada sobre a prisão de Charles, mesmo apostando que ele poderia ser o pai de Melody.
Um dos garçons me ofereceu uma taça de Champagne, que peguei. A Vueve Cliqcuot sempre foi minha bebida favorita.
- Acho que não deve beber isso... – Vi Charles ao meu lado, retirando a taça da minha mão.
Olhei-o confusa. Minha mãe nos observou e sorriu, balançando a cabeça:
- Afinal, Charlie B., qual das minhas filhas lhe interessa de verdade?
- Uma... – ele me olhou, confessando – Sempre foi uma só, Calissa.
- Eu sabia. – Ela me olhou, saindo, puxando Mariane, que tentava aproximar-se novamente.
Pus, sem ele perceber, o exame de volta no bolso dele e falei, enquanto olhava para os demais, fingindo estarmos conversando sobre algo sem importância:
- Tenho um presente para você, “el cantante”. Está no bolso da sua jaqueta.
- Como pensou em beber, devo imaginar que seja “negativo”?
Sorri e saí, olhando para trás, fazendo mistério:
- Talvez...
POV CHARLES
Claro que eu não conseguiria esperar um minuto sequer para ver o resultado do exame. Imediatamente me afastei, virando-me para a entrada da sala de jantar, retirando o “presente” do bolso. Tinha duas listras. Sabrina estava grávida.
Senti meu coração bater tão forte que podia ver o movimento dele do lado de fora do meu peito. Um calor invadiu meu corpo, inexplicável.
Virei-me e a olhei. Ela estava me observando, enquanto sorria. Não tenho certeza da minha reação... Ou sequer se sorria de volta para ela.
Quando eu soube que Kelly estava grávida, fiquei sem chão. E se dissesse que fiquei feliz, estaria mentindo. Eu tinha dezesseis anos. Foi um choque, tanto para mim, quanto para ela. Nunca nos passou pela cabeça não ficar com a criança, por mais jovens que fôssemos. Mas também não achei que Kelly me abandonaria ao longo do caminho, na nossa tarefa de “pais” adolescentes. Ela priorizou a vida dela. Eu a do menino, que era sangue do meu sangue, minha responsabilidade, afinal, não pediu para vir ao mundo. O meu filho, que apesar de tudo, eu tinha orgulho quando o mencionava.
Saber que Sabrina me daria outro filho era simplesmente inexplicável. Uma criança que eu acompanharia, com certeza, desde o desenvolvimento na barriga dela até o resto da vida. Eu sentia tanto amor dentro de mim que não tinha como descrever.
Nunca fui o tipo de homem que acreditou no amor. Assumi minha responsabilidade frente à gravidez inesperada de Kelly na adolescência e depois eu só pensei em não ter mais filhos. Demorei um tempo a me envolver com outras mulheres, devido a estar constantemente com Guilherme, que exigia minha total atenção. Depois que ele foi morar comigo, era impossível, pois eu não tinha tempo para nada. Dava umas rapidinhas somente com o objetivo de me satisfazer.
Claro que o tempo passou e depois que perdi a guarda de Guilherme, minha vida passou a ser exclusivamente em bares e boates cantando. Eu poderia ter qualquer mulher que quisesse e escolhia minhas preferidas. Mas nunca consegui me envolver emocionalmente com nenhuma. Simplesmente porque não acreditava em sentimentos que fossem além do sexo.
Passei grande parte da minha vida sendo recriminado por engravidar uma adolescente. Nunca ninguém olhou para o meu lado de garoto de dezesseis anos. Eu não sabia porra nenhuma da vida. Era tão pirralho quanto Kelly.
Mas quando vi aquela garota com véu na cabeça, tropeçando na minha frente, um sorriso tímido, os olhos fixos nos meus, pele macia, cabelos negros que brilhavam tanto que ofuscavam minha visão, cheiro de perfume caro, delicada, envolvente, com um mundo todo pela frente e tentando acabar-se num casamento no dia seguinte... Eu soube que era ela.
Sempre fui bom na arte de ter mulheres a meus pés. Mas estar realmente interessado numa era complicado... E me deixou muito inseguro. Talvez por este motivo eu não consegui esconder meus sentimentos por ela em momento algum. Porque parecia que o amor que eu tinha por ela estava escrito nos meus olhos.
Ela tinha me dado a filha mais linda do mundo, a menina inteligente, com voz doce, sorriso cativante, tão cheia de carinho, que eu nem sabia se merecia tudo aquilo, já que não estive presente na vida delas por tantos anos.
Sabrina poderia ter seguido sua vida sem mim. Eu sumi por longos anos. Ela não sabia nada sobre meu paradeiro. Ainda assim nunca desistiu de me encontrar.
Melody sempre soube que eu era o seu pai, mesmo nunca tendo me visto. E a mãe alertou-a desde sempre que um dia nos reencontraríamos e ela seria apresentada a mim, que a amaria intensamente.
E tudo que ela planejou e prometeu para nossa filha aconteceu. Eu não imaginava um melhor encontro do que o que eu tive com Melody naquela manhã na praia. E minha conexão com a menininha de olhos verdes grandes e brilhantes foi tão intensa quanto a que eu tive com a mãe dela, muitos anos antes.
Não sei se elas sabiam, mas eu era capaz de matar e morrer pelas duas. Agora pelas três... Ou talvez fosse um menino.